Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Cinema

- Publicada em 02 de Novembro de 2023 às 00:40

Cinzas

Os Irmãos Taviani, assim como os Dardenne na Bélgica e os Cohen nos Estados Unidos, contribuíram de maneira expressiva para a riqueza da cinematografia mundial. A dupla italiana foi desfeita com a morte de Vittorio Taviani, em 2018, mas Paolo continua em atividade e dedica seu mais recente filme, este Leonora, adeus, à memória do irmão. Trata-se de mais um filme que, sem a preocupação de demolir monumentos, procura construir algo novo, nos espaços que sempre estarão abertos para os que, devidamente municiados pelas lições dos mestres, procurarem o ineditismo, não com o propósito da autopromoção, mas sim de evidenciar as oportunidades que o cinema jamais deixará de proporcionar aos que se afastam das pressões destinadas a transformá-lo em instrumento da mediocridade. Lançado aqui em apenas uma sala e em duas sessões, eis um filme que merecia mais atenção. Sua proposta mais evidente, perceptível desde o prólogo, quando somos surpreendidos com imagens preservadas exemplarmente da cerimônia na qual, em 1934, Luigi Pirandello foi laureado com o Prêmio Nobel, é realizar um filme-ensaio, algo que estava nos planos de Serguei Eisenstein e que de certa forma foi concretizado em 2001: uma odisseia no espaço, por Stanley Kubrick. Quando esteve nos Estados Unidos, na década de 30 do século passado, contratado pela Paramount, Eisenstein planejou uma versão do romance Uma tragédia americana, de Theodore Dreiser, no qual em alguns trechos pretendia aplicar suas teorias, que o animavam a imaginar um filme baseado em O capital, de Karl Marx. O projeto americano de Eisenstein não foi concretizado, como é sabido, mas resultou em dois filmes, um realizado por Joseph von Sternberg em 1931, e outro por George Stevens, em 1951, este uma obra-prima amplamente conhecida, intitulada Um lugar ao sol e interpretada por Montgomery Clift, Elizabeth Taylor e Shelley Winters. Glauber Rocha, em A idade da terra, foi outro que procurou explorar tal possibilidade. Inspirado pelo realizador de Outubro, o alemão Alexander Kluge chegou a realizar, em 2008, um filme de 8 horas de duração intitulado Notícias da antiguidade ideológica: Marx, Eisenstein, O Capital, lançado em DVD pela Versátil, em parceria com o Instituto de Tecnologia Social, o Instituto Goethe e o Sesc.
Os Irmãos Taviani, assim como os Dardenne na Bélgica e os Cohen nos Estados Unidos, contribuíram de maneira expressiva para a riqueza da cinematografia mundial. A dupla italiana foi desfeita com a morte de Vittorio Taviani, em 2018, mas Paolo continua em atividade e dedica seu mais recente filme, este Leonora, adeus, à memória do irmão. Trata-se de mais um filme que, sem a preocupação de demolir monumentos, procura construir algo novo, nos espaços que sempre estarão abertos para os que, devidamente municiados pelas lições dos mestres, procurarem o ineditismo, não com o propósito da autopromoção, mas sim de evidenciar as oportunidades que o cinema jamais deixará de proporcionar aos que se afastam das pressões destinadas a transformá-lo em instrumento da mediocridade. Lançado aqui em apenas uma sala e em duas sessões, eis um filme que merecia mais atenção. Sua proposta mais evidente, perceptível desde o prólogo, quando somos surpreendidos com imagens preservadas exemplarmente da cerimônia na qual, em 1934, Luigi Pirandello foi laureado com o Prêmio Nobel, é realizar um filme-ensaio, algo que estava nos planos de Serguei Eisenstein e que de certa forma foi concretizado em 2001: uma odisseia no espaço, por Stanley Kubrick. Quando esteve nos Estados Unidos, na década de 30 do século passado, contratado pela Paramount, Eisenstein planejou uma versão do romance Uma tragédia americana, de Theodore Dreiser, no qual em alguns trechos pretendia aplicar suas teorias, que o animavam a imaginar um filme baseado em O capital, de Karl Marx. O projeto americano de Eisenstein não foi concretizado, como é sabido, mas resultou em dois filmes, um realizado por Joseph von Sternberg em 1931, e outro por George Stevens, em 1951, este uma obra-prima amplamente conhecida, intitulada Um lugar ao sol e interpretada por Montgomery Clift, Elizabeth Taylor e Shelley Winters. Glauber Rocha, em A idade da terra, foi outro que procurou explorar tal possibilidade. Inspirado pelo realizador de Outubro, o alemão Alexander Kluge chegou a realizar, em 2008, um filme de 8 horas de duração intitulado Notícias da antiguidade ideológica: Marx, Eisenstein, O Capital, lançado em DVD pela Versátil, em parceria com o Instituto de Tecnologia Social, o Instituto Goethe e o Sesc.
Participante da mostra oficial do Festival de Berlim, quando recebeu o prêmio da crítica, Leonora, adeus mescla gênero, emoções, momentos dramáticos e relatos satíricos e até trechos de outros filmes, como obras de Rossellini e Antonioni. É clara, também, a referência ao neorrealismo italiano, tendo o filme, com exceção da sequência final, sido rodado em preto-e-branco. O episódio relacionado ao transporte das cinzas de Pirandello até a Sicília ocupa quase todo o filme. Porém, o relato muda de tom depois do trecho em que um funcionário público é encarregado do transporte, quando clássicos italianos se mesclam à encenação ao ponto em que se torna difícil distinguir entre o passado do cinema e o que está sendo criado por Taviani. Trechos diversos mesclam manifestações vividas por seres humanos, enquanto as cinzas de quem os transformou em personagens são levadas ao local de nascimento. Mas este, na verdade o cenário original, é o mar. É ali que um devoto do escritor, depois de corrigir o sacrilégio praticado por burocratas, exerce o verdadeiro ritual de despedida.
No painel erguido por Taviani aparecem tanto Mussolini, vivido por um ator, e o primeiro-ministro De Gasperi, em um cine-jornal do após-guerra. E na sequência de encerramento, baseada num conto do escritor, a agressividade humana se manifesta de forma a mais cruel. As duas meninas em luta feroz antecipam o gesto do jovem imigrante em território americano, quando o combate é substituído por violência ainda maior, criando um enigma para os encarregados da investigação e uma dor imensa para os próximos. É o momento em que as ingenuidades são desfeitas e a agressividade humana é inteiramente colocada em cena. Em outro trecho, quando um escultor contempla a natureza bruta, a criação da obra de arte tem exposto seu ponto de partida. O plano da despedida diante de um túmulo antecipa os aplausos depois da encenação de uma peça ser concluída.