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Cinema

- Publicada em 12 de Outubro de 2023 às 16:54

Retorno do passado

O filme italiano Nostalgia, dirigido por Mario Martone a partir de um romance de Ermano Rea (1927- 2016), exibido na mostra oficial do Festival de Cannes do ano passado, é mais um título a ser destacado num panorama praticamente dominado por produções irrelevantes, a maioria tratada como obras de relevância cultural. É um cenário preocupante, como se o cinema fosse apenas uma questão de forma, e não parte de um processo destinado a colocar o espectador diante de temas traduzidos para uma forma de espetáculo aberta a um público numeroso, algo certamente mais relevante do que uma simples lembrança de nomes integrantes de equipes produtoras. Este é o primeiro filme do cineasta (que nasceu em 1959 e realizou o primeiro filme para cinema em 1992) a ser exibido no Brasil. O roteiro foi escrito pelo próprio Martone, em parceria com Ippolita Di Majo, casada com o diretor. Seu tema, a volta de um bem-sucedido homem de negócios à sua cidade natal, é explorado de forma a afastar o filme de superficialidades, fazendo do conjunto de situações um mosaico de acontecimentos que formam um conjunto do qual emana um olhar repassado de inteligência sobre o mais relevante dos dilemas humanos: o conflito ente civilização e violência, entre o reprimido e as forças que tentam extinguir manifestações comandadas pelo primitivismo. Nesta busca de um passado, visando a corrigir atitudes que aos poucos vão sendo reveladas ao espectador, ergue-se uma narrativa na qual o ponto principal está relacionado a uma procura de entendimentos e tentativas de esclarecimentos de fatos passados e vivos na memória.
O filme italiano Nostalgia, dirigido por Mario Martone a partir de um romance de Ermano Rea (1927- 2016), exibido na mostra oficial do Festival de Cannes do ano passado, é mais um título a ser destacado num panorama praticamente dominado por produções irrelevantes, a maioria tratada como obras de relevância cultural. É um cenário preocupante, como se o cinema fosse apenas uma questão de forma, e não parte de um processo destinado a colocar o espectador diante de temas traduzidos para uma forma de espetáculo aberta a um público numeroso, algo certamente mais relevante do que uma simples lembrança de nomes integrantes de equipes produtoras. Este é o primeiro filme do cineasta (que nasceu em 1959 e realizou o primeiro filme para cinema em 1992) a ser exibido no Brasil. O roteiro foi escrito pelo próprio Martone, em parceria com Ippolita Di Majo, casada com o diretor. Seu tema, a volta de um bem-sucedido homem de negócios à sua cidade natal, é explorado de forma a afastar o filme de superficialidades, fazendo do conjunto de situações um mosaico de acontecimentos que formam um conjunto do qual emana um olhar repassado de inteligência sobre o mais relevante dos dilemas humanos: o conflito ente civilização e violência, entre o reprimido e as forças que tentam extinguir manifestações comandadas pelo primitivismo. Nesta busca de um passado, visando a corrigir atitudes que aos poucos vão sendo reveladas ao espectador, ergue-se uma narrativa na qual o ponto principal está relacionado a uma procura de entendimentos e tentativas de esclarecimentos de fatos passados e vivos na memória.
Na primeira parte do filme, dedicada à volta de um filho que havia abandonado sua cidade e a mãe para viver no Cairo, o reencontro é filmado de maneira a revelar arrependimento e sentimento de culpa. A relação entre mãe e filho, na qual este, através do comportamento gentil e afetuoso, procura redimir-se da fuga, é encenada de forma a colocar na tela um quadro de harmonia e equilíbrio. Mas a citação do nome Orestes, figura mitológica e assassino da figura materna, soa como uma advertência ao espectador. É o primeiro sinal do drama que a seguir será exposto em toda a sua integridade. Várias vezes vemos em cenas reveladoras ações daquele que alcançou sucesso em sua vida, desde o casamento até os negócios. Aos poucos, o pedido de apenas chá no voo para Nápoles, água no restaurante e a oração no lavar das mãos, uma gradação perfeita, revela que a religião muçulmana havia moldado um novo personagem. Logo a seguir, outra religião, a católica, surge para exercer também sua função disciplinadora, algo que o filme realça pelo detalhe do vinho no jantar com uma família.
Tudo funciona com perfeição. Desde a desenvoltura com que os negócios são tratados até a participação na tentativa de anular a atividade de criminosos através de ações destinadas a apoiar jovens de uma comunidade dominada pela violência. Uma coreografia baseada em danças egípcias e uma orquestra executando peças ocidentais procuram falar da possibilidade de uma civilização unida. Figura materna respeitada, negócios bem realizados, sucesso financeiro alcançado, casamento perfeito, comportamentos exemplares, solidariedade através de ensino artístico e cultural: eis a civilização dominando impulsos primitivos. Mas o passado não admite o abandono. O primitivo não admite ser transformado em figura a ser ignorada. A impossibilidade de reconciliação é realçada: o ataque à motocicleta, símbolo de algo que procura transformar o passado em algo digo de ser cultuado, tudo concluído no capuz que antecipa o desfecho. O filme de Martone, mais um a reforçar a ideia de que cinema verdadeiro é aquele que começa no desenho de personagens, é exemplo de como imagens devidamente selecionadas podem formar relatos que se equivalem a palavras, ao mostrar significados e identificar em situações exemplos de seres humanos vítimas de conflitos distantes de um epílogo iluminado.