Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Cinema

- Publicada em 28 de Setembro de 2023 às 20:00

Vampiro chileno

Mesclar Bram Stoker com Costa-Gavras e reunir uma narrativa vampiresca clássica com um ensaio sobre as ditaduras na América do Sul não seria certamente uma tarefa fácil. Pablo Larraín, o diretor de No, sobre o plebiscito que recusou os métodos de Augusto Pinochet, Jackie, focalizado na viúva do presidente John Kennedy, Spencer, que reconstituía a trajetória da princesa Diana, e O clube, que abordava os abusos sexuais por parte de religiosos, retoma, portanto, o caminho que o tem levado a personagens verdadeiras e a acontecimentos de nosso tempo. Larraín, assim como outros cineastas latino-americanos, procura mostrar que, por ter nascido num determinado continente, principalmente em região afastada da Europa e não pertencente ao círculo dominado por Hollywood, não recua diante das oportunidades de falar em linguagem universal. É um cinema que, ao falar de temas universais, não se afasta da aldeia tolstoiana que exige participação para que tudo seja compreendido em qualquer lugar do mundo. O que se passou no Chile, a partir de 11 de setembro de 1973, foi clara consequência do que já havia acontecido na Europa com a ascensão de regimes criminosos e genocidas. E não deixa de ser revelador que o golpe ocorrido no Chile, conforme revelações e documentos atualmente tornados públicos pelo governo norte-americano, teve apoio de uma potência que, alguns anos antes, havia combatido, em solo europeu e no Pacífico, dois desses regimes. A mesma potência que, em nome de valores ocidentais, foi adversária durante a chamada guerra fria de um regime, por sinal fracassado, acusado de antiocidental e totalitário. O diretor Larraín, trabalhando sobre roteiro por ele escrito em parceria com Guillermo Calderón, não se deixa levar por sectarismos e discursos superficiais e consolida um ensaio visual sobre as raízes da brutalidade utilizada para resolver situações complexas, recusando a fazer de seu filme apenas um requisitório antifascista.
Mesclar Bram Stoker com Costa-Gavras e reunir uma narrativa vampiresca clássica com um ensaio sobre as ditaduras na América do Sul não seria certamente uma tarefa fácil. Pablo Larraín, o diretor de No, sobre o plebiscito que recusou os métodos de Augusto Pinochet, Jackie, focalizado na viúva do presidente John Kennedy, Spencer, que reconstituía a trajetória da princesa Diana, e O clube, que abordava os abusos sexuais por parte de religiosos, retoma, portanto, o caminho que o tem levado a personagens verdadeiras e a acontecimentos de nosso tempo. Larraín, assim como outros cineastas latino-americanos, procura mostrar que, por ter nascido num determinado continente, principalmente em região afastada da Europa e não pertencente ao círculo dominado por Hollywood, não recua diante das oportunidades de falar em linguagem universal. É um cinema que, ao falar de temas universais, não se afasta da aldeia tolstoiana que exige participação para que tudo seja compreendido em qualquer lugar do mundo. O que se passou no Chile, a partir de 11 de setembro de 1973, foi clara consequência do que já havia acontecido na Europa com a ascensão de regimes criminosos e genocidas. E não deixa de ser revelador que o golpe ocorrido no Chile, conforme revelações e documentos atualmente tornados públicos pelo governo norte-americano, teve apoio de uma potência que, alguns anos antes, havia combatido, em solo europeu e no Pacífico, dois desses regimes. A mesma potência que, em nome de valores ocidentais, foi adversária durante a chamada guerra fria de um regime, por sinal fracassado, acusado de antiocidental e totalitário. O diretor Larraín, trabalhando sobre roteiro por ele escrito em parceria com Guillermo Calderón, não se deixa levar por sectarismos e discursos superficiais e consolida um ensaio visual sobre as raízes da brutalidade utilizada para resolver situações complexas, recusando a fazer de seu filme apenas um requisitório antifascista.
A ação de O conde inclui a Revolução Francesa, hoje data universalmente comemorada e marco do eterno combate pela liberdade e por todos os direitos humanos. Porém, Larraín não esquece e até enfatiza a presença da guilhotina, instrumento utilizado para eliminar nobres e qualquer inimigo do novo regime e do qual foram vítimas vários líderes do movimento. Poderia, também, lembrar a figura de Jean-Baptiste Carrier, que em Vendeia, uma província rebelde, afogou no rio Loire mulheres, crianças e todos os monarquistas que pôde capturar, numa ação que historiadores hoje classificam como um verdadeiro genocídio, destinado a tornar a região desabitada. Aliás, há os que usam o neologismo despopulação, para definir a ação de Carrier, um dos que, mais tarde, também seria guilhotinado. Para colocar Pinochet em seu devido lugar, não utiliza os métodos habituais, preferindo mostrá-lo como um descendente de desequilibrados que, com suas ações, resumem e configuram toda uma agressividade e um primitivismo utilizados por tiranias que pensam abrir caminhos utilizando ações desprovidas de qualquer traço de lucidez e compostas pela mais extrema brutalidade. Há certos momentos em O conde que devem ser vistos com algum rigor, como, por exemplo, ligar Margaret Thatcher a Pinochet, esquecendo de mencionar que uma mulher conservadora e apelidada de Dama de Ferro foi quem comandou uma ação bélica que contribuiu decisivamente para a derrocada dos irmãos políticos de Pinochet na Argentina, uma contradição que o filme deixa de explorar, até por confundir conservadorismo com fascismo.
E para os que costumam acompanhar os créditos finais, Larraín deixa uma mensagem importante e reveladora. Ele utiliza, o que já havia feito na cena inicial, a célebre Marcha Radetzky, composta por Johann Strauss pai em homenagem ao marechal Joseph Radetzky von Radetz, militar que passou a história como um incentivador de métodos severos e que se destacou durante o domínio austríaco na Sardenha. Tal marcha até hoje é interpretada pela Filarmônica de Viena nos concertos festivos de fim de ano, que costumam ser regidos por maestros famosos em todo o mundo, e se faz presente nas paradas militares do Chile. Eis outra ligação da Europa com a América Latina, simbolizada pelo voo da mãe vampiresca, numa das cenas simbólicas desta fantasia cinematográfica sobre o totalitarismo e suas raízes.