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Cinema

- Publicada em 27 de Julho de 2023 às 18:04

A grande contradição

Depois do fracassado Tenet, o diretor Christopher Nolan volta com um filme que o recoloca no lugar alcançado com Dunkirk, aquele ocupado pelos cineastas merecedores, no mínimo, de respeito e atenção. Seu novo filme, Oppenheimer, um ensaio sobre a carreira do cientista principal responsável por descobertas que levaram à criação da bomba atômica, nos anos finais da Segunda Guerra Mundial, é obra incomum por vários motivos, entre eles o de provar que é possível a criação de um filme que, além de ambicionar o êxito nas bilheterias, também seja um relato tão lúcido quanto cruel, na missão de revelar ao público temas que, por serem raramente abordados, permanecem ocultos, embora tratem da essência da chamada civilização.
Depois do fracassado Tenet, o diretor Christopher Nolan volta com um filme que o recoloca no lugar alcançado com Dunkirk, aquele ocupado pelos cineastas merecedores, no mínimo, de respeito e atenção. Seu novo filme, Oppenheimer, um ensaio sobre a carreira do cientista principal responsável por descobertas que levaram à criação da bomba atômica, nos anos finais da Segunda Guerra Mundial, é obra incomum por vários motivos, entre eles o de provar que é possível a criação de um filme que, além de ambicionar o êxito nas bilheterias, também seja um relato tão lúcido quanto cruel, na missão de revelar ao público temas que, por serem raramente abordados, permanecem ocultos, embora tratem da essência da chamada civilização.
O ensaio, que é estruturado a partir de vários elementos, é revelador de um processo criador de uma obra sem limites e que reflete uma ação enriquecedora, por um lado, e destruidora, por outro. Sabendo que um relato que acompanhasse minuciosamente a trajetória do físico americano em seu campo de ação seria de difícil compreensão por parte do público, Nolan, que também é roteirista do filme, optou por uma narrativa que chegasse à essência do tema tratado, que é resultado do pensamento e da criatividade, sem esquecer a sensibilidade e a imaginação que aproximam o ser humano das artes, tão reveladoras quanto as ciências, por exporem, no caso, as forças criadas pela descoberta e a dor causada em seu descobridor pelos terríveis efeitos de sua criação.
O filme, que não segue os fatos de maneira a respeitar a cronologia, é como o quadro contemplado pelo protagonista, um exemplo da revolução que transformou o espaço de uma tela em múltiplas visões, criando figuras que parecem em movimento constante, retirando máscaras e revelando verdades não percebidas, escondidas por rituais e convenções. E ao recorrer a citações que colocam na narrativa obras como A sagração da primavera, procura aproximar a ação de outros pioneiros, também descobridores de novos mundos. O universo explorado por Oppenheimer, várias vezes focalizado em imagens intercaladas à narrativa, é aquele que, uma vez dominado, possibilitará a utilização de forças até então desconhecidas. Depois da primeira explosão, enquanto todos festejam o êxito alcançado, o cientista tem a terrível visão de rostos deformados e corpos mutilados. Na Sagração, muitos percebem a antecipação das imagens da Primeira Guerra Mundial e, em certos quadros, a antecipação do que estava por vir, em imagens, tão terríveis como reveladoras, do que a civilização, através de alguns de seus componentes, é capaz de criar. Ciência e artes se unem para, tanto na pesquisa como na elaboração de um poema, revelar a força de partículas se espalhando e tornando real a destruição que pode ser a definitiva, como está expresso no diálogo entre o protagonista e o militar designado para acompanhar o projeto.
O cineasta sabe também dar significado a fatos reais. A construção da cidade, por exemplo, é um eloquente símbolo do erguimento de uma civilização. E há outro fator a não ser negligenciado pelo espectador. O filme retoma a questão do macarthismo, essa mancha na história americana, que até hoje é uma influência nefasta, não apenas nos Estados Unidos. Por seu apoio à República Espanhola, quando da rebelião franquista, Oppenheimer foi injuriado e só reabilitado no governo Kennedy. E durante os interrogatórios a que foi submetido o cientista é colocado diante de um dilema: é possível admirar Marx e não ser adepto de um regime então vigente num país do leste europeu? O filme também revela o obscurantismo que regeu detentores do poder em determinada época.
Por muitos fatores, o novo filme de Nolan é uma verdadeira exceção no panorama atual, uma fase em que a superficialidade domina, a desinformação é praticada e a cultura sofre a ação deletéria dos que parecem ter orgulho do desconhecimento. Na verdade, se trata de uma peça rara, interessada em expor os perigos encontrados e os segredos descobertos em mundos até então desconhecidos. Um filme verdadeiramente contemporâneo.