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Cinema

- Publicada em 01 de Dezembro de 2022 às 19:07

O artista e seu tempo

Hélio Nascimento
Só agora foi possível ver o terceiro filme de Florian Henkel von Dornnesmarck, Nunca deixe de lembrar, realizado em 2018. O filme teve distribuição irregular, chegou a ser exibido em um canal a cabo e depois desapareceu do circuito, antes de chegar às telas domésticas através da Netflix. O cineasta havia iniciado a carreira no longa-metragem em 2006, quando realizou A vida dos outros, vencedor do Oscar de filme internacional e marcado pela antológica e comovente cena final, quando a dedicatória em um livro adquire um simbolismo revelador. Este primeiro filme do realizador é um dos mais luminosos momentos do cinema do século atual. Após este êxito inicial, em 2010, Dornnesmarck tentou uma carreira internacional com O turista, um inesperado fracasso, no qual o cineasta foi vencido pelo narcisismo de seus principais intérpretes e submergiu diante da onda de mediocridade responsável por grande parte do cinema de nossa época. Depois de seis anos, ele voltou a seu país e mostrou que não estava vencido. Ao contrário, o novo filme mostrou que seu talento e sua inspiração haviam sobrevivido. Intitulado no original Obra sem autor, o filme descreve, obviamente inspirado no gênero literário chamado romance de formação, a trajetória de um artista, desde os primeiros anos até a maturidade, passando pelas três fases vivenciadas pela Alemanha no século passado, quando foi regida pelo nazismo, o comunismo (na parte oriental) e depois pela democracia. Os três períodos são reconstituídos em um tríptico, pois o filme está dividido em partes, cada uma delas acentuando as características de cada grupo dominante e as relações do artista com os conceitos vigentes e exercidos de maneira diversa.
Só agora foi possível ver o terceiro filme de Florian Henkel von Dornnesmarck, Nunca deixe de lembrar, realizado em 2018. O filme teve distribuição irregular, chegou a ser exibido em um canal a cabo e depois desapareceu do circuito, antes de chegar às telas domésticas através da Netflix. O cineasta havia iniciado a carreira no longa-metragem em 2006, quando realizou A vida dos outros, vencedor do Oscar de filme internacional e marcado pela antológica e comovente cena final, quando a dedicatória em um livro adquire um simbolismo revelador. Este primeiro filme do realizador é um dos mais luminosos momentos do cinema do século atual. Após este êxito inicial, em 2010, Dornnesmarck tentou uma carreira internacional com O turista, um inesperado fracasso, no qual o cineasta foi vencido pelo narcisismo de seus principais intérpretes e submergiu diante da onda de mediocridade responsável por grande parte do cinema de nossa época. Depois de seis anos, ele voltou a seu país e mostrou que não estava vencido. Ao contrário, o novo filme mostrou que seu talento e sua inspiração haviam sobrevivido. Intitulado no original Obra sem autor, o filme descreve, obviamente inspirado no gênero literário chamado romance de formação, a trajetória de um artista, desde os primeiros anos até a maturidade, passando pelas três fases vivenciadas pela Alemanha no século passado, quando foi regida pelo nazismo, o comunismo (na parte oriental) e depois pela democracia. Os três períodos são reconstituídos em um tríptico, pois o filme está dividido em partes, cada uma delas acentuando as características de cada grupo dominante e as relações do artista com os conceitos vigentes e exercidos de maneira diversa.
O filme começa fazendo o paralelo de duas determinações dos nazistas, uma contra a arte e outra contra seres humanos que possam se constituir em ameaça ao culto da raça pura e perfeita. Assim, a narrativa tem início com uma visita à exposição da chamada pelos nazistas "arte degenerada", durante a qual o protagonista, ainda menino, é colocado diante de exemplos de manifestações artísticas voltadas a expor temas então ocultos sobre a natureza humana. Ao mesmo tempo, é focalizada a figura da tia do protagonista, personagem que, devido a problemas de comportamento, será uma das vítimas de um regime empenhado em evitar o nascimento de seres portadores de características que poderiam enfraquecer, segundo seus conceitos, a pureza da raça superior. Outro personagem importante é um médico ginecologista, recrutado pelo regime para pôr em prática o extermínio de pessoas julgadas portadoras de deficiências. Este médico representa a figura do pai opressor, pois passará a exercer papel decisivo na vida do pintor e de sua esposa. Mais uma vez, portanto, o número três. O trio de figuras principais reconstitui o drama original, que será exposto com clareza na segunda parte, a fase comunista. O mesmo médico e pai, antes um oficial nazista, é agora um adepto fervoroso do novo regime, que também deseja controlar a arte, permitindo apenas manifestações de cunho partidário e classificando obras destinadas a acompanhar destinos de indivíduos de peças personalistas, como se cada ser humano nada significasse.
O mesmo pai antes nazista e comunista prossegue dominante na terceira parte. Agora não há sufocamento de expressões artísticas, mas o desprezo e a ironia por parte dos poderosos. Mas a agressividade também é evidenciada em muitas passagens dedicadas a focalizar o fazer artístico. O pai, outra vez poderoso, se dedica a preservar uma imagem falsa, e parece vencedor pois a gravidez se torna aparentemente improvável. E vale mencionar que a esposa é a clara substituta da tia sacrificada, que, por sua vez, substitui a mãe um tanto ausente. No epílogo, quando o protagonista é um artista consagrado, depois que uma de suas obras de certa forma castiga o tirano, há não apenas uma volta ao passado e um reencontro. É quando o artista encontra sua verdadeira liberdade, o encontro consigo próprio. E vive outra vez uma situação definitiva, aquela que se liga ao passado para dele ter uma visão lúcida e assim construir o futuro.
 
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