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Cinema

- Publicada em 27 de Outubro de 2022 às 17:49

Condenados

Hélio Nascimento
A exibição, no Brasil, apenas no streaming, de Argentina, 1985, afasta do espaço correto no qual deveria estar sendo exibido este filme tão atual e importante. Enquanto a maioria das salas apropriadas para exibir filmes de forma certa são ocupadas por obras destinadas a fortalecer o processo destinado a transformar o cinema em distração para plateias infantis - um processo importante para atrair futuros espectadores - trabalhos como o do cineasta Santiago Mitre são impedidos de ser vistos de maneira a lembrar que o cinema é uma experiência a ser compartilhada, como no teatro e nas salas de concertos. Grande sucesso de bilheteria em seu país, com salas quase sempre lotadas, o filme recebeu o prêmio da crítica no Festival de Veneza e depois foi exibido com a esperada repercussão nos festivais de Londres e Rio de Janeiro, onde algumas de suas cenas foram aplaudidas durante a projeção, em cena aberta como se diz no teatro, assim como aconteceu aqui em Porto Alegre, quando das exibições do belíssimo documentário de Giuseppe Tornatore sobre Ennio Morricone. O streaming tem sua importância e permitido o conhecimento de obras que dificilmente chegariam a um circuito exibidor cada vez mais dominado pela mediocridade, mesmo que esta tenha encontrado resistentes, tanto entre os realizadores como entre os espectadores. Portanto, é uma pena que Argentina, 1985 seja um filme afastado de um contato direto com um público mais amplo.
A exibição, no Brasil, apenas no streaming, de Argentina, 1985, afasta do espaço correto no qual deveria estar sendo exibido este filme tão atual e importante. Enquanto a maioria das salas apropriadas para exibir filmes de forma certa são ocupadas por obras destinadas a fortalecer o processo destinado a transformar o cinema em distração para plateias infantis - um processo importante para atrair futuros espectadores - trabalhos como o do cineasta Santiago Mitre são impedidos de ser vistos de maneira a lembrar que o cinema é uma experiência a ser compartilhada, como no teatro e nas salas de concertos. Grande sucesso de bilheteria em seu país, com salas quase sempre lotadas, o filme recebeu o prêmio da crítica no Festival de Veneza e depois foi exibido com a esperada repercussão nos festivais de Londres e Rio de Janeiro, onde algumas de suas cenas foram aplaudidas durante a projeção, em cena aberta como se diz no teatro, assim como aconteceu aqui em Porto Alegre, quando das exibições do belíssimo documentário de Giuseppe Tornatore sobre Ennio Morricone. O streaming tem sua importância e permitido o conhecimento de obras que dificilmente chegariam a um circuito exibidor cada vez mais dominado pela mediocridade, mesmo que esta tenha encontrado resistentes, tanto entre os realizadores como entre os espectadores. Portanto, é uma pena que Argentina, 1985 seja um filme afastado de um contato direto com um público mais amplo.
Entre os anos de 1976 e 1983, a Argentina padeceu sob uma ditadura das mais cruéis, que utilizou métodos que revelaram extremos a que pode chegar a agressividade humana quando posta a serviço de um regime disposto a eliminar qualquer forma de oposição. O cinema argentino, sem discursos e excessos verbais, tem abordado o tema de forma a destacar o perigo que representa para qualquer povo um regime que se julga infalível e eterno, mas cujo destino, como a História ensina, é sempre a derrocada. O filme de Mitre se desenrola durante o julgamento dos principais líderes da ditadura e enaltece a figura de César Strassera, o procurador que comandou o processo iniciado pelo governo de Raul Alfonsin. Strassera era uma figura praticamente desconhecida até que se destacou de forma digna e corajosa, no período que foi concluído com a condenação, em alguns casos com a prisão perpétua, da maioria dos comandantes da época da ditadura, inclusive o do primeiro deles, Rafael Videla. Embora centralizado no julgamento, o filme poucas vezes tem a ação desenrolada no tribunal, e quando o faz é para destacar a arrogância dos réus, sempre acreditando estar salvando a civilização de seus inimigos. Mas são os depoimentos colhidos pelo grupo de jovens advogados dirigidos por Strassera que terminam por expor toda a barbárie então liberada. Destaque é também dada a uma personagem que surge através de citações e conversas por telefone, a mãe de um dos promotores, que só no último momento deixa de apoiar a junta comanda por Videla, ao se deparar com depoimentos reveladores de torturas em mulheres grávidas.
Não é sempre que um filme tem num ator um valor inestimável. No caso do filme de Mitre, outra vez Ricardo Darin, que em cada filme em que aparece ministra uma lição de como se vive um personagem em cinema. O momento em que lê a acusação final merece figurar em qualquer antologia, e também os aplausos de uma plateia quando o filme é exibido em cinemas. A oração termina com o célebre "nunca mais", duas palavras que, como disse Strassera, não pertencem a ele e sim ao povo argentino. O filme, que em alguns momentos se aproxima dos relatos de Costa-Gavras, que expôs malefícios de ditaduras europeias e latino-americanas, não tem, na verdade, limitações geográficas ao exaltar o destemor de quem se revelou um combatente da liberdade, que abandona o cenário onde desfruta emoções wagnerianas para enfrentar inimigos dominados por indisfarçável sadismo e incontrolável ânsia totalitária, elementos encontrados na origem de um ódio que pode se espalhar pela sociedade inteira.
 
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