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Cinema

- Publicada em 28 de Julho de 2022 às 17:39

Rebeldia manipulada

Hélio Nascimento
 O fato de Baz Luhrmann ser um realizador convertido ao exagero, servo do plano curto e adepto de uma encenação que tem na deformação da imagem sua principal característica, eram elementos que faziam de Elvis um filme a ser evitado. No entanto, é preciso admitir, que o novo trabalho do cineasta é uma surpresa. O filme reúne elementos, no roteiro e na direção, que o tornam um filme que não deve ser ignorado. E não apenas por seus recursos de produção e pela atuação de seus dois principais intérpretes. É que a obra, tendo como tema aparentemente mais importante a carreira de um ídolo popular, é na verdade uma espécie de ensaio sobre como funcionam as engrenagens que controlam o ser humano, transformando-o numa marionete manipulada, num objeto que deve produzir lucro, mesmo quando num palco expressa inquietações sufocadas e instintos reprimidos. Protestos do corpo humano controlado por convenções e regras civilizatórias já tinham sido vistos num palco no passado. Entre outros exemplos há o de Vaslav Nijinski, que em O entardecer de um fauno havia escandalizado o público de sua época, o mesmo Nijinski que, em parceria com Igor Stravinski e Nicholas Roerich, deu começo ao Século XX com a Sagração da Primavera e de certa maneira previu a Primeira Guerra Mundial, algo constatado por Modris Eksteins, no magnífico livro dedicado a tal tema. Porém, foi com Elvis Presley, que soube ver ou então sentir, quando bem jovem, a dança e a música dos negros, expressas em cabarés e em templos, como está registrado numa das melhores sequências do filme, que tal ousadia atingiu aquele público formado por uma geração que, afastada de obras mais elaboradas, nunca tinha visto um espetáculo marcado por tal transgressão.
 O fato de Baz Luhrmann ser um realizador convertido ao exagero, servo do plano curto e adepto de uma encenação que tem na deformação da imagem sua principal característica, eram elementos que faziam de Elvis um filme a ser evitado. No entanto, é preciso admitir, que o novo trabalho do cineasta é uma surpresa. O filme reúne elementos, no roteiro e na direção, que o tornam um filme que não deve ser ignorado. E não apenas por seus recursos de produção e pela atuação de seus dois principais intérpretes. É que a obra, tendo como tema aparentemente mais importante a carreira de um ídolo popular, é na verdade uma espécie de ensaio sobre como funcionam as engrenagens que controlam o ser humano, transformando-o numa marionete manipulada, num objeto que deve produzir lucro, mesmo quando num palco expressa inquietações sufocadas e instintos reprimidos. Protestos do corpo humano controlado por convenções e regras civilizatórias já tinham sido vistos num palco no passado. Entre outros exemplos há o de Vaslav Nijinski, que em O entardecer de um fauno havia escandalizado o público de sua época, o mesmo Nijinski que, em parceria com Igor Stravinski e Nicholas Roerich, deu começo ao Século XX com a Sagração da Primavera e de certa maneira previu a Primeira Guerra Mundial, algo constatado por Modris Eksteins, no magnífico livro dedicado a tal tema. Porém, foi com Elvis Presley, que soube ver ou então sentir, quando bem jovem, a dança e a música dos negros, expressas em cabarés e em templos, como está registrado numa das melhores sequências do filme, que tal ousadia atingiu aquele público formado por uma geração que, afastada de obras mais elaboradas, nunca tinha visto um espetáculo marcado por tal transgressão.
Ele próprio um dos autores do roteiro, escrito em parceria com Sam Bromell e Craig Pearce, Luhrmann abre a narrativa focalizando a figura do Coronel Tom Parker, que não era nem militar e nem americano, um apátrida manipulador, homem sem país e assim figura apropriada para se transformar num símbolo poderoso de uma força manipuladora sem nacionalidade e ao mesmo tempo universal. Ao perceber a mina de ouro à sua frente, ele se aproxima de um cantor jovem e que leva para o palco o que havia visto na adolescência. Este passado nunca abandona o protagonista. Em muitas passagens o realizador utiliza a montagem, recurso pelo qual é fascinado, para mesclar passado e presente, como a expressar a união definitiva entre o vivido e aquilo que, no presente, está sendo vivenciado. O que vemos então, na tela, não é uma biografia de Elvis Presley, mas uma síntese de como seres humanos são triturados e explorados até o limite das resistências. Não se trata de uma cinebiografia tradicional, mas da utilização de fatos reais para ampliar o sentido de tudo o que aconteceu, a câmera transformando-se num microscópio. E o filme também desenvolve um tema ainda mais relevante. A questão da presença de dois pais, o biológico e o manipulador, este funcionando como um substituto dotado de poderes e figura desumana, também coloca o filme entre aqueles que não se limitam a descrever as significativas exterioridades, mergulhando no universo das carências e dos anseios por um mundo harmônico.
Temos também algumas curiosidades a registrar, entre elas o desabafo do protagonista sobre a mediocridade dos filmes em que atuou como ator principal. Ele lamenta que será esquecido e que nenhum dos filmes será lembrado. Talvez seja necessária uma correção sobre as declarações do próprio artista em entrevistas antes do falecimento. Ele trabalhou em Viva las Vegas, realizado em 1963 por George Sidney, diretor que teve sua importância e que realizou filme como Os três mosqueteiros e Scaramouche, realizador destacado no musical e no filme de aventuras. E também foi o protagonista, três anos antes, de Estrela de fogo, de Don Siegel, mestre cultuado por Clint Eastwood, que a ele e também a Sergio Leone dedicou Os Imperdoáveis. O filme de Siegel, por sinal, é muito elogiado e Presley tem sua atuação bastante destacada. Manipulado e explorado até o fim, um personagem explorado deixou sua marca, numa prova de que as correntes repressoras nem sempre são totalmente vitoriosas. 
 
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