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Cinema

- Publicada em 21 de Julho de 2022 às 18:00

Futuro sinistro

Hélio Nascimento
O diretor David Cronenberg procura demonstrar em seu novo filme que o porvir que nos aguarda é algo realmente assustador. E termina nos dando o direito de constatar, ao assistir este Crimes do futuro, que ele próprio é um dos agentes de tal processo. Seu novo trabalho é pretensioso, marcado por aquela tendência derivada da incapacidade de deixar as coisas claras para o espectador e que expressa em cada sequência um desejo de transformar o ato de assistir a um filme em algo penoso, um esforço que termina nada oferecendo de novo ou precioso. O filme é também caracterizado por aquele intelectualismo de fila de cinema, a lembrar a cena de Annie hall, no qual Woody Allen traz para frente da câmera o autor citado, a fim de que sejam colocados em seu lugar os disparates que sobre eles estão sendo emitidos por um exibicionista. O mesmo Allen, em outro filme, Dirigindo no escuro, focaliza um realizador momentaneamente cego que resolve, mesmo em tais condições, continuar a rodar seu filme, certo de que ele será melhor do que a maioria do está sendo feito. Para sua surpresa, o filme termina sendo classificado de obra-prima por alguns críticos franceses, uma forma que o cineasta encontrou para satirizar algumas revistas de cinema da França, cujos críticos transformaram em gênios cineastas medianos e até mesmo mediocridades, hoje esquecidas.
O diretor David Cronenberg procura demonstrar em seu novo filme que o porvir que nos aguarda é algo realmente assustador. E termina nos dando o direito de constatar, ao assistir este Crimes do futuro, que ele próprio é um dos agentes de tal processo. Seu novo trabalho é pretensioso, marcado por aquela tendência derivada da incapacidade de deixar as coisas claras para o espectador e que expressa em cada sequência um desejo de transformar o ato de assistir a um filme em algo penoso, um esforço que termina nada oferecendo de novo ou precioso. O filme é também caracterizado por aquele intelectualismo de fila de cinema, a lembrar a cena de Annie hall, no qual Woody Allen traz para frente da câmera o autor citado, a fim de que sejam colocados em seu lugar os disparates que sobre eles estão sendo emitidos por um exibicionista. O mesmo Allen, em outro filme, Dirigindo no escuro, focaliza um realizador momentaneamente cego que resolve, mesmo em tais condições, continuar a rodar seu filme, certo de que ele será melhor do que a maioria do está sendo feito. Para sua surpresa, o filme termina sendo classificado de obra-prima por alguns críticos franceses, uma forma que o cineasta encontrou para satirizar algumas revistas de cinema da França, cujos críticos transformaram em gênios cineastas medianos e até mesmo mediocridades, hoje esquecidas.
Porém, há gosto para tudo, algo que pode ser comprovado pelo fato de os organizadores do Festival de Cannes terem selecionado este filme para a mostra competitiva. Certamente, os selecionadores daquela mostra foram acometidos da síndrome da busca pelo escândalo, algo que quase sempre resulta de muito espaço na mídia conquistado por obras irrelevantes, em prejuízo, por vezes, de trabalhos significativos. O resultado é que durante a projeção do filme houve uma merecida debandada do público. Tal opção deu errado, pois o filme não obteve a repercussão desejada. Não causa estranheza, por outro lado, a seriedade com que o novo Cronenberg tem sido vista por alguns críticos. Numa época em que heróis da Marvel são tratados como personagens de Visconti, figuras que por sua trajetória revelam ao espectador a essência do mundo em que vivemos, tudo é possível. Ridículo à parte, Cronenberg não é daqueles interessados em transformar adultos em crianças. Seu objetivo maior é causar o choque e com isso esquece, ou delas se afasta propositadamente, das causas do processo que resulta na arte transformada em espetáculo grotesco, no qual seres humanos ostentam deformações como se fossem elementos destinados a realçar a beleza. Além das vísceras expostas em espetáculos teatrais, atores dotados de várias orelhas, criaturas deformadas e policiais que não sabem o que fazer, o prazer maior é encontrado na dor.
É de lamentar que um diretor como Cronenberg, que realizou filmes como Marcas da violência e Senhores do crime, dois trabalhos repletos de virtudes, principalmente o segundo, agora reapareça mostrando corpos humanos destinados a causar desconforto no espectador, como a tentar transformá-lo em inimigo de si próprio. A cena inicial tem algum impacto e promete algo que depois não será cumprido. Diálogos sem sentido e intérpretes dirigidos de forma a transformar tudo numa falsidade facilmente visível afastam o cineasta daqueles mestres da ficção-científica que criaram mundos paralelos para falar do nosso. Não há dúvida que um filme como este integra o grupo de sinais que revelam que estamos próximos dos males encenados. O cenário, a se julgar por tal filme, é próximo daquele que habitamos. E nas imagens tudo parece decadente, desde as moradias e as ruas nas quais vivem e circulam os personagens, até as vestes que os encobrem. Os moveis parecem instrumentos de tortura, algo ao qual todos parecem condenados. O processo que criou tal mundo, no entanto, é ignorado. Resta esperar, portanto, que o futuro dos seres humanos não o transforme em consumidores de plástico e que filmes como este não sejam mais feitos. Sua falta de profundidade expressa apenas desencanto e pessimismo que transformam todos em caricaturas sinistras.
 
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