Diz-se que o poder sobe para a cabeça. Por isso os reis e os imperadores eram coroados. Com o passar dos tempos, tanto reis como imperadores começaram a arrogar-se direitos e poderes cada vez maiores, até chegar ao divino. Entre os judeus eram os “ungidos de Deus”. Mas, entre outros povos, eles próprios se proclamavam Deus. Consequentemente eliminavam os “outros” deuses. Queriam ser únicos. Exigiam culto de latria, ou seja, adoração por parte dos súditos.
Como exemplo, lembremos os reis da Babilônia. Segundo a Bíblia, promoveram perseguições contra os judeus porque estes se negavam prestar-lhes culto divino. Roma, no tempo da república, elogia os cônsules, pela igualdade e simplicidade. Promovia a liberdade de culto em todo o território. Chegou a construir um Pânteon, em forma circular, para abrigar todos os deuses de seus súditos em pé de igualdade. Com a instauração do império, o supremo mandante assumiu o título não só de sumo pontífice, mas até de divino “divus”’. Todos deviam prestar-lhe culto, o que, na prática, significava queimar incenso em sua honra.
Na segunda perseguição aos cristãos – após aquela promovida pelos judeus – muitos morreram mártires por se negarem reconhecer a divindade do imperador. Em outras palavras, julgavam o imperador, destituindo-o do pedestal divino, para colocá-lo entre os mortais. Não conseguiram. Pagaram com o próprio sangue esta ousadia.
Não se pense, porém, que a divinização do imperador fosse prerrogativa da Antiguidade ou de certo primitivismo. Até o século XX, o chamado “Celeste Império” da China tinha, na sua “cidade proibida”, um imperador com o título de Deus.
Igualmente o Japão. Somente com a explosão da segunda bomba atômica – a primeira em Hiroshima e a segunda em Nagasaki – reconheceu oficialmente que seu imperador não era Deus. Consequentemente, se rendeu ao poderio bélico inimigo. Muito mais que uma derrota militar, o fim da guerra foi sua implosão religiosa. Desnorteou os japoneses. Haviam perdido não apenas a guerra, mas também seu “deus”, que continuava imperador, mas sem divindade.
Os imperadores e reis, principalmente no Oriente, apresentavam-se com muita pompa. Tinham um cerimonial extremamente sofisticado para aparecerem em público. Tributavam-se-lhes grandes honras, juntamente com os mais sublimes títulos. Não seria difícil passar dali a considerá-los símbolos da divindade, bem mais que os ídolos – imagens de matéria –, as montanhas, os astros e os animais sagrados. Lembremos que, na Idade Moderna, Luis XIV, Rei da França, se comparava ao sol. O “rei sol” proclamava: “Eu sou o Estado”. O povo se prostrava reverente diante de sua majestade, título que até hoje é reservado aos monarcas e tem sua origem nas prerrogativas divinas.
Mesmo que alguns reis e imperadores tivessem a pretensão de ser Deus, o povo não via neles senão um símbolo da divindade. Quando morriam, a “divindade” passava para o sucessor, ou seja, a morte era argumento insofismável de que sua pretensão não passava de símbolo. Não era, pois, prerrogativa pessoal, mas do cargo. Representava o poder e, consequentemente, o domínio.
Com isso elevamo-nos a um grau mais espiritual do simbolismo. Não vemos a divindade nem na matéria plasmada em ídolos nem nas montanhas e nos astros ou na vida dos animais, mas no exercício do poder sobre os homens Dessacralizar o poder não é fácil.