O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, analisou a atuação da corte em entrevista exclusiva ao
Jornal do Comércio que integra o especial
Jornal da Lei sobre os 30 anos da Constituição.
Jornal da Lei - Sobre quais assuntos o senhor acredita que o STF deve participar do debate?
Eros Grau - Seria importante alterar a Constituição para que o STF só decidisse matéria constitucional, deixando o restante para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). O supremo virou um tribunal burocrático, com muitas decisões monocráticas (em 2017, 81,3% dos processos da corte tiveram decisão monocrática). É um órgão colegiado, aí cada brasileiro tem o direito pela Constituição de ser julgado pelo tribunal, mas grande parte é julgada por um só juiz. Seria preciso mudar isso, mas aí só mudando a Constituição.
JL - A suprema corte dá conta de sua dupla jurisdição?
Grau - No meu tempo, tínhamos uma equipe que selecionava os processos, porque muitos eram repetitivos e discutiam as mesmas teses, e separava os mais importantes para nos determos mais. O resto, na verdade, quem trabalha é o gabinete do ministro, lógico que com a palavra final do ministro. Por isso seria importante dar apenas as matérias constitucionais para o STF: daria celeridade e substancialidade. Há uma diferença entre ciência, arte e prudência. As decisões judiciais não são exatas ou científicas, nem artísticas, apesar de a TV ter transformado juízes em artistas. A decisão judicial é objeto de uma prudência, por isso que você tem a jurisprudência. Aristóteles faz essa distinção de eficiência e prudência. Essa eficiência tem que ser feita com prudência. A prudência só pode ser bem praticada enquanto objeto de reflexão detida, tranquila, o que não pode acontecer com tanta demanda.
JL - O que o senhor acha da indicação política dos ministros do STF?
Grau - Quem indica não é o presidente fulano ou sicrano. Na Constituição diz que o presidente propõe ao Senado e o Senado aprova ou não, e já houve casos de não aprovação. Há ministro que diz que "quem me indicou foi presidente tal" e há ministro que diz que "quem me indicou foi o presidente da República e quem aprovou foi o Senado Federal". Se eu me apresentar como "quem me indicou foi fulano", perco minha independência. Quem me indicou foi o presidente e o Senado. Quem não é capaz de botar na cabeça esse entendimento, acaba não sendo totalmente independente.
JL - Qual o impacto da transmissão das sessões do supremo na TV?
Grau - O STF se transformou num espetáculo de televisão, os 11 ministros são tão ou mais conhecidos do que os 11 jogadores da seleção brasileira. Esse é um grande mal. Quando eu estava no STF, o (ex-ministro Nelson) Jobim era o presidente e havia um ministro que falava muito. Jobim o interrompeu e disse que todos nós já tínhamos entendido, e o ministro disse que não estava falando para nós, e sim para a TV. Na minha opinião, quem destruiu o STF foi a televisão. Deixou de ser o cume da prudência judicial para se transformar em espetáculo televisivo. Sessões não deveriam ser transmitidas. A maioria dos tribunais nem publica discussões, porque quem toma a decisão não é o juiz, é o tribunal como um todo. Enquanto não conseguirmos expressar isso, não haverá supremo, e sim juízes do STF que decidem.