O governo da Itália aprovou, na última semana, projeto que restringe de forma massiva o reconhecimento da cidadania por ius sanguinis, ou direito de sangue. As mudanças valem desde o dia 28 de março, quando as novas normas foram publicadas, e limitam a cidadania a filhos e netos de italianos nascidos fora do país. Adicionalmente, filhos de italianos só terão acesso ao direito se os pais tiverem residido na Itália por pelo menos dois anos antes do nascimento.
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O modo de obter o direito também será diferente. Agora, o processo não será mais feito pelos consulados italianos pelo mundo - mas apenas na Itália, por via jurídica. Por isso, um novo órgão para essa função será criado em Roma.
Segundo o advogado, especialista em direito internacional e doutor em Ciência Política, Edson Medeiros Branco Luiz, era comum que serviços no Brasil fossem contratados para realizar e acompanhar o processo, o que não poderá mais ser feito. E ele destaca outro ponto importante: quem já deu entrada no processo de cidadania, não precisa se preocupar. "Quem já está no procedimento junto aos consulados, não terá nenhum prejuízo. Já está em um andamento recorrente, regular. A questão se dá sobre as novas solicitações de cidadania desde a semana passada."
Na Itália, assim como em grande parte da Europa, as leis imigratórias se baseam principalmente em linhagens familiares, como esforço para manter ligação a descendentes dos milhões de colonos que imigraram para outras partes do mundo. O Brasil, assim como a Argentina e os Estados Unidos, é um dos principais países a que os italianos do século 18 e 19 imigraram em busca de melhores condições de vida.
Em 2023, mais de 730 mil brasileiros possuiam cidadania italiana - reconhecimentos de cidadania saltaram de 14 mil em 2023 para 20 mil em 2024, segundo dados da CNN Brasil. Os números crescentes de pedidos de ítalo-descendentes tem críticos entre o governo italiano. Na avaliação deles, as pessoas que procuram a cidadania só a querem para usufruir de benefícios de viagens com visto facilitado a outros países, e pouco têm conexão material e cultural com a Itália.
As críticas são antigas, mas as mudanças vêm em um governo declaradamente anti-imigração, sob a chefe de governo Giorgia Meloni, do partido de extrema-direita Irmãos de Itália. "Está acontecendo uma dualidade que voltou a florescer - a discussão de globalização e nacionalismo. Muitos dessas políticas de restringir a cidadania se dão como um movimento de resposta à globalização", explica Edson. Segundo o advogado, políticas recentes nacionalistas na Itália e na Europa carregam discursos preconceituosos de que imigrantes trazem violência e prejudicam o mercado de trabalho.
O advogado indica ainda que esse discurso é contraditório, já que na Itália falta força de trabalho em idade ativa. "Mas, em contrapartida, países como a própria Itália têm tido problemas previdenciários. Ela é gritante, ao ponto de ter que ter cidades com políticas públicas migratórias, até então, para readequar essa realidade", diz.
A medida tem fortes críticos na justiça italiana, pois a constitucionalidade da lei está sendo debatida. A principal razão é a retroatividade da lei, que volta atrás em direitos já estabelecidos. Para Edson Medeiros Branco Luiz, mesmo que o processo tenha se tornado mais complicado, o direito à cidadania ainda deve ser incentivado. "O direito sanguíneo da cidadania é um direito secular, milenar, e as pessoas que entenderem que têm o direito, sim, devem buscar", explica.
Em comunicado no site, o Consulado Geral da Itália de Porto alegre indica que todos os agendamentos de cidadania por iure sanguinis estão suspensos, e famílias que já haviam recebido agendamento para entrega da documentação já não devem se apresentar. Afirma também que a lista de espera está suspensa e números de espera recebidos a partir de 28 de março não serão considerados.