Alessandro Soares
Aprovada em 1979, a Lei da Anistia resultou de um jogo de correlação de forças durante a transição democrática brasileira (1974-1985). Essa legislação concedeu anistia a todos que, entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos a esses (art. 1º, caput, da Lei 6.683/1979). Uma disposição semelhante foi reproduzida na Emenda Constitucional n.º 26/1985 (art. 4º, § 1º).
Com o advento da Constituição de 1988, tornou-se evidente que o Supremo Tribunal Federal (STF) precisaria, em algum momento, analisar a constitucionalidade dessas normas. A principal questão era se a interpretação que estendia a anistia aos agentes estatais responsáveis por crimes comuns, como sequestro, lesão corporal, tortura, homicídio e ocultação de cadáver, era compatível com os preceitos constitucionais.
Em 2010, o STF enfrentou o tema na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 153, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Por 7 votos a 2, o Tribunal julgou improcedente a ação, seguindo o voto do relator, ministro Eros Grau. Dessa forma, validou-se a interpretação de que a anistia também alcançava os agentes do Estado que praticaram crimes comuns contra opositores do regime.
A solução proposta pelo relator visava encerrar rapidamente o debate sobre a punição penal de agentes da repressão, priorizando a "superação" do passado por outros meios, como o acesso a documentos históricos e a garantia do direito à memória. O STF, ao deixar de cumprir plenamente seu papel de guardião da Constituição, adotou uma postura conservadora enraizada no contexto da transição brasileira.
Atualmente, ações de extrema gravidade, como planos de golpe de Estado, sequestro e assassinato de autoridades, incluindo de ministro da Suprema Corte, evidenciam que a omissão de punir agentes estatais que cometeram crimes atrozes reforça a necessidade de revisão dessa postura.
Vivemos, atualmente, em um contexto histórico diferente, no qual não há mais espaço para ilusões sobre o processo de conflito político. Neste cenário, torna-se imprescindível que o STF reanalise a Lei da Anistia, atribuindo-lhe uma interpretação conforme à Constituição de 1988 e garantindo o cumprimento de tratados e convenções internacionais.
Sócio no escritório Martins Cardozo Advogados Associados