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Publicada em 29 de Setembro de 2025 às 17:27

Polarização política atrasa investimentos em logística, diz Germano Rigotto

Ex-governador gaúcho defende que o Brasil investe muito menos do que deveria em infraestrutura

Ex-governador gaúcho defende que o Brasil investe muito menos do que deveria em infraestrutura

Equipe William Cardoso fotografias/Tranposul/JC
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Gabriel Margonar
Gabriel Margonar
Especial para o JC
Especial para o JC
A conexão entre política, economia e infraestrutura foi o fio condutor da palestra do ex-governador do Rio Grande do Sul Germano Rigotto na 24ª TranspoSul, realizada no dia 25 de setembro no Centro de Eventos da Fiergs, em Porto Alegre. Em entrevista ao Jornal do Comércio após o evento, o presidente do Instituto Reformar de Estudos Políticos e Tributários avaliou os efeitos da radicalização ideológica e da falta de responsabilidade fiscal sobre o crescimento do País e apontou os reflexos diretos desses fatores no transporte e na logística.
JC Logística - Como o senhor enxerga o atual cenário político do Brasil e os reflexos diretos dele para o transporte e a logística?
Germano Rigotto - O que vivemos hoje é um processo de polarização e radicalização ideológica que não faz bem ao País. Essa divisão acaba contaminando os três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - e cria uma interferência excessiva entre eles. O resultado é que os grandes temas nacionais, as reformas estruturais de que o Brasil tanto precisa, ficam em segundo plano. Ao lado disso, há uma falta de responsabilidade fiscal. Muitas vezes se pensa apenas em aumentar arrecadação, mas sem estimular o crescimento econômico de forma duradoura e sustentável. A consequência é inflação mais alta, dívida pública crescente e a necessidade de o Banco Central recorrer a juros elevados para tentar trazer a inflação para a meta. Estamos falando de uma taxa Selic que gira em torno de 15%, o que trava investimentos, aumenta o endividamento das famílias e encarece absurdamente a rolagem da dívida pública – algo na casa de R$ 560 bilhões ao ano. Isso tudo limita o crescimento, afeta consumo e reduz a competitividade das empresas.
Log - Essa polarização política também prejudica a construção de políticas de longo prazo para a infraestrutura?
Rigotto - Sem dúvida. A radicalização tira o foco do que realmente importa. O Brasil investe muito menos do que deveria em infraestrutura, especialmente em rodovias. E como 80% ou mais do transporte de cargas ainda é rodoviário, a consequência é clara: estradas ruins, custos elevados e gargalos logísticos. Por isso, não há como fugir das concessões, das privatizações quando couber e das parcerias público-privadas. Mas isso só funciona se houver regulação e fiscalização sérias. Temos exemplos ruins, como no setor ferroviário. O Rio Grande do Sul, por exemplo, não tem ligação ferroviária com Santa Catarina porque a linha destruída pela enchente nunca foi recuperada pela concessionária. Isso mostra concessões mal feitas e um poder público incapaz de cobrar o cumprimento de contratos. Se defendo concessões, defendo também agências reguladoras fortes, independentes e técnicas. Infelizmente, muitas delas estão politizadas, o que fragiliza o controle e prejudica a sociedade.
Log - De que forma a economia brasileira no ritmo atual impacta o transporte de cargas e a competitividade das empresas do setor?
Rigotto - A taxa de juros elevada é um entrave enorme para o crescimento das empresas. Além disso, como mencionei, a dependência quase absoluta do modal rodoviário pesa demais. As transportadoras precisam de estradas em boas condições, portos eficientes e tarifas justas em concessões. O poder público tem que investir mais em infraestrutura, seja com recursos próprios, seja atraindo a iniciativa privada. Quando comparamos com outros países, vemos que o Brasil está muito atrasado nesse aspecto, e isso se traduz em custos maiores e perda de competitividade.
Log - Quais os riscos dessa dependência do transporte rodoviário? E como avançar na multimodalidade?
Rigotto - O Brasil precisa desenvolver hidrovias e recuperar seu sistema ferroviário. A privatização da rede ferroviária foi um equívoco. As concessionárias não cumpriram contratos, e o poder público não fiscalizou. O resultado foram trilhos abandonados, sucateamento e perda de capacidade de transporte. O setor ferroviário teria que passar por uma grande reestruturação, com novas regras, agências reguladoras fortes e prioridade real do governo. Só assim a ferrovia terá o peso que tem em outros países, tanto para passageiros quanto para cargas. Enquanto isso não acontece, a rodovia seguirá central - mas poderia ser desafogada se houvesse diversificação maior.
Log - Esses gargalos logísticos acabam impactando diretamente o nosso agronegócio e a internacionalização dele?
Rigotto - Impactam o agro, a indústria e todos os setores. O Brasil tem um “custo país” elevado porque investe pouco em logística. Isso significa fretes mais caros, perda de competitividade e produtos brasileiros mais caros do que os de concorrentes externos. O agro sente muito, porque depende de escoamento rápido e barato, mas a indústria também paga caro. Some-se a isso juros altos, carga tributária pesada e instabilidade cambial, e o resultado é um custo de produção muito maior do que em países concorrentes.
Log - E qual é a posição do Rio Grande do Sul dentro do mapa logístico nacional?
Rigotto - O Estado paga um preço alto por sua localização no extremo sul do Brasil. Isso seria menos grave se o Mercosul funcionasse como um bloco econômico forte, mas não é o que acontece. Sem esse mercado regional integrado, o RS acaba mais distante dos principais centros consumidores e sofre com custos logísticos maiores para trazer insumos e escoar produção. Além disso, nosso Estado já esgotou a expansão da fronteira agrícola. O crescimento agora só pode vir da produtividade, enquanto outras regiões – como Centro-Oeste e Nordeste – ainda expandem áreas agricultáveis e ganham escala. Isso muda o peso relativo no agro nacional e impacta a competitividade gaúcha.
Log - Quais pontos devem estar no radar de um gestor de logística nos próximos anos? 
Rigotto - Primeiro, é preciso entender que o Brasil tem enorme potencial de crescimento. Somos grandes produtores de alimentos, temos capacidade de ampliar ainda mais essa produção e contamos com uma matriz energética diversificada – hídrica, eólica, fotovoltaica, petróleo. Também temos estabilidade política relativa, ausência de conflitos de fronteira e um sistema financeiro regulado. Tudo isso é vantagem competitiva em relação a outros países. Mas precisamos avançar em reformas que destravem o desenvolvimento. A conclusão da reforma tributária é fundamental, assim como retomar a reforma administrativa e repensar o sistema político-eleitoral, que hoje produz um número excessivo de partidos. Além disso, não há desenvolvimento sustentável sem investimento pesado em educação, especialmente no ensino fundamental. Se o País focar nos grandes temas – e não em disputas ideológicas – e avançar nessas frentes, não tenho dúvida de que teremos um salto extraordinário em termos de desenvolvimento. Isso beneficiará todos os setores, inclusive transporte e logística.
Log - E, diante de todo este cenário, qual a importância da Transposul para o setor?
Rigotto - É um evento que, mesmo diante das incertezas políticas e econômicas, mostra vitalidade, atrai público recorde e reúne entidades importantes do Estado. O trabalho de união feito pelo sindicato das transportadoras, trazendo para perto a Farsul, a Fecomércio, a Fiergs e outras entidades, é exemplar. Criaram um conselho que deve se reunir periodicamente para debater os grandes temas do setor, e isso é algo muito positivo. O resultado da feira é motivo de aplauso, tanto pelo número de expositores quanto pela qualidade dos debates.

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