Pâmela Fiuza Filber
Coordenadora da Comissão de Estudos de Contabilidade do Setor do Agronegócio do CRCRS
A reforma tributária aprovada recentemente marca um divisor de águas para o agronegócio brasileiro, especialmente para os produtores rurais pessoas físicas. Estamos diante de um setor que, até aqui, operava em grande parte sob a lógica da ausência de apuração mensal e de um controle fiscal menos robusto, mas que passará a conviver com um modelo de apuração periódica, alíquota zero em determinadas operações e diferimento de tributos em outras.
Esse movimento representa uma transição inédita: do zero ao fechamento mensal, com efeitos práticos tanto na gestão quanto na sustentabilidade do negócio rural.
Do antigo ao novo: dois mundos tributários
Até então, o produtor pessoa física tinha no Imposto de Renda da Atividade Rural o seu principal instrumento de tributação, apurado de forma anual, sem a exigência de controles gerenciais mensais.
Com a reforma, inaugura-se um novo mundo tributário: o produtor passa a integrar a cadeia de apuração do IBS e da CBS. Em outras palavras, aquilo que antes não era exigido, como escrituração fiscal detalhada, organização de créditos e débitos e fechamento contábil periódico, passa a ser parte obrigatória da rotina do produtor.
É o início de uma nova cultura tributária no campo: mais transparente, mais controlada e mais próxima das práticas empresariais.
Alíquota zero e diferimento: benefícios condicionados à conformidade
Um dos pontos de destaque é a previsão de alíquota zero para determinados insumos e alimentos essenciais, além de mecanismos de diferimento tributário em exportações e operações específicas.
Esses benefícios, porém, não são automáticos: eles estarão condicionados à correta emissão de documentos fiscais, escrituração contábil regular e cumprimento das obrigações acessórias. O produtor que antes pouco se preocupava com tais rotinas, agora terá de enxergar sua atividade sob uma lógica empresarial.
O alívio fiscal existe, mas vem acompanhado de responsabilidades adicionais.
Créditos tributários: o novo desafio do controle
Se há um ponto que pode ser considerado o verdadeiro calcanhar de Aquiles da reforma no campo, ele está na não cumulatividade. O produtor rural pessoa física, que antes não precisava lidar com essa sistemática, passa a ter de controlar créditos vinculados às compras e insumos utilizados na produção.
Isso significa que o setor de compras passa a ter papel decisivo: cada aquisição, cada fornecedor e cada operação impactarão diretamente o fluxo de caixa e a apuração mensal. O crédito só existe quando há o efetivo pagamento ao fornecedor, e isso exige uma estratégia de compras alinhada à estratégia contábil e financeira.
Portanto, além da disciplina da apuração, o produtor precisará desenvolver uma visão integrada entre compras, finanças e contabilidade, algo completamente novo na realidade de muitas propriedades rurais.
Impactos práticos: da porteira para dentro e da porteira para fora
- Da porteira para dentro: a exigência de controles mensais e o gerenciamento dos créditos levarão o produtor a registrar custos, receitas e margens com rigor. Isso gera inteligência de gestão, mas exige disciplina.
- Da porteira para fora: os bancos, cooperativas e tradings passarão a exigir relatórios mais consistentes, comprovando regularidade fiscal e contábil. Quem se adaptar rapidamente terá vantagem no acesso ao crédito e na comercialização de sua produção.
O papel da contabilidade: de obrigação a estratégia
O grande impacto da reforma não está apenas no tributo em si, mas na mudança de mentalidade. A contabilidade deixa de ser vista apenas como um instrumento para atender obrigações acessórias e passa a ser um ativo estratégico do produtor rural.
Ela será a responsável por transformar dados em relatórios confiáveis, que sustentam desde o cumprimento da lei até o fortalecimento da governança, passando por planejamento tributário e apoio ao processo sucessório, especialmente em um contexto em que o ITCMD se torna progressivo e tende a ter suas alíquotas elevadas, reforçando a necessidade de planejamento sucessório.
O agronegócio brasileiro está diante de um marco histórico. O produtor rural pessoa física, que até então convivia com uma tributação anual simplificada, caminha para um modelo em que a apuração mensal será regra, e a conformidade fiscal, condição para acessar benefícios como alíquota zero, diferimento e créditos.
Essa transição pode parecer desafiadora, mas também abre espaço para um setor mais competitivo, sustentável e conectado às demandas globais.
O futuro do agro passa por essa virada cultural: do zero à apuração mensal, com gestão de créditos e maior inteligência contábil.