Ao completar 20 anos de atuação em consultoria contábil e tributária, a Dickel Consultores Associados reuniu, no último mês, profissionais de 12 estados do Brasil no 3º Seminário Contábil e Tributário para Sociedades Cooperativas. Com o tema 'Preparando cooperativas para o amanhã", o evento teve como objetivo a atualização sobre aspectos relevantes e impactos da Reforma Tributária nas sociedades cooperativas, além da importância da gestão em cenários desafiadores. De acordo com o presidente da empresa, Dorly Dickel, seis ramos de cooperativas estiveram representadas. A meta agora, será aprofundar em próximos encontros, por área de atuação.
Para o contador, especialista em Administração e em Cooperativismo, Dickel o setor tem grande importância para a economia do país e a adequada prestação de serviços pelo contador responsável, que pode determinar a saúde do negócio. "Para a Reforma Tributária, ou o profissional se recicla totalmente, absorve as mudanças e os novos conhecimentos, ou vai ser uma aposentadoria compulsória", alertou.
De acordo com o Anuário do Cooperativismo Brasileiro 2024, as mais de 4,5 mil cooperativas existentes no Brasil somam 23,45 milhões de cooperados, o que equivale a 11,55% da população. O número é 14,5% superior ao registrado em 2023, com uma movimentação de R$ 692 bilhões.
Em entrevista ao JC Contabilidade, o especialista destacou o crescimento do sistema no Brasil e as incertezas por parte dos dirigentes.
- LEIA TAMBÉM: Profissionais de Contabilidade: Protagonistas na Destinação Consciente do Imposto de Renda
JC Contabilidade - Já está mais claro o impacto que a Reforma Tributária terá nas cooperativas?
Dorly Dieckel - Haverá uma mudança bem significativa com a chegada do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual, o chamado Imposto do Consumo. Ele é não cumulativo, integral. Somente as cooperativas ligadas ao agronegócio e ao consumo estavam na não cumulatividade. Para as demais cooperativas, como transporte, crédito, saúde, trabalho e energia, tributavam com alíquota de 3.65% no regime cumulativo. Agora, todas elas passam obrigatoriamente para a não cumulatividade.
Contab - Então, o impacto será diferente dependendo do ramo da cooperativa?
Dickel - Sim, exatamente. Isso já está na PEC aprovada e na Lei Complementar. A partir de agora, o que falta é regulamentação. Para essas cooperativas mencionadas, o impacto é mais significativo porque está previsto o denominado regime específico, mas é opcional, não é obrigatório.
Contab - Na prática, como irá funcionar?
Dickel - Cada cooperativa terá que fazer as suas simulações, suas análises. O regime específico pode ser benéfico, vantajoso ou não. Ela vai ter que optar no início de cada ano. Não é uma opção definitiva. Cada ano, ela terá que fazer a opção: ou para a regra geral ou para o regime específico. Sempre temos que olhar para o retrovisor, ver como era a tributação do PIS e Cofins antes. Em alguns ramos de cooperativa havia exclusões, basicamente, do chamado ato cooperativo. O repasse ao cooperado, o custo agregado, a produção, o fornecimento de bens e serviços aos associados, tudo isso era excluído da base de cálculo e as cooperativas, no caso do agro, que estavam no regime não cumulativo, elas mantinham os seus créditos na integralidade. A cooperativa comprava um produto tributado e, na hora de vender para o cooperado, não tributava, acumulava crédito e pedia ressarcimento. Via de regra, os créditos eram restituídos. Agora, se ela optar em não tributar a venda, o fornecimento para o cooperado, tem que estornar o crédito da compra. Ela não vai acumular créditos e, em princípio, passa a pagar tributo, principalmente naquelas operações com não associados. Essas mudanças vão impactar nos resultados e no caixa.
Contab - É possível que esse impacto seja positivo?
Dickel - Temos convicção de que as cooperativas talvez sejam mais atingidas do que as demais empresas. Isso porque elas perdem alguns benefícios que tinham antes. Mas é importante deixar claro: vai depender de cada ramo. Por exemplo, as cooperativas de crédito, mantiveram os benefícios. Um dos motivos é que a cooperativa de crédito, por norma do Banco Central, não opera com um terceiro não cooperado, é só ato cooperativo. Ela não vai tributar, mas também não vai gerar crédito na etapa seguinte. Na hora em que a cooperativa do agro ou qualquer outra cooperativa - ou mesmo não sendo cooperativa, um frigorífico ou indústria associada, sendo ato cooperado, porque é associado - esse cliente que é o cooperado não vai poder tomar crédito no financiamento da cooperativa. Então, a cooperativa de crédito ela não tributa, mas vai ter que, necessariamente, para ser competitiva, fornecer o financiamento com custo menor. As cooperativas de crédito estão crescendo mais do que a média do sistema financeiro, mais do que as outras cooperativas. É um sistema que está em forte expansão. Não tem milagre. Se a cooperativa de crédito não tributa, ela não repassa um imposto que ela não pagou. Então, ela fica competitiva igual a qualquer outro banco.
Contab - Esse momento ele é bem delicado para contadores em geral. Para o contador cooperativista será ainda maior a exigência?
Dickel - Durante o seminário, o presidente do Conselho Regional de Contabilidade, Márcio Schuch, chamou atenção para os aspectos do desafio e, ao mesmo tempo, oportunidades para os profissionais crescerem. O profissional da contabilidade na cooperativa tem que ser um especialista no negócio, tem que ser diferenciado. Ele tem que ter um acúmulo de conhecimento. E tem um ponto importante: não é só um desafio do profissional quanto a um eventual impacto nos resultados da empresa, do fluxo de caixa. É, sim, no negócio da empresa, da cooperativa. Com a mudança de regra, mudam os custos da tributação e, consequentemente, impacta na formação do preço de venda. Por isso temos dito que, mais do que uma mudança tributária, é uma mudança da maneira de fazer negócio. As cooperativas devem que ficar espertas.
Contab - Elas acabam ficando muito próximas do perfil de outras empresas.
Dickel - Na área tributária e do consumo, a cooperativa fica mais parecida com as outras empresas. Respeitado o regime específico, que pode ser benéfico. Pode, não necessariamente. Adotar o regime específico exige uma adequação sistêmica, do software, da TI. A Reforma Tributária não é um assunto só do contador. Envolve sistema, gestão, processos. A administração tem que estar bem alinhada com tudo porque, queira ou não, vai ter que fazer investimentos em capacitação e treinamento. E o contador precisa estar atualizado e qualificado. A experiência do passado não vale mais. Ou o profissional se recicla totalmente, absorve as mudanças e os novos conhecimentos, ou vai ser uma aposentadoria compulsória. O mercado não perdoa. Muitos dizem que a Reforma só acontece no ano que vem. Não. Quem não está fazendo nada já está atrasado.