A legislação atual prevê um tratamento diferenciado e simplificado para os produtores rurais, possibilitando que operem seus negócios na própria pessoa física, sem equiparação ou obrigatoriedade de constituição de uma pessoa jurídica. Porém, esse benefício legal pode ocasionar efeitos colaterais que merecem ser observados: um nível maior de informalidade e uma forma de tributação complexa e totalmente particular, em comparação a outras atividades e setores.
Contribui para a informalidade dessa modalidade empresária, dentre outros, o fato de as principais obrigações serem de cumprimento anual (Declaração de Imposto de Renda e, para aqueles que obtêm um faturamento anual superior a 4,8 milhões, o Livro Caixa Digital do Produtor Rural - LCDPR) e a possibilidade de se utilizar uma mesma conta bancária, tanto para as movimentações do negócio rural, quanto para despesas pessoais e receitas de outras atividades.
Parece paradoxal um regime simplificado aumentar a complexidade. No entanto, um tratamento mais benéfico exige normas e interpretações específicas quanto a algumas operações e seus reflexos tributários. Somado a isso, em um ambiente empresarial - e o produtor rural é um empresário - a contabilidade é peça chave para a tomada de decisão da gestão. Logo, embora os compromissos sejam anuais, não acompanhar os resultados periodicamente e deixar para buscar a documentação apenas no período da entrega dessas declarações pode prejudicar a classificação correta das informações, aumentando a chance de equívocos e, consequentemente, a possibilidade de problemas com o fisco.
Visando combater essa informalidade, por meio da educação e conscientização quanto à forma correta de declarar e pagar impostos em determinadas situações, a Receita Federal vem fortalecendo a sua operação de "conformidade tributária" no meio rural, denominada "Declara Agro", gerando bastante preocupação no setor. Estão sendo disparadas, periodicamente, cartas àqueles que tiveram inconsistências detectadas na base de dados. O órgão parte do princípio de que a maioria das inconsistências deriva de falta de conhecimento sobre o correto tratamento tributário. Logo, a possibilidade de multa de até 225% sobre eventuais valores não recolhidos pode ser afastada em caso de correção dentro do prazo proposto, a chamada "auto regularização".
A operação é uma espécie de consolidação nacional da "Declara Grãos", iniciada no Rio Grande do Sul, em 2019, fiscalizando, em suas variadas fases, a falta de entrega de declarações e inconsistências em pagamentos, recebimentos de arrendamento e na aquisição de veículos. Essa nova etapa avança para outros elementos, como os "arrendamentos disfarçados de parceria rural" e a falta de entrega ou a entrega com inconsistências do LCDPR. A força tarefa está prevista no plano de fiscalização do órgão e será cumulativa, ou seja, os pontos das fases anteriores seguirão sendo analisados.
Aos produtores que receberam a carta, é importante frisar que a notificação é um indicativo de inconsistência que poderá ser contestado. Uma dica é buscar orientações mais detalhadas sobre o conteúdo, seja com seus contadores e advogados e/ou contatando o telefone indicado na notificação. Àqueles que ainda não receberam, de igual forma, constatando algum equívoco, vale antecipar as correções antes de qualquer alerta.
Já para os profissionais contábeis, o desafio será aproveitar a operação como uma oportunidade única de poder demonstrar o real valor do ofício. A contabilidade vai além do cumprimento de obrigações fiscais: é grande aliada da gestão, traz resultados positivos ao negócio e, principalmente, de forma segura e consistente.
Membro da Comissão de Estudos de Contabilidade do Setor do Agronegócio do CRCRS