André Felix Ricotta de Oliveira
Professor doutor em Direito Tributário, sócio da Felix Ricotta Advocacia e coordenador do curso Tributação sobre o Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)
O Brasil deu um passo decisivo em sua trajetória de adaptação às Regras Globais contra a Erosão da Base Tributária (GloBE) com a promulgação da Lei nº 15.079/24. Essa norma, que institui um adicional à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), busca assegurar que grupos multinacionais com receitas anuais de, no mínimo, € 750 milhões durante dois dos últimos quatro anos fiscais atinjam uma tributação mínima efetiva de 15% sobre o lucro apurado no País. Trata-se de uma medida alinhada ao compromisso do Brasil com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas que carrega implicações profundas para o ambiente de negócios e o sistema tributário nacional.
A regra, ao impor o adicional da CSLL, funciona como uma resposta à subtributação, tema central das Regras GloBE. Embora o sistema tributário brasileiro já preveja uma tributação nominal de 34% sobre o lucro (somando IRPJ e CSLL), a questão essencial recai sobre a verificação da tributação efetiva. Se esta não atingir os 15% exigidos, a diferença será cobrada por meio do adicional. Por outro lado, quando as empresas já atendem ao patamar mínimo, ficam dispensadas dessa obrigação.
Essa abordagem reflete um esforço legítimo para modernizar nosso arcabouço tributário, mas não isenta as empresas de desafios significativos. É imprescindível que as multinacionais revisem suas práticas de compliance fiscal, considerando as hipóteses de redução ou dispensa previstas pela norma. A ausência de uma análise criteriosa pode expor as empresas a riscos fiscais e inconsistências.
Ademais, a implementação dessa medida exige cautela por parte do governo. Embora a arrecadação estimada seja significativa — R$ 3,44 bilhões em 2026 e quase R$ 7,7 bilhões em 2028, segundo projeções oficiais —, sua eficácia dependerá de um equilíbrio entre o combate à elisão fiscal e a manutenção de um ambiente favorável ao investimento. Insegurança jurídica ou encargos excessivos podem desestimular a atuação de multinacionais no Brasil, prejudicando, em última análise, a economia nacional.
Outro ponto que merece destaque é o impacto global da subtributação. No modelo desenhado pelos países participantes das Regras GloBE, a falta de uma tributação mínima em uma jurisdição pode levar ao pagamento complementar em outra que já tenha adotado a regra. Trata-se de um mecanismo que, na prática, transfere arrecadação de um país para outro, reforçando a necessidade de adequação do Brasil ao cenário global.
Por fim, a Lei nº 15.079/24 deve ser vista como um marco para o sistema tributário brasileiro, com efeitos que vão muito além das cifras. Sua aplicação, a partir do ano fiscal de 2025, exigirá que empresas e gestores tributários estejam atentos não apenas às especificidades legais, mas também ao contexto econômico e às transformações internacionais. Esse é o desafio e, ao mesmo tempo, a oportunidade de consolidar o Brasil como protagonista no debate sobre tributação global no século XXI.