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Publicada em 09 de Abril de 2024 às 17:30

Projeto do Executivo muda dinâmica do processo falimentar

A lei, sendo aprovada, irá modernizar e agilizar os procedimentos

A lei, sendo aprovada, irá modernizar e agilizar os procedimentos

FREEPIK/DIVULGAÇÃO/JC
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Caren Mello
Caren Mello
O governo federal encaminhou à Câmara dos Deputados, em janeiro deste ano, o PL 3/2024, que propõe alteração da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (LFRE). Em regime de urgência, foi aprovado pelo Legislativo em 19 de março e agora encontra-se em análise no Senado Federal. A previsão é de que haverá enormes alterações nos procedimentos falimentares, sobretudo no que diz respeito à dinâmica entre os credores e tutela do crédito.
O governo federal encaminhou à Câmara dos Deputados, em janeiro deste ano, o PL 3/2024, que propõe alteração da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (LFRE). Em regime de urgência, foi aprovado pelo Legislativo em 19 de março e agora encontra-se em análise no Senado Federal. A previsão é de que haverá enormes alterações nos procedimentos falimentares, sobretudo no que diz respeito à dinâmica entre os credores e tutela do crédito.
Para o governo, a lei, sendo aprovada, irá modernizar e agilizar os processos, fortalecendo o ambiente de negócios no país. Porém, o conteúdo do PL mal havia sido apresentado, e já suscitou reações da comunidade jurídica. De um lado a outro do país surgiram movimentos pela não aprovação do projeto. Com substitutivo apresentado pela relatora deputada Dani Cunha (União Brasil-RJ), ampliando alguns itens controversos, o PL traz pontos importante sobre prazos e função do administrador, sendo os mais criticados.
O PL determina um mandato de dois anos ao administrador judicial (AJ) e um teto para sua remuneração. A figura do AJ também seria substituída por um gestor fiduciário, indicado pela assembleia de credores, no caso de falência. Outro ponto de divergência é que o PL dá mais poder aos maiores credores. Isso permite a escolha do AL e a mudança na fila preferencial de pagamento aos credores.
Sobre a questão, o Conselho Federal da OAB encaminhou ofício à relatora, rechaçando a possibilidade de os credores intervirem na nomeação do AJ e criticando a limitação da remuneração dos profissionais. A OAB propôs ainda uma "vacatio legis", isto é, um período entre a publicação da nova Lei e o início da sua vigência de dois anos para a aplicação das alterações aos processos em curso, respeitando-se os atos praticados e situações jurídicas consolidadas anteriormente.
A União de Profissionais da Insolvência (UPI) manifestou profunda preocupação com a decisão da Câmara dos Deputados, com a aprovação sem que tenha sido dado o devido tempo para o debate. A UPI tem alertado que a aprovação do texto traz insegurança jurídica e ineficiência aos processos concursais, "representando grave retrocesso aos avanços conquistados com a Lei 11.101/2005 e com a sua recente reforma ocorrida em 2020", que atualizou os instrumentos de recuperação judicial e falências. O PL, argumenta a entidade, favorece os maiores credores em detrimento ao direito daqueles mais vulneráveis e privilegia a influência do poder econômico nas decisões sobre os rumos da falência. O projeto de lei estaria retirando ferramentas que garantem a imparcialidade, transparência e independência do processo.
A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) também se manifestaram contra a aprovação do PL, reivindicando um debate prévio amplo com a sociedade civil e especialistas. A Associação argumenta que o PL gera preocupações "por subtrair da jurisdição atos essenciais de controle sobre processo, em prejuízo da eficiência, da legalidade e da segurança jurídica".
A reforma de 2020 inovou o trato ao procedimento falimentar, tornando-o mais célere. Agora, um dos temores é que haverá um aumento significativo no número de contenciosos, uma vez que cada juízo terá que aplicar soluções particulares para cada caso. Isso provocaria um maior tempo de judicialização, com impacto, inclusive, no valor dos ativos.
Para a advogada gaúcha, especialista em recuperações de empresas, há pontos importantes no texto apresentado. Entretanto, a forma como foi apresentado prejudicou o conteúdo. Além de as estruturas do sistema judiciário não estar preparada para mudanças, não houve discussão sobre o tema. As alterações, segundo a advogada, se basearam em casos de grande repercussão, que são minoritários. "Não esperávamos que fosse se transformar em uma reforma, que tivesse tomado a envergadura que tomou", observou.

'Projeto de Lei foi mal conduzido'

Juliana critica a falta de diálogo do governo em relação ao tema

Juliana critica a falta de diálogo do governo em relação ao tema

/DIVULGAÇÃO/JC
O regime de urgência para a aprovação do PL 3/2024 está provocando reação por parte de institutos da área, acadêmicos e operadores do Direito, que apontam a falta de diálogo por parte do governo. Na área que tem como característica os interesses divergentes, a apresentação gerou um consenso em função da forma com que o projeto foi apresentado.
A advogada especialista em recuperação de empresas Juliana Della Valle Biolchi ficou surpresa com a iniciativa do governo, embora entenda que existem pontos positivos. "Não temos um problema de conteúdo, temos um problema de forma, que é a falta de diálogo", criticou, em entrevista ao JC Contabilidade.
Para a advogada, o projeto não está claro para a sociedade. Juliana aponta que os acertos do PL ficaram de lado, dando protagonismo à decisão apressada por parte do governo.
JC Contabilidade? O projeto de Lei foi uma surpresa entre os profissionais da área?
Juliana Biolchi - Tínhamos a Lei de Recuperação de Empresas, que passou por uma reforma em 2020 e entrou em vigor em 2021. Tivemos esses três anos de aplicação dessa reforma e, agora, estávamos colhendo os frutos. Surpreendeu, sim, primeiro pelo fato de o governo fazer esse movimento de reformar novamente essa matéria através do projeto de lei, encaminhado pelo Executivo no início desse ano.
Contab - Qual a crítica a esse projeto?
Juliana - Entendo que esse movimento veio desprovido de uma base de dados que pudesse dizer que, por exemplo, o que foi feito em 2020 não entregou resultado desejado, de forma que justificasse uma nova revisão do procedimento de falências. Além disso, tudo isso foi pensado e desenhado a partir de grandes casos grandes que despertam muito interesse, como, por exemplo, a falência do Banco Santos, sobre a qual se falou muito. Essas falências grandes são excepcionais. O mais comum são casos pequenos de empresas pequenas e, muitas delas, sem ativos. E a lei foi para todos. Essa figura do gestor fiduciário e a troca automática, tudo foi pensado para todos os casos. Se criou uma mudança profunda num procedimento que tinha sido recentemente reformado e que não tinha sido a experiência de todos.
Contab - Qual teria sido a intenção do governo?
Juliana - O governo precisa arrecadar. Existe um estoque trilhonário de créditos na rua, de empresas que não pagam suas obrigações tributárias. Nesse estoque, tem muitos ativos que ainda podem ser recuperados. O Estado brasileiro tem uma trajetória de criação de instrumentos que sejam mais eficientes do que aqueles que existiam antes para recuperar esse crédito. Isso não é uma atitude isolada do governo Lula. Isso é típico de uma busca de tornar eficiente o recebimento dos seus créditos. O interesse do governo foi esse, e entendo que é legítimo. O que ficou ruim foi o desdobramento disso, como tudo foi conduzido. Nós não temos um problema de conteúdo, nós temos um problema de forma, que é o processo de urgência, sem diálogo, que resulta em um problema de conteúdo, de ideias que não foram amadurecidas.
Contab - Uma das críticas diz respeito à fila de preferenciais. Vai haver alteração?
Juliana - As dívidas trabalhistas continuam em primeiro lugar na fila, isso não chegou a mudar na ordem de pagamentos. O que mudou foi a dinâmica. O projeto passa o controle do processo de falência para a mão dos credores. E isso se inscreve nos interesses do governo porque o governo é credor em muitos processos. Os credores trabalhistas costumam ser credores que têm uma articulação menor. São funcionários, reconhecidamente hipossuficientes. Eles não têm um poder de articulação maior do que credores financeiros, por exemplo, como a própria Fazenda. Eles vão ficar, sim, preteridos, nessa dinâmica, não há a menor dúvida. A hipossuficiência que eles detêm é econômica. E a gente está diante de uma legislação com conteúdo econômico. É como os minoritários em uma sociedade, ou seja, têm poder de decisão limitado.
Contab - Em outra alteração, a que diz respeito ao administrador judicial, qual impacto nos processos?
Juliana - Acho que o PL tem algumas funções positivas que acabaram ficando de lado em função da forma como foi feita, tomando protagonismo. Mas tem pontos complicados. Uma das mais complicadas para mim é a que tentou criar um conjunto de limites relacionados às remunerações dos administradores judiciais (AJs). Dentro do sistema, ele tem um papel de administração do processo, e, de fato, se tornou um trabalho que foi ficando cada vez mais complexo e cada vez mais caro em uma situação de crise, de escassez. Então não tem o menor sentido encarecer o trabalho do administrador judicial e cobrar isso da empresa, sendo que ele trabalha com variáveis que, muitas vezes, não geram valor no processo. Por exemplo, ele tem um papel fiscalizatório muito intenso. É como se a empresa que está em recuperação judicial fosse auditada todos os meses. Isso custa dinheiro e recurso humano.
Contab - Daí a limitação de processos?
Juliana - O que o PL fez? Limitar. Cada administrador judicial só vai poder ter quatro administrações, quatro falências com o mesmo juiz. A ideia é ótima, mas não tem administrador judicial para dar conta de tudo isso. No caso do Rio Grande do Sul, há duas semanas, haviam 1610 processos de falências ativos. Nós temos sete juízes competentes para matéria falimentar. Se dividir, vai precisar de 230 AJs para distribuir quatro para cada um. Nós não temos esse número. Haverá a necessidade de vir AJs de outros lugares do país.
Contab - O tempo de atuação do AJ também foi alterado?
Juliana - São 180 dias de negociações e 24 meses de supervisão. O administrador permanece à frente do processo pelo prazo e depois ele pode ser substituído. Eu entendo que é um prazo razoável. Mas na falência é muito difícil terminar em três anos porque a empresa tem ações de conhecimento, que tem um litígio, algum crédito para cobrar. O tempo do processo judicial é mais longo. É intrínseco ao processo falimentar a demora.
 

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