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Publicada em 26 de Março de 2024 às 16:24

O ITCMD é maior ou menor do que em outros países?

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Roger Mitchel
Roger Mitchel
Diretor do escritório jurídico e contábil Contabilidade Internacional
 
O ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) tem origem na Constituição Federal de 1988, mas, ao longo dos anos, alterações legislativas e emendas constitucionais proporcionaram aos estados maior autonomia na definição de alíquotas. Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 132, esse tributo mudou. Exigido nas doações de bens e na transmissão de patrimônio aos filhos e herdeiros, agora o imposto sobre a herança é maior e obrigatoriamente progressivo.
Ou seja, quanto maior o patrimônio a ser doado ou herdado, mais incidência de tributação. Antes, a porcentagem de ITCMD podia ser fixa ou progressiva - ficando entre 4% e 8% - a depender do estado, da localidade do patrimônio e do doador ou falecido. Agora, com a alteração na Constituição, o percentual pode saltar para até 16%.
Comparativamente, a alíquota no Brasil é menor que em 5 países desenvolvidos, como no Reino Unido, 40%, China, Japão, Coreia do Sul e Holanda com 10%, inclusive no caso de transferência para não-filhos. Mas a comparação direta não é correta, pois essas nações não possuem os mesmos custos de inventário, regulamentado pelo Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002) e simplificado pela Lei nº 11.441/2007, no Brasil. Somando o imposto às custas de inventário, nosso país impõe um ônus significativo às famílias brasileiras na transmissão de bens aos herdeiros, prejudicando a transferência de riqueza geracional.
De acordo com a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR) em seu 5º relatório intitulado "Cartório em Números, de janeiro de 2007 a novembro de 2023, foram realizados 2,3 milhões de inventários pelos Tabelionatos de Notas do Brasil. Os Estados que mais realizaram inventários no período foram São Paulo 880.751, Paraná 265.508 e Rio Grande do Sul 261.173.
O procedimento de inventário, reflete um esforço contínuo do sistema jurídico brasileiro em tornar a transferência de patrimônio mais acessível e menos custosa, é verdade. Mas, apesar desses avanços, desafios persistem, especialmente em relação aos custos. Soma-se ao ITCMD, dependendo de cada caso, as taxas judiciais (1%), formal de partilha de bens (1%), avaliação de mercado dos bens (1%), honorários advocatícios (5% a 10%), imposto sobre ganho de capital (15% da valorização), escritura (1%), ITBI (4%) e custas cartorárias (1%). Na prática, no momento de transferência dos bens, a porcentagem de perda dos herdeiros pode chegar a 37% no total.
E isso pode acontecer duas vezes na transferência de um mesmo patrimônio, no caso do falecendo o pai, e depois da mãe, por exemplo. Logo, fica quase impossível que um negócio familiar chegue à sua terceira geração. Esse sistema atual revela a urgência de um olhar que considere tanto a arrecadação estatal quanto a estrutura legal que exige o inventário judicial, de forma a garantir a distribuição equitativa de riqueza, superando a política fragmentada atual do governo que não considera essa "dupla taxação" na transmissão de riqueza geracional.
Aqui, cabe a pergunta: se os custos de inventário também fossem parar diretamente nos cofres públicos, o imposto sobre a herança se manteria estacionado? Uma questão a se pensar.
Mas, no fim, a conta é simples, quanto mais cara a transmissão dessa riqueza, menor a ascensão social. Se os herdeiros não recebem herança suficiente, vão novamente começar do "zero", como os próprios pais, continuando dependentes de serviços públicos como moradia, segurança, educação e saúde. Se continuar desta forma, a tributação sobre a herança no Brasil continuará a impor barreiras à justiça social e à mobilidade socioeconômica. Uma sociedade em que quem nasce pobre, está destinado a continuar desta forma, geração após geração.
 

A governança corporativa sob ataque

Roberto Gonzalez
Consultor de governança corporativa e ESG e conselheiro independente de empresas
A polêmica envolvendo a tentativa de ingerência do governo na Petrobras e na Vale agitou o mercado de capitais e o noticiário nos últimos dias. No caso da Petrobras, a celeuma começou após a divulgação do balanço no dia 7 de março. Em 2023, o lucro da estatal caiu 33,8% em comparação com 2022, o que chamou a atenção. Este percentual resultou em uma perda de R 23,8 bilhões em seu valor de mercado. Mas isso foi o de menos. A grita teve início com a decisão do Conselho de Administração da estatal de adiar o pagamento de dividendos extraordinários aos acionistas, cujo valor é estimado em R$ 43 bilhões.
É importante ressaltar que se trata de dividendos extraordinários, pois os dividendos ordinários seguem uma legislação específica que não pode ser alterada pela companhia. O problema é que se propagou a notícia de que o adiamento dos dividendos extraordinários teria ocorrido por decisão do presidente Lula, o que configura, se a informação for verdadeira, ingerência do governo nas decisões da companhia.
Esse caso da Petrobras fez acender a luz de alerta com relação às atitudes governamentais sobre empresas estatais listadas na Bolsa. E aí, uma questão envolvendo a Vale em janeiro também voltou a ser comentada com força. No primeiro mês do ano, foi noticiado que Lula queria impor a entrada de Guido Mantega como CEO da companhia. Para piorar, o balanço da mineradora também não foi dos melhores. Ela perdeu R$ 48,3 bilhões de valor de mercado em 2023. Aliás, é a empresa que mais perdeu, seguida do Bradesco (R$ 33,6 bilhões) e da Petrobras.
Ambos os casos não são os únicos, mas são bons exemplos de que a governança corporativa está sob ataque no Brasil, tanto por agentes públicos quanto por agentes privados. Não importa se o controle de uma companhia é estatal ou se o controle é privado. Todo e qualquer controlador tem que agir de acordo com as melhores práticas de governança. Esse é um ponto que não vem sendo respeitado, o que é bastante ruim porque traz insegurança para investidores a respeito dessas empresas.
Acima de tudo, uma boa governança é transparente. Sendo assim, o controlador de qualquer companhia, pública ou privada, tem que deixar claro qual o objetivo dele. Vamos tomar como exemplo uma empresa de saneamento, focada em distribuição de água e coleta e tratamento de esgoto em um município deficitário desses serviços. O acionista, ao comprar ações, já sabe que esta empresa terá de investir para acabar com o déficit porque é uma empresa que atua na estrutura pública.
A companhia tem que deixar isso claro, para o acionista comprar ações já sabendo disso. Portanto, se por causa do investimento a empresa não pôde pagar dividendos ou pagou menos do que em anos anteriores, não é justo que o acionista reclame. Ele já sabia desta possibilidade. Mas o investimento tem de ser planejado, previsível.
Todos os envolvidos com esta companhia precisam saber o que será gasto para poderem mensurar se vale ou não a pena investir e aguardar um tempo maior para obter retorno. Não é aceitável que a informação de investimento venha apenas no momento de explicar o porquê de os dividendos serem inferiores ao do ano anterior ou nem serem distribuídos. Como eu já disse, transparência é essencial.
No caso da Petrobras, todo o alvoroço teria sido evitado se meses antes a empresa informasse ao mercado que em abril haveria alterações na política de dividendos extraordinária. Bastaria um comunicado com argumentos técnicos. Talvez até houvesse queda no preço das ações, mas seria bem menor. A repercussão seria menor porque tudo teria ocorrido com a máxima transparência. Lula negou que o adiamento da distribuição de dividendos extraordinários tenha partido dele. Mas o estrago, para a estatal e para ele próprio, já está feito.
No caso da Vale, a tentativa de ingerência está mais clara. Mas foi uma iniciativa completamente errada. Porém, veja bem, neste caso o desrespeito à governança corporativa não partiu somente do governo, mas também de alguns acionistas, ou seja, do próprio segmento privado. Um grupinho de acionistas espertinhos pensou: "todo mundo vai falar que é uma ingerência do governo federal. Ninguém vai perceber que tem nossas mãos nisso". Não é por acaso que José Luciano Duarte Penido enviou carta renunciando ao cargo de Conselheiro Independente da Vale.
Olha que interessante. Na carta, Penido escreve o seguinte: "No Conselho se formou uma maioria cimentada por interesses específicos de alguns acionistas lá representados, por alguns com agendas bastante pessoais e por outros com evidentes conflitos de interesse. O processo tem sido operado por frequentes, detalhados e tendenciosos vazamentos à imprensa, em claro descompromisso com a confidencialidade". Considerando as palavras de Penido, é importante que os acionistas e investidores sérios fiquem duplamente atentos porque está claro que ambos os lados, público e privado, estão ignorando uma boa gestão por conta de interesses específicos e que não necessariamente é vantajoso para a companhia.
 

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