Gabriel Eduardo Bortulini, especial para o JC*
Embora o estado tenha perdido para o Paraná o posto de maior produtor de erva-mate nos últimos anos, a participação do Rio Grande do Sul no mercado externo tem crescido. Só em 2024, o Estado respondeu por mais de 80% das exportações da erva-mate brasileira. Para continuar em ascensão, as empresas precisam lidar com gargalos estruturais e econômicos, a fim de aumentar a participação em mercados emergentes, como o Oriente Médio.

Cultura da planta, seu consumo e seu cultivo se consolidaram, sem jamais abandonar os territórios nativos na porção subtropical da América do Sul
/Ilvandro Barreto de Melo/Emater-RS/JCA erva-mate é uma planta emblemática na cultura e na economia do Rio Grande do Sul. As suas primeiras documentações datam do século XVI, embora se saiba que o consumo é ainda anterior, principalmente associado aos povos guaranis. Durante os séculos, a Ilex paraguariensis perdeu o status de erva proibida, cercada de desconfiança e preconceito, e se tornou um produto de valor para o Brasil colonial, sobretudo a partir das missões jesuíticas.
Desde então, a cultura, o consumo e o cultivo da erva-mate se consolidaram, sem jamais abandonar seus territórios nativos — essa porção subtropical da América do Sul, que inclui Brasil, Paraguai e Argentina. Hoje, a planta é reconhecida como símbolo não apenas do povo sul-rio-grandense, mas de toda a identidade gaucha.
Com todo o valor associado à cultura do Estado, o Rio Grande do Sul foi o maior produtor de erva-mate durante anos. Hoje, entretanto, é o Paraná quem lidera a lista — tanto de produção como de área cultivada. Se em 1992 o território gaúcho detinha mais de 85% da área de cultivo, em 2022 esse número era de apenas 36,7%. Porém, isso não significa um encolhimento do setor no Rio Grande do Sul, mas um crescimento acelerado do Paraná, que hoje desponta como o estado onde mais se cultiva erva-mate, com 44% da área plantada no País, número que se reflete na produtividade.
Em 2022, o Paraná concentrava 51% da produção de erva-mate brasileira, enquanto o Rio Grande do Sul detinha 34% — participação muito inferior aos 84% de 1992. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - Produção Agrícola Municipal (PAM) 2022 e demonstram a reorganização do cultivo ervateiro nos três estados do Sul do País, embora a produção ainda esteja concentrada na região. Durante o período analisado, Santa Catarina foi o estado que manteve maior estabilidade, hoje com cerca de 19% da área plantada e 14% da produção.
Atualmente, o Rio Grande do Sul reúne a produção da erva-mate em cinco zonas ervateiras: Missões/Celeiro, Alto Uruguai, Nordeste Gaúcho, Alto Taquari e Região dos Vales. As cidades de Ilópolis e Arvorezinha detêm as maiores áreas de cultivo e a maior produção do estado. Juntas, produzem mais de 30% da erva-mate gaúcha.
Embora o Rio Grande do Sul precise disputar espaço com a vigorosa produção paranaense, o mesmo não pode ser dito das exportações. Segundo os dados do Comex Stat, o sistema oficial que agrupa estatísticas do comércio exterior brasileiro, o Rio Grande do Sul foi o responsável por 81% das exportações de erva-mate 2024. O número foi de 79% em 2023 e de 74% em 2022.
O grande destaque do setor é a cidade de Encantado, no Alto Taquari. Sozinho, o município exportou 44% de toda a erva-mate brasileira, num total de 28,1 mil toneladas, movimentando mais de 51 milhões de dólares. O número não chega a surpreender, uma vez que é de Encantado a empresa que ocupa uma enorme parcela do mercado ervateiro do Uruguai, o maior importador da erva brasileira: a Baldo, produtora, dentre outros rótulos, da renomada Canarias, velha conhecida dos consumidores uruguaios, com seu slogan El mate de mi país.
Dos cinco municípios que mais exportaram em 2024, quatro são gaúchos: além de Encantado, compõem a lista Venâncio Aires, a cidade catarinense de Canoinhas, Barão de Cotegipe e Arvorezinha. Para manter essa força, o mercado exportador gaúcho se norteia em dois orientes: a República Oriental do Uruguai, de longe o maior importador da erva brasileira e, mais recentemente, a Síria, que tem aberto espaço para a matéria-prima gaúcha no Oriente Médio nos últimos dois anos.
Municípios brasileiros que mais exportaram em 2024
- Encantado (RS) - 21.852.213 kg — US$ 51.83 milhões
- Venâncio Aires (RS) - 4.602.728 kg — US$ 8.08 milhões
- Canoinhas (SC) - 4.462.623 kg — US$ 8.12 milhões
- Barão de Cotegipe (RS) - 4.155.122 kg — US$ 7.88 milhões
- Arvorezinha (RS) - 3.170.821 kg — US$ 5.15 milhões
Uruguai e Síria impulsionam remessas internacionais feitas pelo Brasil

A Agroindustrial Elacy exporta, em média, 460 toneladas de erva-mate para a Síria mensalmente, graças à parceria com a ervateira La Cachuera, uma das maiores exportadoras para aquele país
/EDUARDO SCARAVAGLIONE /DIVULGAÇÃO/JCApesar de possuir a maior média de consumo per capita do mundo, o Uruguai não produz erva-mate. Ou seja, todo o produto precisa ser importado a fim de suprir a demanda — e o exigente paladar — dos pouco mais de 3 milhões de habitantes do país.
"Hoje, em torno de 95% da erva provida ao Uruguai é brasileira. O uruguaio não gosta da erva do Paraguai, não gosta da erva da Argentina. O uruguaio consome basicamente a matéria-prima brasileira", afirma o vice-presidente do Sindimate, Gilberto Heck.
A preferência dos consumidores uruguaios é evidente há décadas. Em 2024, o Brasil exportou pouco mais de 49 mil toneladas de erva-mate, das quais 32,6 tiveram o Uruguai como destino. Trata-se de mais de dois terços do total das exportações brasileiras do produto — número que, aliás, já foi muito maior. Em 2014, 88% das exportações de erva-mate rumaram ao mercado uruguaio. Em 2008, essa fração era de quase 90%, segundo o Comex Stat.
A redução na porcentagem não significa, contudo, uma diminuição na demanda uruguaia. Na verdade, o que ocorreu foi o crescimento das exportações para outros países. Entre esses novos mercados, o Oriente Médio tem chamado a atenção de algumas ervateiras, principalmente países como a Síria que, em 2023, importou 900 toneladas de erva-mate brasileira. Já em 2024, esse número subiu para 3,2 mil toneladas, o que tornou país o terceiro maior importador de erva-mate brasileira no último ano, atrás apenas de Uruguai e Argentina. Nessa conta, entretanto, é preciso considerar que a Argentina é um comprador esporádico, afinal é produtora e exportadora de erva-mate, detendo inclusive a maior parcela do mercado sírio.
E foi justamente a parceria com uma tradicional empresa argentina que estimulou as exportações de uma ervateira de Venâncio Aires para o país árabe. Hoje, a Agroindustrial Elacy exporta, em média, 460 toneladas de erva-mate para a Síria mensalmente, o que só foi possível graças à parceria com a ervateira La Cachuera, uma das maiores exportadoras de erva-mate para aquele país. Segundo Gilberto Heck, que, além de vice-presidente do Sindimate, também é sócio-diretor da Elacy, as exportações argentinas não estavam dando conta de toda a demanda da Síria, o que propiciou a parceria.
"A Síria compra mais erva que o Uruguai. Eles importam de 35 milhões a 40 milhões de quilos por ano, da Argentina principalmente. Tomam muito mate por lá e nos países em volta. Além disso, é um povo que está no mundo inteiro e interage muito. Para nós não tem condição mais favorável para disseminar esse hábito", avalia.
Como praticamente todo o mercado externo, a erva-mate exportada para a Síria segue os padrões de exportação. Nesse caso, a Elacy precisa preparar o produto no padrão argentino, que também exige uma longa maturação, mas difere do padrão uruguaio em alguns fatores como a granulometria, a porcentagem de palito, uma menor quantidade de pó e um maior tamanho das folhas. Ainda, para conseguir entregar um produto de qualidade, as ervateiras que visam ao mercado de exportação precisam adaptar partes importantes de seus processos.
"A erva-mate para o mercado externo tem outro tratamento. Já começa pelo sistema de secagem em secadores de esteira, que é mais lento e tem uma temperatura mais branda. Esse processo não se adapta muito bem ao nosso mate tradicional, porque a erva perde muita cor, algo muito exigido no mercado interno. Já a erva que vai ser armazenada se adapta muito melhor nesse sistema mais lento de secagem, que também altera bastante o sabor", explica o sócio-diretor da Elacy.
Durante a conversa com a reportagem, no dia 15 de janeiro, Heck se mostrava otimista com o futuro das exportações à Síria, após alguns percalços por conta de problemas internos do país. A empresa se preparava para voltar ao fornecimento regular, em torno de 460 toneladas mensais de produto exportado. Contudo, na noite do dia 22 de janeiro, a filial da ervateira em Cruz Machado, no Paraná, foi atingida por um incêndio. Um barracão de cerca de mil metros quadrados foi completamente destruído. Segundo Heck, 1.350 toneladas de erva maturada foram perdidas.
"Eram estoques de erva pronta para ser enviada para Argentina, Uruguai, Chile e Síria. Agora, vamos ter que apurar direitinho as causas do ocorrido, fazer um levantamento e redimensionar as nossas exportações, porque esse era um dos nossos depósitos. Perdemos cerca de 30% do produto estocado e vamos ter que rever agora como é que vamos fazer o escalonamento daqui para frente", conclui.
Os cinco maiores importadores da erva-mate brasileira em 2024
País / Valor FOB / Quilograma Líquido
- 1º Uruguai: US$ 66.710.59 — 32.667.697 kg
- 2º Argentina: US$ 13.823.558 — 7.674.593 kg
- 3º Síria: US$ 6.181.478 — 3.220.000 kg
- 4º Espanha: US$ 3.493.692 —1.406.972 kg
- 5º Alemanha: US$ 3.819.029 — 1.214.466 kg
Ervateira do Alto Uruguai é uma das líderes nacionais

O ano de 1951 marcou as primeiras atividades da atual Barão Erva-Mate e Chás, consolidada durante décadas como uma das maiores ervateiras do Rio Grande do Sul e também do País
/Gabriel Bortulini/Especial/JCBarão de Cotegipe tem uma população de apenas 7.144 habitantes, de acordo com os dados do IBGE (2022). Apesar disso, a pequena cidade se destaca em nível nacional quando o assunto é erva-mate. Segundo os dados do Comex Stat, o município exportou 4,1 toneladas de erva-mate em todo o ano de 2024. Esse número rendeu a Barão de Cotegipe a quarta posição na lista maiores exportadores do produto em todo o País, atrás apenas de Encantado, Venâncio Aires e Canoinhas. Do total exportado pela cidade do Norte do Estado, mais de 4 toneladas foram comercializadas apenas com o Uruguai. Isso equivale a 98% da exportação de erva-mate do município.
Essa tradição teve início em 1951, ano que marcou as primeiras atividades da atual Barão Erva-Mate e Chás, consolidada durante as décadas como uma das maiores ervateiras do Rio Grande do Sul. Para se ter uma ideia, a atual erva-mate verde, apreciada pela grande maioria dos consumidores gaúchos, só foi possível graças ao empenho de Etelvino Picolo, fundador da Barão. Em parceria com o amigo Roberto Grimm, entre o final da década de 1970 e o início da década de 1980, ambos desenvolveram o sistema de secagem que transformou o mate gaúcho. Por meio de um secador rotativo, a erva-mate que antes era comercializada em uma coloração amarelada (mesmo sem passar pelo processo de repouso, como as ervas nos padrões uruguaio e argentino), agora era capaz de manter a coloração original da folha.
A novidade se espalhou rapidamente e o mate bem verde ganhou a popularidade e o paladar dos brasileiros. Apesar de toda essa tradição, não é só no mate gaúcho que a Barão se destaca. Hoje, a ervateira produz erva-mate em diferentes padrões, desde o tradicional mate brasileiro, em diversas moagens e composições, até nos padrões para exportação — outro importante foco da empresa, cuja atividade iniciou em 2002, ainda carregando a assinatura pioneira de Etelvino Picolo.
"Na verdade, a primeira exportação foi da erva-mate verde. Mais tarde, a gente começou a trabalhar com um cliente no Uruguai. Hoje temos a exclusividade e fabricamos a marca deles", relata Ana Paula Picolo, Diretora industrial da Barão Erva-Mate e Chás.
Conforme Ana Paula, a erva-mate verde também é exportada, embora em quantidades bem menores. Nesses casos, os destinos são algumas empresas e lojas dedicadas a produtos para o público brasileiro. Entretanto, a maior parte da erva-mate exportada passa, necessariamente, pelo estacionamento, em que o produto fica "descansando" durante cerca de um ano antes de ser empacotado. Esse processo de maturação é "que nem um vinho", ela compara.
"Nós aqui na empresa somos sempre defensores, pode consumir do jeito que quiser, mate, tereré, chá, erva verde ou descansada, desde que consuma erva-mate. E é um orgulho muito grande saber que a erva-mate está espalhando, que mais pessoas estão consumindo", ela celebra, elencando alguns países onde a erva-mate Barão pode ser encontrada: Uruguai, Chile, Austrália, França, Alemanha, Itália e Estados Unidos.
O orgulho e otimismo da diretora industrial da Barão é mantido mesmo diante de dificuldades. Assim como a recente ocorrência com a filial da Elacy, a ervateira do Alto Uruguai também enfrentou um incêndio, em julho de 2024. O fogo destruiu um pavilhão onde ocorria boa parte da produção e da maturação da erva-mate exportada, na unidade da ervateira no município de Machadinho. Mais de 1,5 mil toneladas de produto foram perdidas, num prejuízo de cerca de R$ 20 milhões apenas em erva-mate, sem contar os danos estruturais e a perda de maquinário.
"A quantidade perdida daria para quase um ano de um cliente de exportação", lamenta.
Apesar disso, a empresa conseguiu manter as atividades, uma vez que possui os mesmos maquinários na unidade de Barão de Cotegipe.
"O que nós mais perdemos foi o tempo. Porque essa erva-mate precisa ficar um ano armazenada e não tem uma empresa que guarde erva-mate para vender para alguém que exporta. Então estamos bem no limite da quantidade para poder atender os nossos clientes e não ficar sem. O que a temos de estoque para fevereiro e março pode ser que complique bastante", revela.
Para não sofrer com um possível desabastecimento, a ervateira já negocia a aquisição do produto com algumas empresas parceiras, que guardaram erva-mate para a Barão em julho, em decorrência do incêndio.
Contudo, um novo barracão já está em fase final de construção. Assim que a cobertura estiver pronta, o lugar poderá alocar os estoques de erva-mate que permanecerão maturando durante um ano antes de partirem para a exportação.
"Não precisamos demitir ninguém, conseguimos realocar todo mundo, para manter tudo como era. Mas, claro, é um baque, uma dificuldade", completa.
Ervas de exportação também ganham o público interno

Marcas importadas e exportadas ocupam as prateleiras da Casa da Erva-Mate no Mercado Público de Porto Alegre
/Gabriel Bortulini/Especial/JC
Gilmar Giovanaz explica que as ervas padrão argentino e uruguaio têm o paladar bem diferente do gaúcho
TÂNIA MEINERZ/JC
A Casa da Erva-Mate, ou Banca 33, como também é conhecida a banca do Mercado Público de Porto Alegre, foi fundada há mais de 60 anos por Reni João Groff. Hoje, é comandada por Gilmar Giovanaz, em conjunto com o primo Adão Pacheco, sobrinhos de Groff.
Gilmar conta que, por indicação de um cliente, começou a vender a erva-mate Canarias — atualmente produzida pela Baldo, muito famosa entre os consumidores uruguaios, mas quase desconhecida por aqui até pouco tempo atrás.
"Isso foi há mais de 20 anos. Então o que aconteceu é que muita gente ligava pra fábrica da Baldo pra pedir da erva, para saber onde é que tinha, e eles falavam faziam propaganda: 'vai na 33 que lá tu consegue'. Foi uma das primeiras bancas a ter. E aí pegou", conta Gilmar.
Além da Canarias e de outras marcas do grupo Baldo, de Encantado, a Casa da Erva-Mate hoje trabalha com mais ervas de padrão uruguaio, como a Rei Verde Export e a Flor Verde, ambas de Erechim. Ainda, há produtos no padrão argentino, importados do país vizinho, como as famosas marcas Unión e Rosamonte — consideravelmente mais caras que as ervas em padrão brasileiro.
"É uma empresa de Santa Catarina que importa e a gente compra direto deles. Por isso, o preço da erva argentina é bem mais alto, pela importação, por todo essa série de comércios até chegar aqui", explica.
Como comparação, meio quilo da erva-mate Unión chega a custar R$ 30,00 — preço equivalente a dois quilos de uma erva-mate verde, para o mercado nacional. Entretanto, quem quiser experimentar uma erva fabricada no padrão de outros países não precisa, necessariamente, adquirir um produto importado. Todas os rótulos da Baldo são produzidos em solo brasileiro, como a Canarias e a Esmeralda, por exemplo.
Da mesma forma, há uma oferta cada vez maior das ervas do tipo uruguaio e argentino produzidas pela Barão. Há alguns anos, esses produtos eram quase restritos a bancas especializadas aqui no País, como as do Mercado Público. Atualmente, já é possível encontrá-los em supermercados, a um preço bem mais em conta. Um pacote de meio quilo da erva-mate Barão, padrão argentino ou uruguaio, pode sair a menos de R$ 13,00 — nem metade do preço de uma erva-mate importada da Argentina. Dentre as ervas da Baldo, um quilo do seu rótulo mais tradicional, a Canarias, sai por R$ 25,00 na Banca 33.
Mesmo assim, fica evidente a diferença no preço das ervas brasileiras para exportação em comparação às nossas ervas tradicionais. Segundo o vice-presidente do Sindimate, embora essas ervas sejam produzidas no Brasil, o preço mais alto se justifica pelo processo de produção.
"A erva uruguaia, especificamente, é uma erva pura folha, sem nada de palo, então já se descarta um percentual do produto, o que encarece. Outro fator é o tempo de estocagem, com espaço físico, com todos os cuidados que necessários, acaba encarecendo bastante", explica Heck.
Além do acréscimo no preço final, o sistema produtivo é justamente o que diferencia a erva-mate nos padrões para exportação. Isso ocorre porque esse tipo de erva-mate precisa de um tempo de maturação, ou seja, a erva fica meses estocada antes de ser empacotada e destinada ao consumo, o que pode passar de um ano. Para isso, as empresas precisam de mais mão de obra, mais espaço físico e, claro, mais capital de giro.
Todo esse processo é necessário para atender ao paladar estrangeiro, mas isso nem sempre agrada o consumidor nacional.
"Já recebi gente que comprou um pacote de erva padrão uruguaio porque tinha visto propaganda, mas voltou no outro dia reclamando que eu tinha vendido erva velha. Então hoje eu peço para os funcionários perguntarem, quando o cliente quer comprar uma Canarias, uma Baldo, uma Unión, se conhece as ervas padrão uruguaio, padrão argentino, porque é outro tipo de erva", relata Gilmar Giovanaz.
Conforme Ilvandro Barreto de Melo, engenheiro agrônomo da Emater/RS-Ascar e coordenador da Câmara Setorial da Erva-Mate no Estado, trata-se de uma diferença cultural do consumo do mate, explicada pelo histórico das industrializações e do transporte do produto. Segundo Ilvandro, o hábito da erva-mate repousada se consolidou em regiões distantes dos núcleos produtivos, enquanto regiões produtoras, como é o caso do Rio Grande do Sul, se habituaram ao produto recém-industrializado e, por consequência, mais verde.
"Se mesmo hoje, com a dinâmica que temos de logística de distribuição, a erva já chega em alguns pontos com suas características alteradas, imagina no passado, em que a ela era transportada por cargueiros de mulas, por via férrea. Até chegar no Uruguai, na Argentina, já estava completamente maturada, então eles se habituaram a consumir a erva-mate com essa característica mais amarelada. Já aqui, como a gente produz a erva-mate e já consome, temos o hábito da erva-mate verde", esclarece.
Entretanto, nada impede que o hábito sofra influências ou, ainda, que um consumidor prove um novo tipo de erva e a inclua na rotina. Segundo Ana Paula Picolo, aliás, a erva-mate padrão argentino da Barão foi desenvolvida para o mercado brasileiro, diferente do que costuma ocorrer.
"Nossa ideia inicial foi pra vender aqui no mercado interno mesmo e depois a gente foi expandindo para outras exportações. Hoje nós acabamos vendendo mais no mercado interno mesmo", assinala a diretora industrial da ervateira do Alto Uruguai.
Segundo Giovanaz, no entanto, a grande maioria das pessoas que procuram por erva-mate amarela na Banca 33 já está familiarizada. São principalmente clientes brasileiros que moraram no Uruguai, na Argentina ou vieram da fronteira.
Esse número, contudo, é ainda pequeno em comparação com a erva verde. Cerca de 90% da erva-mate vendida pela Casa da Erva-Mate segue o padrão nacional.
Novos mercados e horizontes para a erva-mate brasileira

Empresas & Negócios - Especial erva-mate - lavoura de erva-mate
/Ilvandro Barreto de Melo/Emater-RS/JCO crescimento do comércio exterior da erva-mate é evidente nos últimos anos. Entretanto, segundo Ilvandro Barreto de Melo, o estado ainda precisa aumentar o mercado, não apenas em quantidade exportada, mas também na área geográfica para onde o produto é destinado.
"Precisamos muito dessa questão institucional, do estado, para que ele possibilite através de missões técnicas, de missões comerciais, a divulgação do produto erva-mate do Rio Grande do Sul. Isso com certeza vai ampliar a visibilidade e até quem sabe o mercado quantitativo do produto, valorizando inclusive a erva-mate produzida aqui no estado", considera o coordenador da Câmara Setorial da Erva-Mate.
Horizontes não faltam para isso. No final de 2024, por exemplo, a Arábia Saudita abriu o mercado para a importação da erva-mate brasileira. A informação foi divulgada em uma nota conjunta dos ministérios da Agricultura e Pecuária e das Relações Exteriores, em dezembro.
Em outubro, outros cinco países já haviam feito o mesmo: Rússia, Belarus, Cazaquistão, Quirguistão e Armênia. Tratam-se de exportações de forma simplificada com esses países, todos integrantes da União Econômica Eurasiática (UEEA) — para onde o Brasil exportou mais de 1 bilhão de dólares em produtos agrícolas, apenas em 2024. Por fim, ainda em agosto do ano passado, o governo brasileiro também recebeu a autorização para exportar erva-mate para a Indonésia.
Para Gilberto Heck, o interesse no consumo da erva-mate ao redor do mundo é um estímulo para os produtores. "Estamos tendo muita exportação em pequena escala para vários e vários países da Europa, da Ásia, da América do Norte, quer dizer, a erva-mate está se tornando um produto conhecido no mundo e isso é bastante interessante para o setor", afirma o vice-presidente do Sindimate.
Entretanto, o potencial da erva-mate não termina na cuia. Atualmente, o produto tem despertado o interesse de diferentes setores no mercado interno e externo. São diversos produtos como bebidas, farinhas, chocolates, cosméticos e produtos de higiene.
A cidade de Machadinho, por exemplo, abriga dois empreendimentos que utilizam a erva-mate com finalidades ainda pouco comuns. Em parceria com a Ervateira Cambona, a Thänn Bier produz a cerveja Erva Mate, a partir de ingredientes locais e que chama a atenção por sua coloração levemente esverdeada.
No mesmo município, as Thermas de Machadinho utilizam a erva-mate em produtos completamente diferentes. É o caso do Spa Ilex, "o único spa do mundo a utilizar produtos e cosméticos à base de erva-mate", conforme divulga a própria empresa.
São usos inovadores e com bastante potencial de crescimento, uma vez que a erva-mate é um produto de composição muito rica, como recorda Gilberto Heck. Contudo, tanto o vice-presidente do Sindimate como o coordenador da Câmara Setorial da Erva-Mate no estado reiteram que esses usos diversos não geram um impacto tão significativo no mercado, afinal os extratos de erva-mate usados utilizam um volume bem menor da planta.
Gargalos impedem um volume ainda maior de embarques para o exterior

Objetivo é aumentar o hábito do consumo em outras partes do Brasil
/Karine Viana/Palácio Piratini/JCSegundo Ilvandro Barreto de Melo, embora os últimos anos tenham demonstrado um aumento nas exportações, com a entrada de novos países como a Síria e a Turquia, alguns obstáculos ainda dificultam um maior volume de exportação. Um desses fatores é a mão de obra escassa, principalmente por se tratar de uma atividade pouco mecanizada. "Passamos por um envelhecimento nas propriedades rurais, o que é um dos grandes gargalos pensando no futuro", alerta o coordenador da Câmara Setorial da Erva-Mate.
Para além da necessidade de abrir novos destinos de exportação da erva-mate gaúcha, Ilvandro demonstra preocupação com relação ao próprio mercado interno. Ele destaca a importância de ampliar o consumo da erva-mate em outros estados do País, uma vez que o público consumidor ainda está especialmente concentrado no Rio Grande do Sul, o que gera consequências negativas para os produtores do Estado.
"Temos muito que crescer no Brasil. Aqui no Estado, o consumo per capita que já foi de 11kg hoje é de 8,9 kg por ano. Houve essa redução muito em função da pandemia. Mas o que nos preocupa é o baixo consumo de Santa Catarina, do Paraná, do Mato Grosso do Sul, que são estados produtores, mas tem um consumo muito baixo. Essa erva-mate que é produzida nesses estados e a sobra vem para o cá disputar mercado com os produtores gaúchos", assinala.
Para Gilberto Heck uma das barreiras para um maior volume de exportação é a falta de estrutura física para as ervateiras comportarem o produto que precisa ser maturado por longos períodos.
"Esse é o grande gargalo para as empresas, para fazer essa estocagem, terem estrutura para manter esse produto por esse tempo, tanto de espaço físico, de prédio, estruturas adequadas, feitas para isso. Não é qualquer pavilhão, exige um preparo específico das edificações para fazer esse armazenamento. Então o que hoje a gente precisa é ter condições de financiar esse tipo de estocagem", afirma o vice-presidente do Sindimate.
Além dos desafios estruturais, algumas empresas ainda enfrentam entraves legislativos nos países importadores. Segundo Ana Paula Picolo, isso tem dificultado as exportações ao mercado europeu, da erva-mate orgânica produzida pela Barão.
"Foi uma dificuldade do setor como um todo. Porque assim: a erva-mate é um produto natural, na secagem não passa por nenhum processo que não seja retirada de água, é um processo simples, além de não ter nenhum tipo de uso de agrotóxico, ter todas as barreiras para evitar contaminações dentro da indústria", esclarece.
O entrave se deu pela forma como a erva-mate entra na Europa, classificada como um chá, assim como os produtos asiáticos, que passam por diferentes tratamentos. "A erva-mate entrou junto nesse barco, que são tratamentos de produtos que nem são vendidos aqui na América Latina, para ter noção. Então várias empresas tiveram as exportações barradas de orgânicos, por causa dessa legislação europeia. Mas acredito que esse ano a coisa vai deslanchar, porque a procura por orgânicos é grande, principalmente na Europa", conclui.
*Gabriel Eduardo Bortulini é graduado em Jornalismo pela UFSM e tem mestrado e doutorado em Escrita Criativa pela PUCRS. É um dos fundadores da Oxibá Casa da Escrita, onde trabalha com leitura crítica e lapidação de textos. Tem textos publicados em jornais, livros e revistas. "Refúgio para bisões", seu romance de estreia, conquistou o terceiro lugar no prêmio Biblioteca Digital do Paraná e foi publicado pela Matria Editora, em 2024.