Especial para o JC*
Com foco na valorização da memória afetiva e conquistando novos adeptos por sua forte característica alinhada com a sustentabilidade, o mercado de antiguidades passa por transformações. Com poucos dados sobre a sua representatividade na economia, o segmento é composto, essencialmente, por microempreendedores individuais e empresas de pequeno porte, com propostas de trabalho bastante distintas em função do público-alvo e dos itens comercializados. Em comum, a partir da pandemia, uma mudança radical na forma de vender, com a internet sendo o principal canal; a percepção de que mais jovens começam a consumir mais antiguidades e a retomada por itens que, no passado, foram substituídos pela modernidade.

Empresas & Negócios - Especial antiquários na serra gaúcha - Antiquário Armazém da Velharia - Crédito Mateus Samudio
Mateus Samudio/Divulgação/JCDe um lado feiras, espaços físicos, leilões e internet para a venda. De outro, garimpos, fornecedores e indicações de pessoas e famílias dispostas a se desfazerem de antigos bens em razão da perda de entes queridos, por mudanças para imóveis menores, que dificultam a manutenção de um volume grande de itens, ou ainda por questões financeiras. Assim se movimenta o mercado de antiguidades, que tem conquistado maior espaço na economia, quer pelo sentimento crescente da sustentabilidade, quer pelo desejo de recomposição de memórias afetivas. Ou ainda para conferir visual vintage a um imóvel contemporâneo.
À frente de um antiquário que leva seu nome em Caxias do Sul, Jonathan Franco frisa que o mercado tem crescido nos últimos anos e se tornado exigente com os conteúdos, embora existam públicos para os diferentes tipos de produtos. Inicialmente, dedicava-se mais à venda de peças de baixo valor, situação que se inverteu com a própria especialização do comprador. "Passamos a investir mais em peças requintadas, de maior valor agregado, enviando para todo o Brasil", relata.
Franco entende que o principal desafio da atividade para os próximos anos é buscar novidades de forma permanente. Define o cliente como alguém que quer novidades e inovações. "Trocar as peças de lugar, mudar a vitrine e movimentar o antiquário com itens diferenciados são fatores importantes", sinaliza.
Para Michele Censi, diretora da Art Rarus, com sede em Caxias do Sul, a crise sanitária foi um marco transformador do negócio, que até então tinha os colecionadores como principal mercado consumidor, para os quais eram feitos garimpos direcionados para oferecer aquilo que buscavam. "A pandemia mudou a forma de captar clientes, porque o negócio era muito voltado para os que vinham até a loja garimpar pessoalmente. Com a pandemia, o mercado ficou muito mais digitalizado e pulverizado em todos os estados", frisa.
Antes da crise da Covid, era comum a visita constante dos clientes para tomar café e degustar a loja. De acordo com Michele, as vendas pela internet foram avançando ao longo dos anos da pandemia, exigindo que a empresa também se adequasse com investimentos nas redes sociais e qualificação da forma de exposição dos produtos. Atualmente, em torno de 60% das vendas é pelo meio virtual. "O movimento de loja diminuiu bastante, porque o cliente também aprendeu a comprar online", constata.
Na visão da empreendedora, o mercado foi ampliado e, desde então, vem numa crescente, também pela bandeira da sustentabilidade cada vez mais presente em todas as atividades. "O olhar para o consumo não é mais tão exacerbado como no passado. Móveis antigos, por exemplo, foram feitos por artesões há mais de 100 anos em madeira maciça para serem usados por duas, três gerações", assinala.
Este novo olhar, na análise de Michele, também amplia o público consumidor com a chegada dos mais jovens, quebrando um paradigma e a falsa impressão de que quem gosta de antiguidades é uma pessoa de mais idade. "Temos clientes de 15 anos colecionando xícaras. Alguns trazem este gosto de família, outros não tiveram esta oportunidade, mas têm a vontade de acessar uma bela porcelana que conta uma história para fazer parte da decoração da casa ou presentear amigos e familiares", registra.
Abba Franco, à frente do Armazém da Velharia, atenta para a imprevisibilidade do consumidor, razão para ter adotado como política atual não rejeitar mais nenhum produto oferecido, desde que seja economicamente viável. "Temos clientes que colecionam sacolas de mercado, pedras e potes de mercadoria, dentre outros menos comuns. O público jovem está vindo atrás de itens do Taz ou de figurinhas para jogos de bafão. Enfim, é um mercado em transformação, razão para que estejamos muito atentos e abertos a este novo momento", recomenda.
Produtos de sucesso no passado estão voltando com força. É o caso dos vinis, facilmente encontrados em antiquários. "Muitos foram jogados no lixo", recorda Abba, ao sinalizar que o público jovem é responsável por este movimento. Outra tendência é o crescimento dos produtos colecionáveis, algo que faz parte desde o início do Armazém da Velharia. "Desde o começo do negócio, o estoque tem 5% de itens para colecionadores", indica.
De pai para filhos

Jonathan Franco (C) com a esposa Taís Dall Agnol e o filho Iricy estão à frente de uma das marcas mais tradicionais
Alice Corrêa/Divulgação/JCRenato Franco é um dos mais conhecidos e tradicionais nomes do mercado de antiguidades, em Caxias do Sul. O aposentado de 74 anos, com passagem rápida pelo ramo da gastronomia, dedicou praticamente toda a sua vida aos itens antigos. Primeiro como acumulador de bens, prática que foi base para tornar-se, posteriormente, um negociante informal de compra e venda. Tinha apreço por placas, esculturas, pratarias e móveis, dentre outras peças colecionáveis. À época, seus filhos Jonathan e Abba sequer tinham nascido. Mas ambos foram atraídos para a atividade.
Nascido em 1982, Jonathan Franco pegou gosto, entre os anos 1994 e 1995, por carros antigos, também de interesse do pai. Em paralelo ao negócio de venda de peças para atender um mercado em expansão, tornou-se colecionador de outros itens, que o levaram, em 2002, a criar um antiquário que leva seu nome, administrado em parceria com a esposa Taís Dall Agnol e o filho Iricy, de 13 anos, que deu início à terceira geração, dedicando-se a colecionar bicicletas. "Comecei com uma coleção, que foi aumentando e repetindo peças, quando decide vender. A paixão virou um negócio", recorda.
A pequena coleção transformou-se em um grande negócio de antiguidades, que lota um pavilhão de 500 metros quadrados, de construção também antiga, e prestes a ganhar mais um espaço, dedicado ao Museu do Rádio e do Relógio. "Muito tempo atrás comecei a colecionar rádios antigos. Tenho agora a meta de montar o maior museu do rádio e relógio do Rio Grande do Sul. Já temos mais de 600 rádios e 400 relógios", frisa. Ainda não há local definido, tampouco a data de início da atividade. "O mais importante, que é o estoque, eu já tenho", celebra. O antiquário abriga mais de 50 mil itens de valor histórico. "São peças que foram passando por várias gerações de imigrantes na Serra", assinala.
De acordo com Franco, o público comprador é bem variado, de jovens a pessoas com mais idade, em função da grande diversidade de itens. Dos conteúdos disponíveis, em torno de 30% a 40% têm origem no exterior, adquiridos de colecionadores nacionais. "Tenho uma coleção de máquinas de escrever americanas", frisa.
Tem sido comum também utilizar peças antigas em apartamentos novos por uma decisão pessoal do cliente. O interessado costuma ir até a loja, escolher as peças, filmá-las e informar o decorador ou arquiteto do seu desejo. Outro formato de venda é na própria residência do cliente que quer se desfazer das peças. De acordo com Franco, é feita uma seleção de itens para o antiquário e o restante é vendido no imóvel. "O pessoal tem gostado bastante dessa forma, mas o nosso foco principal continua sendo a venda no antiquário", assinala.
Franco não trabalha com peças em consignação, que é comum em outros locais. Segundo ele, é uma prática que dificulta a negociação no momento da venda, impedindo a concessão de descontos. "A gente não é dona da peça. Por isso, temos de vender pelo preço já fixado, sob pena de termos de assumir a diferença caso o fornecedor não aceite alterações", explica. A compra de produtos e administração do estoque são integralmente mantidas com recursos próprios.
A casa mais enferrujada de Caxias do Sul

Público consumidor é variado, mas tornou-se mais conhecedor do mercado de antiguidades nos últimos anos
Alice Corrêa/Divulgação/JCSegundo filho da família Franco a seguir no mercado de antiguidades, Abba tem negócio próprio há oito anos, mas atua no segmento há mais de 15. Depois de um período inicial trabalhando informalmente e, posteriormente, em sociedade com o irmão Franco, investiu no Armazém da Velharia, que hoje ocupa uma casa centenária e tem média de 20 mil itens à venda. "Comecei vendendo em leilão pela internet um pequeno lote de itens que pedi ao meu pai. Deu bom resultado e resolvi seguir no ramo", recorda o empresário de 33 anos.
Após vários anos dedicando-se exclusivamente às vendas pela internet, cedeu às pressões dos clientes e montou um espaço físico na residência de quatro cômodos. "Não demorou muito para que praticamente toda a casa estivesse tomada por produtos. Houve momentos em que sentia vergonha de receber os clientes", afirma.
A situação mudou com a aquisição do imóvel ao lado de sua residência. "Sempre desejei esta casa, que tem mais de 100 anos, e chegou a ser um hospício", salienta. A construção em alvenaria e com madeira internamente é original, e Abba Franco se limita a fazer pequenos reparos e limpezas. "Quero manter a essência do imóvel, que é uma representação histórica da cidade", assinala. A pintura é original e plantas cobrem o telhado. Nas redes sociais é apresentada como #acasamaisenferrujadadecaxiasdosul.
O mesmo pensamento se estende aos produtos. Abba Franco opta por não restaurar, limitando-se a uma limpeza quando necessária. "Busco manter a essência e características históricas da peça. É um papel importante resgatar memórias. Muitos clientes compram determinadas peças porque remetem aos tempos de seus antepassados", define.
A carteira é de aproximadamente 5 mil a 6 mil clientes assíduos, com maior concentração de vendas pela internet. Os consumidores estão espalhados por todo o Brasil e também em alguns países. Parte desta carteira contempla profissionais da decoração, que costumam adquirir lotes de antiguidades para mesclar com o imóvel de características contemporâneas. Reconhece, no entanto, que este mercado já foi mais forte no passado. Neste segmento são comuns a realização de garimpos para atender demandas de clientes específicos. A venda por leilões online segue como estratégia de venda. Já os presenciais são raros.
Coleção inigualável
Dentre os milhares de itens, uma coleção é considerada especial pelo empresário. Ao longo de quase quatro anos, ciclo encerrado em 2024, Abba Franco garimpou produtos na residência de um ex-funcionário, já falecido, da antiga Metalúrgica Abramo Eberle, precursora da metalurgia na Serra Gaúcha. "Não creio que haja, na cidade, algo similar, é imensurável o valor deste conteúdo", assinala.
Dentre as centenas de variados itens, destacam-se lamparinas, facas, pratarias, formas, catálogos, caixas de documentos e talheres gigantes da Disney, que marcaram presença no desfile da Festa Nacional da Uva de 1978. Os itens foram usados para divulgação da nova linha infantil, que trazia as figuras dos personagens Mickey, Minie e do cachorro Pluto. As peças de 1,85m de altura foram confeccionadas em alumínio.
Pandemia de Covid modificou modelo de negócio

Michele sempre foi apaixonada por antiguidades e decidiu investir no mercado, adquirindo a Art Rarus
Eriel Giotti/Divulgação/JCAdvogada de formação e com vários anos de atuação na área jurídica, Michele Censi sempre foi uma apaixonada por antiguidades e frequentadora assídua de antiquários. Há seis anos, surgiu a oportunidade de se tornar mais ativa no mercado com a decisão dos fundadores da Art Rarus de vender o negócio, criado em 2007 para suprir um nicho de mercado que começava a ganhar corpo em Caxias do Sul. "Como já era cliente da loja, gostava de arte e surgiu a oportunidade, resolvi investir", ressalta.
Reconhece que é um mercado difícil de atuar, principalmente para quem não tem experiência. Frisa tratar-se de um comércio bem diferente, que deve ser tratado mais como galeria do que como loja em razão do mix variado de produtos, que reúne esculturas, quadros, toalhas de mesa, porcelana, pratarias e cristais, dentre outros. "Temos aqui peças de 300 anos, produzidas no século 17", destaca.
Para Michele, o principal segredo de um antiquário é a capacidade de garimpar produtos diferentes e exclusivos. Reconhece que a Região da Serra é pouco fértil neste sentido, pois os imigrantes que aqui chegaram vieram com o mínimo necessário para iniciar a construção de uma nova vida. "Na maioria, são móveis simples do ponto de vista artístico. Já a memória afetiva é outra coisa", assinala. Diz receber muitas ofertas de produtos, mas poucas com o padrão exigido pelo antiquário. "Aqui é raríssimo encontrar, quando acontece gera uma alegria muito grande", afirma.
Esta condição faz com que o antiquário invista na importação de itens, a maioria da Europa. Para ter acesso a estes produtos, desenvolveu uma rede de parcerias para a garimpagem em diferentes países. "Prezo por peças diferenciadas, de maior valor agregado, que é a demanda do nosso público", assinala. Reconhece, no entanto, que é um mercado com consumidores distintos. "É bacana esta diversidade, porque algo mais simples também é um resgate de memórias. Quem trabalha com antiguidades é guardião de muitas histórias", reforça.
A aquisição no exterior agrega a preocupação com a logística, pois as cargas demoram para chegar e podem sofrer avarias adicionais, bem como desgastes em função de fenômenos climáticos. Esta é mais uma razão para que todos os itens passem por restauro, caso dos móveis e lustres, especialmente, além do polimento das pratarias e das peças em bronze. "Procuramos deixar o item impecável. Nos lustres chegamos a trocar a fiação, pois alguns ainda vêm com modelos em tecido", explica.
De forma geral, os antiquários trabalham com capital próprio, com o reinvestimento em novas peças a partir das vendas realizadas. Além do preço do item, é preciso investir em frete qualificado, tanto para vinda da peça do exterior, quanto na entrega local. Por fim, os custos de restauro e, em muitos casos, o longo tempo até a venda. "É preciso estudar e conduzir muito bem este processo, amparado em uma boa estratégia de marketing", esclarece.
O antiquário Art Rarus tem na decoração e arquitetura importante filão de consumo. Michele Censi explica que os profissionais levam os clientes até o espaço para escolhas conjuntas ou já trazem uma relação previamente definida. Outra razão para que as peças disponíveis passem por restauro e higienização, além da exposição em um ambiente agradável. "Os profissionais conseguem mesclar o contemporâneo com as antiguidades e se interessam muito porque estão levando itens exclusivos para os projetos. Boa parte dos consumidores ainda valoriza ambientes diferenciados, que pode ser oportunizado com antiguidades", ressalta.
Michele reconhece que a experiência adquirida lhe deu condições para direcionar a venda para determinado cliente, com perfil associado ao item. "O mercado de antiguidades é de oportunidades. Não só a questão financeira, mas encontrar as peças certas e exclusivas", frisa. Os itens como maior procura são cômodas, que mesmo com a troca das tendências do mobiliário, segue como peça coringa, espelhos, cristaleiras, porcelanas e taças de cristal.
Feiras são ferramenta de venda e divulgação dos empreendimentos

Allan da Rosa, com a filha e esposa Daniela, observa sazonalidade no mercado
Garagem sale/Divulgação/JCO momento de tristeza, de perda da mãe, em 2019, fez com que Allan da Rosa colocasse em prática um desejo que cultivava há muito tempo e lhe despertava curiosidade, que era o mercado de antiguidades. Sem ter como guardar as centenas de artigos antigos que a mãe mantinha na residência, decidiu, juntamente com a esposa Daniela, fazer um evento para colocar os itens à venda.
Criou o Garage Sale Caxias, em linha com o conceito norte-americano em que as famílias colocam produtos à venda na própria residência, ocupando garagens, quintais ou varandas. Sem experiência na área de eventos, nem de antiguidades, convidou amigos para a primeira edição. "A iniciativa deu certo, pois o pessoal agregou a linha de antiguidades à minha proposta, que era muito mais a de um bazar. Percebeu-se que havia uma demanda muito grande", assinala.
O projeto sofreu revés com a pandemia de Covid-19, que inviabilizou a realização de eventos. Foi também o motivo para deixar a sociedade em uma loja de antiguidades para dedicar-se a outras atividades profissionais. Retomou no segundo semestre de 2021 e, desde então, realiza o evento a cada dois meses, atendendo, em especial, microempreendedores de segmentos diversos, como artesanato, gastronomia e itens antigos. Ainda promove encontro de colecionadores de miniaturas e de vinis.
A feira, com quase 30 edições, costuma reunir entre 50 e 60 expositores, que é a capacidade do local onde é realizada. A política da organização é ter uma linha diversificada e exclusiva de produtos. Também considera a reação do público consumidor, priorizando itens de maior aceitação e giro.
A maioria dos clientes é feminino, formado por mulheres acima dos 40 anos, que demonstram muito interesse por porcelanas. Também valorizam itens decorativos que remetem às avós. Já o vinil e as miniaturas têm um perfil mais masculino, na faixa dos 30 anos 50 anos. Rosa calcula em 3 mil pessoas o público que passa pelas edições atuais, que têm sido realizadas, em alguns casos, de sexta a domingo.
Nas últimas edições, Allan da Rosa tem observado uma procura crescente por discos de vinil e de CD's na feira. Na sua avaliação, já existe um público preocupado com a excessiva dependência da internet. "Não é abandonar a internet, mas ter outras possibilidades para acessar música, por exemplo. Sente-se que muitas pessoas começam a sentir falta disso", relata.
De acordo com Rosa, há uma sazonalidade no mercado, com procura diversa de produtos. Em alguns momentos, são canecos de chopp; em outros, as porcelanas, máquinas de escrever, relógios... "Uma novela pode mostrar algo que se torna referência e o público vem atrás", exemplifica.
Outro segmento importante apontado por Allan da Rosa é o de decoração para espaços em residências ou hotéis, onde há uma demanda crescente por móveis rústicos, como aparadores, com acabamento de qualidade. Organizadores de eventos também estão se tornando assíduos frequentadores. O idealizador ainda ressalta a importância deste mercado para influenciar a reutilização de produtos, evitando, inclusive, o descarte muito comum de itens que ainda podem ser aproveitados. Para Allan da Rosa, o cliente de antiguidades tem uma visão muito forte com sustentabilidade.
Uma das principais ferramentas do antiquário Jonathan Franco também é a realização de feiras a cada dois meses, nos fins de semana, que recebem até 4 mil pessoas por edição. "Recebemos clientes que vêm em grupos, inclusive de estados distantes, como Maranhão e Ceará. Já temos uma clientela fixa", relata.
É feita uma seleção de produtos, identificados por uma bolinha vermelha, que são vendidos com 30% de desconto. "De cada 10 pessoas que visitam a feita, nove saem com mercadoria", calcula. Franco calcula que as seis edições representam em torno de 20% a 30% da receita do antiquário no ano. "Cada feira é uma oportunidade de tocar as pessoas com histórias e sentimentos que atravessam o tempo. É um momento especial, é a chance de nos conectarmos com os clientes e dar-lhes a oportunidade de garimpar e descobrir algo único", acrescenta Taís Dall Agnol. Para 2025, o objetivo é ampliar a diversidade de peças e criar experiências ainda mais imersivas para os visitantes. O Armazém da Velharia também realiza uma feira a cada dois meses e recebe em torno de 2 mil interessados.
Especialista em restauração

O Porão, criado pouco antes da pandemia, oferece aos clientes mais de 2 mil peças vintage
O Porão/Divulgação/JCUm dos raros e com mais de 30 anos de experiência na restauração de antiguidades, Edgar Isoton, em parceria com a esposa Carine Verza, administra o antiquário O Porão, em Caxias do Sul, criado pouco antes da pandemia de Covid. Isoton recorda que ingressou na atividade no período de ascendência do mercado de madeira de demolição, produto muito procurado por arquitetos. "Entrei no mercado para aproveitar aquele momento, e sigo até hoje", destaca.
Com a experiência de três décadas afirma que o mercado de antiguidades está consolidado e em crescimento, pois parcela representativa do cliente de hoje não se importa mais se a peça é original, réplica ou retrô. "O público é muito diversificado, razão para que os antiquários agreguem outros tipos de produtos e invistam na oferta de itens que caíram em desuso no passado, como os vinis, que estão retornando com muita força. Mas também tem demanda para giletes e isqueiros, por exemplo", assinala.
Isoton identifica o ingresso significativo no mercado de pessoas com menor poder aquisitivo, pois vários antiquários estão trabalhando com preços mais acessíveis, algo raro no passado. As porcelanas constituem o produto principal do antiquário, que tem cerca de 2 mil peças em estoque. Dentre elas, de origem americana e alemã, principalmente, algumas com mais de 200 anos, como telégrafo. Na condição de restaurador também atende demandas de colecionadores.
Compra de mercadorias é um desafio para o segmento

Discos de vinil estão entre os produtos cuja procura aumentou nos últimos anos
Garagem sale/Divulgação/JCComprar bem é um dos pontos centrais para o sucesso de um antiquário. No passado, reconhecem os empresários, era mais fácil encontrar produtos à venda, situação que foi se alterando e passou a exigir muito mais empenho para ter itens de qualidade, de preço acessível e diferentes. Uma das causas é a internet, que é positiva para a venda, mas que dificulta a compra, pois quem vai se desfazer a usa como balizadora para definição de preço. Outro aspecto é que muitas pessoas estão optando por manter seus bens em linha com a visão de sustentabilidade e de memória afetiva.
Jonathan Franco busca peças em todo o País. Ainda que não sejam comuns, ocorrem ações no interior dos municípios em busca de produtos. Segundo ele, a maioria das pessoas se desfaz por questões financeiras, perda de familiares e falta de espaços. "Em caso de perdas de familiares, é comum a pessoa manter para si as peças de valor sentimental e colocar o restante à venda", afirma. Citou que, no passado, itens eram garimpados até mesmo em locais de reciclagem ou encontrados nas calçadas, situação menos comum atualmente. "Dificilmente vemos esta situação, pois as pessoas estão valorizando as peças antigas", assinala.
Abba tem nas indicações de terceiros a sua principal ferramenta para compra de antiguidades. É comum receber propostas para assumir lotes inteiros em residências. "Hoje garimpo pouco, trabalho mais com indicações. Nestes casos, adotamos o garimpo raiz, de revirar a casa em busca de produtos", assinala. Também trabalha com fornecedores, que garimpam conteúdos em diferentes pontos do Brasil, e oferecem aos antiquários. Ainda participa de leilões realizados pela internet e recebe ofertas de catadores, que eventualmente encontram raridades no lixo.
A fixação do preço de uma antiguidade para venda é outra questão delicada do negócio. Segundo Allan da Rosa, a depreciação do item ao longo de anos dificulta uma avaliação precisa. Cita a internet como ferramenta importante, pois pode oferecer um balizamento do que o mercado está pagando. Porém, registra que é preciso cuidado, pois há muitas discrepâncias. "O mais importante é ter experiência própria e referência de terceiros", assinala.
Mesmo que facilite encontrar produtos, Edgar Isoton aponta a internet como uma dificuldade para a compra pelos antiquários. "O vendedor vê um preço mais elevado do que o ofertado e supervaloriza o seu produto. Mas desconhece que antes da venda ao mercado, o processo é demorado, envolvendo diversas e longas etapas", comenta. Por conta desta situação, menos pessoas estão se desfazendo das peças em busca de maior valorização. Ele tem fornecedores que atuam em várias cidades na identificação de oportunidades de compras. As ofertas mais comuns são para casas com lotes fechados, decorrência principalmente de falecimentos e mudanças.
Valorização do produto

Warpechowski comanda o Antiquário Imperial no interior de Nova Petrópolis
Imperial/Divulgação/JCApós trabalhar por cinco anos no Ministério da Aeronáutica como militar, Julio Luis Warpechowski voltou a atenção para a antiga paixão herdada ao conviver com um ente querido, marceneiro de mobiliário, a restauração de móveis e objetos antigos. Em 1999, investiu em seu próprio negócio na cidade de Nova Petrópolis.
O Antiquário Imperial, localizado no interior do município em área de 150 metros quadrados, tem foco de atuação no público que prioriza qualidade, estilo e itens de maior valor agregado. Mesmo com a experiência que tinha, admite que o início foi difícil, principalmente para lidar com as novas situações. "É preciso ter resiliência e trabalhar o propósito. Muita gente quer tirar este propósito, razão para a valorização do produto", ensina.
O antiquário conta com um acervo de mais de mil itens, entre móveis, objetos de decoração, lustres, porcelanas, cristais, relógios, esculturas, abajures e pratarias de meados dos anos 1800. Warpechowski afirma que sua preferência é por peças com mais de 100 anos, mas tem à disposição itens a partir de quatro décadas. Os itens mais antigos têm origem europeia. "Nosso interior sempre foi muito pobre, o que dificulta encontrar peças antigas de maior qualidade. Busco peças em todo o Brasil", salienta.
As peças à venda têm origem principalmente em casos de falecimentos das primeiras gerações das famílias e do desinteresse dos herdeiros em manter o patrimônio. Outra situação comum é a mudança de grandes casas para pequenos imóveis, normalmente apartamentos. "Há casos em que os conteúdos são simplesmente descartados", assinala. Inicialmente trabalhou com parcerias para garimpar as peças. Com o conhecimento do mercado, passou a fazer por conta própria. Também é responsável pelo restauro das peças, habilidade manual que desenvolveu no passado.
Empresas carecem de mão de obra especializada

Empresas & Negócios - Especial antiquários na serra gaúcha - Antiquário Armazém da Velharia - Crédito Abba Franco
Abba Franco/Divulgação/JCMão de obra especializada é outra preocupação para o segmento, seja no restauro de peças, seja no atendimento ao público. Jonathan Franco destaca que costuma contratar pessoal para auxiliar nas feiras, mas tem encontrado dificuldades. "Quem trabalha conosco entende de antiguidades e é treinada para atender os clientes. Mas é algo que preocupa em função da demanda crescente do mercado", reconhece.
Quanto a restauro de peças, Franco argumenta que a maior parte é feita pela família, embora o propósito seja manter o estado original da peça, com o mínimo de intervenções. "O cliente gosta desta forma. Já teve casos que um determinado produto restaurado ficou anos à venda, enquanto um original, com defeitos, teve saída quase que instantânea", explica.
Ainda que tenha formado um grupo de restauradores para atender suas necessidades, Michele Censi reconhece que é uma condição preocupante e, principalmente, para o futuro. "De forma geral, são pessoas em idade avançada, que estão largando o ofício, ou falecem, sem que haja reposição", avalia. Motivo para que muitos restauros ocorram em outras cidades, como Porto Alegre, ou até mesmo no exterior. Caso de uma peça de relógio em produção na França. "É um mercado que também cobra muita paciência", ensina.
De acordo com Michele, são poucas as escolas para capacitar pessoas para o restauro de peças. Porto Alegre tem algumas ofertas, enquanto em Caxias as alternativas limitam-se a cursos mantidos pela congregação dos freis capuchinhos. Situação totalmente oposta da Europa, onde só na França funcionam 30 faculdades. "Lá existe uma demanda pela preservação do patrimônio histórico. O Brasil ainda é um país jovem e sem a consciência que deveria ter sobre a história. Isto vem numa crescente, mas a valorização ainda é mínima. Se não tenho quem restaure, também não consigo preservar uma memória", avalia.
* Roberto Hunoff é jornalista e correspondente do Jornal do Comércio em Caxias do Sul (RS)