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Reportagem especial

- Publicada em 21 de Maio de 2023 às 16:51

Síndrome de Burnout ameaça a produtividade

Esgotamento que tem como causa a rotina de trabalho aumentou durante a pandemia

Esgotamento que tem como causa a rotina de trabalho aumentou durante a pandemia


/cookie studio/freepik/jc
Liège Alves, especial para o JC*
Liège Alves, especial para o JC*
Para quem pensa que a Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional era apenas um reflexo do período de pandemia de Covid-19, a má notícia é que tudo indica que essa exaustão extrema veio para ficar. De acordo com uma pesquisa coordenada em fevereiro pelo centro de pesquisas e debates norte-americano Future Form, em um universo de 10.243 profissionais de várias partes do mundo, 42% relataram sentir sintomas desse esgotamento conectado essencialmente ao trabalho. Esse é o maior número desde março de 2021, quando foi realizada a primeira mostra pela plataforma de recursos humanos Indeed, que indicou que entre 1,5 mil trabalhadores norte-americanos, 67% acreditavam que o burnout aumentou durante o período de isolamento social.

Sirley aponta a pressão constante de entrega de resultados como vilã

Sirley aponta a pressão constante de entrega de resultados como vilã


/Isabel Whitaker/DIVULGAÇÃO/JC
Levantamento coordenado em fevereiro deste ano pelo centro de pesquisas e debates norte-americano Future Form aponta que os efeitos diretos dos transtornos mentais demandam gastos com saúde, como medicação, consulta médica e hospitalização, e os indiretos correspondem à perda de produtividade (ausência no trabalho, incapacidade e aposentadoria precoce).
O reflexo econômico disso é imediato nas mais diversas esferas. É o que revela a pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) intitulada "Os Custos Econômicos dos Transtornos Mentais", divulgada em março deste ano. Segundo o estudo, os problemas psicológicos causam uma perda de 4,7% do PIB, o equivalente a R$ 282 bilhões ao ano.
O mesmo levantamento indica que, nas empresas nacionais, a perda anual no faturamento com esse tema chegou a R$ 397,2 bilhões por ano e a redução de empregos (formais e informais) foi da ordem de 800,7 mil no mesmo período. O estudo mostra também que esses problemas causaram uma redução de R$ 165 bilhões na renda das famílias e R$ 26 bilhões na arrecadação do governo federal.
"Os resultados apresentados neste trabalho reforçam a importância de discutir o tema saúde mental, uma vez que os problemas associados aos transtornos geram também impactos negativos para a economia. Considerando os dados de 2019, as perdas econômicas recorrentes do burnout são de grandes proporções", observa João Gabriel Pio, economista-chefe da Gerência de Economia e Finanças Empresariais da Fiemg.
A tradução da palavra para o português dá uma dimensão da consequência. A Síndrome de Burnout significa a queima completa. O esgotamento físico, emocional e mental. Desde janeiro de 2022, esse distúrbio foi incluído na revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-11) da Organização Mundial da Saúde (OMS) e ganhou status de fenômeno ocupacional grave e de dimensões internacionais.
A pandemia, que fragilizou as pessoas emocionalmente, trouxe incertezas na área financeira e o trabalho fisicamente para dentro das casas dos colaboradores foi apenas uma gota a mais nesse oceano da exaustão. Não é à toa que uma pesquisa de 2019, da Internacional Stress Management Association (Isma-BR) estima que 32% da população economicamente ativa sofre com sintomas que vão desde dor de cabeça, desânimo, falta de concentração, dores musculares, sudorese e palpitações até agressividade, isolamento, dificuldade de concentração, irritabilidade e baixa autoestima.
O resultado de um estudo de maio de 2021 da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) segue a mesma direção, evidenciando que cerca de 750 mil pessoas morrem todos os anos de AVC e parada cardíaca isquêmica, devido às longas horas de trabalho. Entre as causas desta epidemia silenciosa estão cargas de trabalho excessivas, pressão por resultados rápidos e culturas tóxicas no ambiente de trabalho.
Em tempos de políticas de redução de pessoas nas organizações e aumento do uso da Inteligência Artificial no mercado de trabalho, é comum ver funcionários e gestores com uma pressão constante de entrega de resultados. A ideia é fazer o mesmo com uma equipe menor. Na prática, a carga horária se estende bem mais, às vezes, até nos finais de semana, principalmente em cargos executivos que têm maior número de profissionais com burnout, garante Sirley Carvalho, diretora de Responsabilidade Social da ABRH/RS.
Fruto desse estresse crônico, cresce o número de casos dessa síndrome nas empresas. "Essas questões estão acontecendo de forma invisível e aceitos pelas organizações e pelos funcionários porque as pessoas precisam desse trabalho", alerta Sirley.
Ela acredita que esse é um momento importante para falar desse assunto que foi relegado por todos, empresas e os próprios colaboradores. A cultura da saúde emocional, mental não foi discutida, nem pensada e ainda não é medida nas corporações. Ao contrário do Brasil, nos Estados Unidos há estatísticas sobre o tema. O estresse ocupacional custa aos empregadores locais mais de US$ 300 bilhões por ano e podem causar 120 mil mortes excedentes neste mesmo período.
Na opinião de Sirley, fala-se atualmente muito nos três pilares da sigla ESG (Meio ambiente, Social e Governança), nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mas pouco sobre sustentabilidade humana. "Não existe empresa sustentável sem o ser humano sustentável".
Para ela, as pequenas e médias empresas são mais resistentes em promover e praticar a cultura da saúde de forma mais integral. Enquanto iniciativas nesta linha já são incluídas em algumas corporações de maior porte, muitas empresas ainda não deram o primeiro passo.
Atividades simples para redução de estresse, como meditação, yoga, terapias complementares já aceitas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), são vistas como de menor importância e o orçamento destinado a essa área deixa a desejar, pois o lucro não é visível e os resultados demoram a aparecer.
"Esse é um momento importante porque há um despertar dessa consciência, mas falta ainda uma cultura de medição, de diagnóstico e diálogo entre empresa e funcionário na busca de uma maior qualidade e bem-estar no trabalho", lamenta ela.

O que é

empresas & Negócios especial burnout

empresas & Negócios especial burnout


/nataliya vaitkevich/pexels/jc
Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional é um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico resultante de situações de trabalho desgastante, que demandam muita competitividade ou responsabilidade.
A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho. Esta síndrome é comum em profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes, como médicos, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas, dentre outros.
Algumas das causas
  • Muitas horas de trabalho
  • Pressão excessiva de todos os lados
  • Metas inatingíveis
  • Conflitos e competitividade internos
  • Ambientes inadequados: pouca iluminação, cadeiras desconfortáveis, poucos recursos de pessoas
Principais sinais e sintomas
  • Cansaço excessivo, físico e mental
  • Dor de cabeça frequente
  • Alterações no apetite
  • Insônia
  • Dificuldades de concentração
  • Sentimentos de fracasso e insegurança
  • Negatividade constante
  • Sentimentos de derrota e desesperança
  • Sentimentos de incompetência
  • Alterações repentinas de humor
  • Isolamento
  • Fadiga
  • Pressão alta
  • Dores musculares
  • Problemas gastrointestinais
  • Alteração nos batimentos cardíacos
 
Fonte: Ministério da Saúde
 

Perceber os sintomas é essencial para prevenção da síndrome

Caroline recomenda que atividades prazerosas sejam mantidas

Caroline recomenda que atividades prazerosas sejam mantidas


/Caroline Rodrigues Ferreira/Arquivo PessoaL/JC
O burnout não é algo que explode. Ele começa devagar e vai tomando conta. Assim a psicóloga clínica Caroline Rodrigues Ferreira, colaboradora da comissão de Relações Étnico Raciais do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul, define essa síndrome. Vem daí a necessidade de estar atento a sintomas que podem começar com cansaço excessivo, a sensação de não se desligar do trabalho, e de sono como sinal de escape.
Em geral, as pessoas também deixam de lado atividades prazerosas do dia a dia e focam em tarefas que normalmente são fontes de estresse e de estudo. "Esses são sinais de alerta de como a gente se sente neste trabalho. Nem sempre a dor muscular pode ser de um exercício físico, mas do tanto que estamos tensos", exemplifica Caroline.
Como é um distúrbio que vai se desenvolvendo de forma silenciosa e, muitas vezes, mascarado de outras queixas físicas, a prevenção é a chave para manter sob controle o estresse e a tensão.
A psicóloga lembra que a maioria do foco desta questão se concentra nos sintomas, enquanto os cuidados para barrar o desenvolvimento da síndrome ficam em segundo plano. Por isso, ela alerta para a importância das pessoas prestarem atenção em seu estilo de vida.
Um das melhores receitas é se manter conectado com atividades de interesse pessoal, fazer algo que fuja da rotina, pois muitos trabalhadores até no final de semana se sobrecarregam com trabalho, deixando de conviver com a família e ter momentos de lazer.
"Outra coisa interessante é manter o diálogo com pessoas que a gente se sinta confortável para conversar sobre nosso rendimento no trabalho e nos estudos", indica. Outra dica é controlar o uso de substâncias, álcool e cafeína, que podem ser um gatilho para ativar a ansiedade. Isso sem falar na automedicação, muito comum entre os brasileiros, pois até mesmo uma boa noite de sono, fundamental para a saúde física e psíquica, pode ser um desafio em momentos nos quais alguém está sobrecarregado. "Tudo isso são pequenas estratégias cotidianas que podem ajudar. Muitas vezes estamos tão imersos nas nossas atividades que esquecemos de fazer uma pausa, um simples levantar da cadeira de trabalho e se alongar", complementa.
Caroline lembra que ainda há um estigma de que práticas integrativas, como meditação, por exemplo, são encaradas como um descanso e não um estímulo à produtividade.
O ideal é buscar sempre uma orientação médica e cada um ser tratado dentro da sua singularidade. "Muitas vezes percebemos os sintomas, mas não nos conectamos com a origem deles. Buscar um equilíbrio dentro do nosso cotidiano entre família, momentos de lazer não é esquecer o trabalho , mas encontrar um meio termo para que um não tome o lugar do outro", finaliza.
 

Vida contemporânea estimula surgimento do transtorno em estudantes e trabalhadores

Excesso de estímulo, excesso de cobrança. Em um mercado com mais profissionais do que vagas cria-se um cenário no qual o colaborador tem que fazer de tudo para se manter empregado. Acrescenta-se a isso um contexto de incertezas econômicas, fazendo com que muitas empresas enxuguem seus quadros e contratem menos.
Esse contexto gera pressão para que os funcionários precisem se destacar, aumenta a competição e a cobrança de resultados. Reunindo essas condições temos o cenário perfeito para o estímulo ao surgimento cada vez maior de pessoas com sintomas de burnout.
A síndrome, que no início foi identificada mais nas áreas médica e da educação, foi se alastrando para outras profissões em que a exigência e a cobrança são altas. Várias empresas já detectaram no seu radar a necessidade de implementar programas de qualidade de vida, mas estes empregadores ainda estão longe de ser a maioria na visão do psicólogo Fernando Elias José.
"Algumas companhias fazem programas, mas, na prática, seguem a cobrança. As empresas precisam ser coerentes, para terem bons resultados. Isso pode ser um fator de decisão dos colaboradores para permanecer e, assim, estarão retendo reter talentos".
Ao contrário daqueles que localizam o alvo apenas no mercado de trabalho, o psicólogo identifica muitos casos entre os estudantes. Não é raro pessoas em período de estudo intensos, seja para provas do Enem, concursos, finais de cursos, residência médica apresentarem os sintomas desse distúrbio. "A pessoa repete as mesmas atividades de forma incessante e acabam desenvolvendo essa síndrome", explica.
Segundo ele, o período de estudos, estágios, pode ser comparado ao mercado de trabalho atualmente, porque o nível de concorrência é alto, o que pode levar a exaustão extrema.
As redes sociais, que poderiam ser usadas para um momento de relax, também acabam hiper estimulando as pessoas, pois quem publica uma foto quer reconhecimento. E quando essa aprovação não vem contribui para elevar o nível de estresse.
Um dos antídotos para essa situação, na visão de José, é a autoestima em dia. Nem precisa ser um ego inflado, mas saber respeitar limites, reconhecer seus talentos, dizer não quando é necessário faz bem para os profissionais, assim como o autoconhecimento, que faz com que a pessoa entenda como se relaciona com o trabalho. Tudo isso funciona como uma proteção.
"Ter uma política para o cuidado pessoal, condições de desenvolver o trabalho sem se sentir tão cobrado e fazendo muitas coisas ao mesmo tempo", indica, explicando que uma das dificuldades é que as pessoas perderam o senso de urgência, do que é prioridade, do certo e do errado, do que é bom ou ruim.
Em relação a empresas, o psicólogo acredita que o caminho inicial é ter o suporte adequado para as pessoas falarem e lugares de descanso, as chamadas áreas de descompressão, que ajudam os colaboradores a intercalar jornada diária com momentos de lazer.
Essas estratégias combinadas contribuem para que o nível de exaustão do time se mantenha sob controle. "Em geral, as pessoas têm uma grande necessidade de serem aprovadas. Porém, quanto mais seguras forem, terão uma mais tranquilidade maior e lidarão de uma forma melhor com as cobranças que toda profissão possui."

Cards estimulam a reflexão diária sobre limites e recursos em situações do trabalho

Proposta é promover momento de quebra de rotina do ciclo entre vida pessoal e profissional

Proposta é promover momento de quebra de rotina do ciclo entre vida pessoal e profissional


/Liège Alves/especial/jc
Cartas que podem auxiliar na compreensão de limites e sentimentos. No total, são 100 mensagens para refletir sobre situações difíceis relacionadas ao trabalho. Lançadas no final de 2021, em parceria com a RIC Jogos, a proposta dos cards elaborados pelos psicólogos Laura Pordany do Valle e Ramiro Catelan e o psiquiatra Vitor Torrez, é promover um momento de quebra de rotina do ciclo casa-trabalho, no qual a pessoa escolhe uma carta para refletir sobre algum tema.
Também podem ser utilizados como recurso de psicoterapia para profissionais que atuem com pessoas em esgotamento emocional (burnout). "É importante frisar que apesar dos cards servirem como um instrumento de reflexão, não substituem um tratamento psicológico", detalha Laura.
A ideia do projeto surgiu a partir do entendimento de que havia uma contínua pressão por atualização e desempenho no mercado de trabalho, que pode gerar demandas que sobrecarregam não só a rotina, mas também o lado emocional desses profissionais.
O intuito dos cards é fazer com que o indivíduo esteja mais atento ao seu contexto, esgotamento, pensamentos e sensações de angústia quando está sob estresse no trabalho. A partir dessa tomada de consciência é possível adquirir habilidades para construir uma vida que esteja mais próxima de seus valores, definindo prioridades e limites profissionais.
 

Empresas percebem a importância de implantar uma nova cultura organizacional

Simone considera que a exaustão não se refere somente à remuneração financeira

Simone considera que a exaustão não se refere somente à remuneração financeira


/Simone Kramer/Arquivo Pessoal/JC
Ninguém tem dúvida de que a Síndrome de Burnout existe há muito tempo. Também a maioria sabe que a pandemia evidenciou esse distúrbio que independe de fronteiras. Na opinião de Simone Kramer, presidente do Conselho da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio Grande do Sul (ABRH-RS), essa exaustão começa com a incompatibilidade na relação da pessoa com seu emprego.
Para entender a origem desse vínculo trabalho e saúde ela lembra que existem outras dimensões envolvidas neste relacionamento, que não somente a remuneração financeira. A primeira citada por ela é a dimensão da capacidade, o quanto as pessoas se sentem aptas a dar conta das tarefas que têm responsabilidade e ajustar isso com outras áreas da vida.
Também existe a dimensão social. Ou seja, o quanto o colaborador se sente realizado e reconhecido por aquilo que faz. O quanto a comunidade reconhece o esforço, o papel daquela pessoa na sociedade. Um exemplo claro foram os profissionais da saúde durante a pandemia. Foi uma área que se esforçou muito, mas também obteve muitos "aplausos", quando pessoas foram para a janela homenagear à classe. E ainda a dimensão moral, conectada com valores e ética.
Segundo Simone, se conseguimos administrar e nos sentirmos atendidos em todas essas instâncias fica mais fácil administrar o estresse nosso de cada dia. "O burnout aparece mais forte na pandemia porque esse período exigiu uma estrutura emocional mais do que o normal de todos. Tivemos que nos reorganizar para viver dentro do possível de formas diferentes. Tivemos medo de perder as pessoas queridas. Não sabíamos se iríamos morrer, muitos tiveram medo de perder o emprego", recorda.
Esse clima de incertezas foi o gatilho para acelerar o processo de estresse que levou ao aumento do esgotamento. "As pessoas procuram dar conta na hora e depois, quando relaxam um pouco, são atingidas", analisa Simone.
Para se ter uma ideia, o suicídio cresceu 26% no País durante a pandemia. Ela conta que a situação chegou a um ponto dentro das empresas que ouviu recentemente de uma gestora que a metade dos colaboradores de sua empresa está tomando medicação para ansiedade ou depressão, muitas vezes, inclusive, se automedicando, e a outra metade está estressada, gritando com os colegas, tratando mal um cliente. Conforme Simone, a gerente terminou seu desabafo com a frase: "meu problema maior será quando a metade que se medica parar de tomar remédio".
Foi com o intuito de debater e trazer à tona essas questões que a Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio Grande do Sul (ABRH-RS) promoveu recentemente um fórum sobre saúde mental. Além disso, a associação mantém grupos de estudo para tratar de gestão de pessoas. "Sabemos que a melhora da saúde emocional é um processo que depende de investimento de tempo e de recursos financeiros", frisa.
Simone entende que a necessidade de gerenciar essa demanda está caindo no colo dos líderes das empresas que, muitas vezes, não foram preparados para isso. "Atualmente, o gestor está com o olhar mais aguçado para estas questões, mas ele não é o responsável. Mesmo assim, precisa ampliar essa percepção em relação aos seus liderados, como se relacionam e o que entregam o seu trabalho".
Segundo a presidente do Conselho, o foco da ABRH-RS neste momento está mais voltado para os gestores e líderes, para que esse público possa perceber novas formas de assessorar seus liderados. A maioria já entendeu que a máxima "eu deixo meus problemas do lado de fora da empresa" faz parte do passado. Na prática, ninguém se desumaniza quando entra na empresa. A diferença apenas é que alguns administram melhor suas questões emocionais. "Reconhecer fragilidades nos torna mais humanos. Precisamos saber pedir ajuda e observar quando não estamos dando conta. Cabe ao gestor respeitar ou ser mais flexível diante dessas dificuldades", ensina Simone, reconhecendo que não é uma tarefa fácil esse olhar individual dentro de uma organização com regras coletivas como acontece no mercado corporativo.
O outro lado da moeda é que pouca gente quer se sentir neste lugar de menos potência. Nem mesmo os colaboradores que passam por um momento delicado, muitas vezes, aceitam isso. Ela cita como exemplo as redes sociais, em que as pessoas em suas postagens estão invariavelmente em momentos felizes, empoderados e prósperos.
Em um universo corporativo regido por uma cultura de cobrança, comando e controle, existe um tempo para um novo padrão se estabelecer. Em geral, para antigas crenças serem revistas, as novas implantadas e assimiladas dentro de uma organização o prazo, em média, é de cinco anos. Simone compara esse processo a um elefante em movimento: "é muito grande, requer mudança de valores e atitudes, mas anda devagar".

O estresse de cada dia de quem atua em sala de aula

Ketzer, que coordenou grupo terapêutico focado na categoria, diz que há um nível de ansiedade muito alto entre educadores

Ketzer, que coordenou grupo terapêutico focado na categoria, diz que há um nível de ansiedade muito alto entre educadores


/ANA TERRA FIRMINO/JC
Entre as profissões que mais têm apresentado sintomas de burnout está a dos professores. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 72% deles estão sofrendo com sintomas relacionados a essa síndrome. Pela experiência do psicólogo clínico Estevan de Negreiros Ketzer, que já coordenou um grupo terapêutico focado na categoria, há um nível de ansiedade muito alto nessa população.
Este cenário tem piorado com as recentes notícias de violência em escolas nos diversos estados do País. O impacto destes fatos, conforme Ketzer, pode ser percebido nos atendimentos. "Muitos nunca tiveram acesso a psicoterapia e descobrem ali um espaço para eles se sentirem acolhidos e poderem pensar suas demandas. Como colocar eles em primeiro plano para suas vidas?", relata. Ele explica que, na maioria das vezes, o estresse em sala de aula até torna-se menor diante de problemas familiares e de um cansaço que atinge os educadores que estão atuando há mais tempo.
Embora a ansiedade seja a queixa mais frequente nos relatos dos pacientes, transtornos devido ao trabalho nas escolas têm potencializado antigos problemas pessoais, dando vida a doenças psicossomáticas, como psoríase, fibromialgia, cefaleias graves e insônia. "As doenças mentais não tratadas levam a problemas físicos", salienta.
Como a categoria de docentes é formada em sua maioria por mulheres, questões como a violência, remuneração baixa e falta de reconhecimento, somam-se a problemas de gênero, como o "terceiro turno" encarado dentro de casa com os afazeres domésticos, o que sobrecarrega ainda mais essas profissionais. "Isso não significa que homens também não sofram muito com a docência. Sabemos o quanto é difícil dar aulas na rede pública para populações de baixa renda que não têm interesse pelo estudo regulamentar", lamenta.
A falta de reconhecimento pode ser considerada um agravante. Na opinião de Ketzler, quem atua nessa área pode ser visto e encarado como "inimigos", simplesmente porque a sociedade vê com desprezo as pessoas que estudam e buscam se aperfeiçoar. "Pior ainda os que gostam de estudar independente de títulos acadêmicos. Esses são vistos quase como "idiotas". Acredito que esta configuração precisa mudar para que de fato a educação seja valorizada e o trabalho dos professores possa, um dia, realmente ser respeitado".
Por todos estes motivos, o trabalho inicial com os professores é tentar resgatar o sentido de propósito perdido. O afastamento temporário por motivos de saúde pode tornar-se uma forma de ganharmos tempo para o processo de autoconhecimento. "É muito comum essas pessoas terem perdido algo em suas vidas. O que lhes dava prazer? Para onde isso foi? Como podemos resgatar um sentido em suas vidas? Com a vontade de melhorar deles, conseguimos encontrar alternativas de resolução e seguir adiante". Com esse apoio terapêutico e a disposição de olhar questões pessoais de forma mais profunda, aos poucos estes profissionais vão resgatando a vontade de viver e continuar ajudando seus alunos, filhos e pais.
 

*Liège Alves é jornalista e publicitária graduada pela Pucrs ,com especialização em Jornalismo Aplicado. Foi repórter do jornal Zero Hora e do Grupo Sinos e editora no Jornal do Comércio. Atuou na área de Comunicação Corporativa e atualmente é diretora da Editora Essência.