Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Reportagem especial

- Publicada em 19 de Março de 2023 às 16:02

Indústria gaúcha de sorvetes quer se consolidar no mercado brasileiro

Banca 40 do Mercado Público é um dos locais mais tradicionais da Capital

Banca 40 do Mercado Público é um dos locais mais tradicionais da Capital


ISABELLE RIEGER/JC
*Eduardo Torres, especial para o JC
*Eduardo Torres, especial para o JC
Enquanto os termômetros marcam mais de 35 graus, a produção de sorvetes e picolés vive o seu período de "safra" no Rio Grande do Sul. A primeira sem qualquer tipo de restrição pela pandemia nos últimos três anos promete ser a da retomada do setor. Se até 2019, a estimativa era de que o gaúcho consumia, em média, mais de 5 litros de sorvete por ano, com uma demanda superior a 80 milhões de litros anuais para todo o estado, ocupando o terceiro lugar entre os estados de maior consumo de sorvetes no País, após a pandemia, o setor teria reduzido em pelo menos 30% a produção e o consumo no Rio Grande do Sul.

Bonnel Júnior diz que, mesmo com as mudanças,a produção segue artesanal

Bonnel Júnior diz que, mesmo com as mudanças,a produção segue artesanal


/BANCA 40/DIVULGAÇÃO/JC
No primeiro verão sem qualquer restrição imposta pela pandemia, o setor sorveteiro gaúcho valoriza a produção com origem artesanal e busca alternativas para repor as perdas e se consolidar no mercado brasileiro. Só até 2019, a estimativa era de que o gaúcho consumia, em média, mais de cinco litros de sorvete por ano, com uma demanda superior a 80 milhões de litros anuais para todo o Estado, ocupando o terceiro lugar entre os estados de maior consumo de sorvetes no País. Após a pandemia, o setor teria reduzido em pelo menos 30% a produção e o consumo no Rio Grande do Sul.
O levantamento mais recente da Associação Gaúcha das Indústrias de Gelados Comestíveis (Agagel) aponta que, em dezembro de 2021, já sob as consequências da pandemia, havia 327 indústrias produtoras de sorvetes no estado - metade do registrado dez anos atrás. Este número, considerando todo o segmento, incluindo máquinas individuais de sorvete expresso, chegava, em 2016, a mais de 1,4 mil empresas, a maior parte na Região Metropolitana. Conforme o Sebrae, em todo o País, a produção de sorvetes representa 6,2% de toda a indústria de alimentos.
A tradição de quem cultiva memórias geladas e fraternas há 96 anos no Mercado Público de Porto Alegre é o trunfo da Banca 40 nesta retomada. Desde 1927, quando o sorvete ganhou o protagonismo na clássica salada de frutas da banca - e mais adiante, com a nata batida, a taça Bomba Royal virou um sabor único desta referência na Capital -, é evidente que os processos de produção se modernizaram e a própria gestão da Banca 40 mudou, mas ainda hoje, o sorvete é artesanal e produzido diariamente ali. Por mês, em torno de mil litros são vendidos aos frequentadores da banca.
"Definitivamente, nós não somos uma simples lancheria ou sorveteria do Mercado. Boa parte do nosso público, quando pede o nosso sorvete, lembra dos avós, dos pais. Outro dia, uma senhora emocionada foi até o caixa dizer que o sabor que ela tinha na memória continuava o mesmo. É muito gratificante sabermos que conseguimos manter uma tradição sem deixar de evoluir", diz João Bonnel Júnior, que em 2011 assumiu, com outros três investidores, a Banca 40.
Eles ainda tentam, no entanto, adaptar-se ao pós-pandemia. A tradicional banca entrou no mundo das vendas virtuais e chegou a abrir filiais. Um plano que, segundo João Bonnel, não decolou.
"Dependemos muito do público estar aqui, ver o nosso produto e valorizar a qualidade e a tradição do que oferecemos, e neste aspecto, sofremos um pouco, porque outras formas de comércio do Centro mudaram a forma de vender durante a pandemia, com o comércio online. A nossa aposta é cada vez mais valorizarmos o que fazemos de melhor", resume.
Quem comanda a produção do sorvete por ali é o Danilo Santos da Silva, de 58 anos, que aprendeu o ofício de sorveteiro em 1987. Naquela época, a produção iniciava às 6h, com a fervura do leite para o processo de pasteurização. Hoje, com as novas normas de segurança alimentar e uma máquina pasteurizadora, o processo é cinco vezes mais rápido. Em uma hora, a base para o sorvete está pronta, sem perder a textura do produto artesanal.
Em 1927, quando o português Manuel Maria Martins, que produzia frutas em uma chácara em Guaíba, comprou uma banca no Mercado Público, vender sorvetes ao grande público ainda era absoluta novidade por aqui. No calor do verão, ele inovou. Com o sorvete produzido na banca, batido a mão, incrementou a salada feita das frutas que produzia em Guaíba. Atualmente, a salada de frutas é fornecida pronta para a Banca 40, com um controle de qualidade para nunca perder o diferencial que atrai o consumidor.
 

Das frutas ao leite, a qualidade do gelado gaúcho

Anualmente, a Sorvebom produz até 2,5 milhões de litros de sorvetes

Anualmente, a Sorvebom produz até 2,5 milhões de litros de sorvetes


/sorvebom/divulgação/jc
A qualidade é a marca da produção gaúcha de sorvetes também em grande escala. Quando comprou a sua primeira máquina para produzir sorvetes, no começo da década de 1980, em Lajeado, Martin Eckhardt, ao lado da esposa, tinha como trunfo na produção, e que atraia seus clientes, as receitas para o uso de frutas in natura para produzir o sorvete. Anualmente, a Sorvebom produz até 2,5 milhões de litros de sorvetes que são distribuídos para praticamente todo o Rio Grande do Sul. Uma produção que demanda, segundo Eckhardt, 17 toneladas anuais de morango, outros 8,5 toneladas de polpa de uva e cinco de bananas.
"Mesmo em escala industrial, fazemos questão de não perder o estilo artesanal de produzir o sorvete. E isso envolve o cuidado com as frutas, com estímulo à produção na nossa região, e com o creme de leite, também da região. Não temos a estrutura das grandes multinacionais do sorvete, que ainda dominam o mercado brasileiro, mas temos o diferencial de sempre surpreender o consumidor", explica Eckhardt, que foi um dos fundadores da Agagel, em 1999, e hoje preside da Associação Brasileira do Sorvete (Abrasorvete).
Para que se tenha uma ideia, em 2001, um produtor local do Vale do Taquari criou uma estrutura específica para produzir morangos para a Sorvebom. Passados mais de 20 anos, ele se consolidou como um grande fornecedor a outros clientes da região.
Passados 40 anos desde a criação, a Sorvebom hoje emprega 110 pessoas e tem na sua gestão, ao lado de Martin, os seus filhos. A presença de empresas familiares no setor é outra das marcas da produção gaúcha de sorvetes, mas sem descuidar da modernização. A sorveteria, aberta em 1983, ainda é a principal loja da Sorvebom, em Lajeado. Em 1994, foi pioneira na implantação do bufê de sorvetes no interior gaúcho e, em 2009, inaugurou a fábrica, também na cidade do Vale do Taquari. Neste verão, a empresa abriu sua primeira franquia em Tramandaí, no Litoral Norte.
No caso da Sorvebom, o sorvete hoje é produzido na chamada "indústria amiga", pelo design e pelas certificações de qualidade que adquiriu nos últimos anos. São 4,5 mil metros quadrados de área construída. Foi a pioneira no ramo de sorvetes a implantar o ISO 22000, e atualmente, tem a certificação FSC 22000, que garante a rastreabilidade plena de toda a produção.
"Nestes últimos dois anos, o custo dos insumos aumentou muito. Desde maquinário e equipamentos de refrigeração, até os lácteos, gorduras, açúcares, frutas e coberturas. Toda a indústria foi obrigada a aumentar o preço do produto, e nós, como boa parte dos fabricantes gaúchos de sorvetes, fizemos a opção de manter a nossa receita para não perdermos qualidade. Agora, em 2023, neste pós-pandemia, começamos a colher os frutos desta aposta em não reduzir a qualidade do produto", garante Eckhardt.
De acordo com o presidente da Agagel, Gian Lisboa, que dirige a Sorvetes Gut, de Candelária, quem produz sorvetes no Rio Grande do Sul carrega a responsabilidade de ter um dos produtos de maior qualidade no País. Seja pelas características artesanais de produção, pelo uso de produtos naturais, como as frutas, ou, como ele complementa, por estar em uma região que tem uma grande bacia leiteira de alta qualidade.

A realidade do sorvete do RS

  • 327 indústrias produtoras de sorvete
  • 1,4 mil empresas, incluindo as de pequenas máquinas de sorvete expresso
  • 92% das empresas do setor no País são pequenas e médias empresas
  • Gaúcho consome, em média, mais de 5 litros de sorvete por ano
  • Até 2019, a produção gaúcha de sorvete ultrapassava os 80 milhões de litros por ano
  • Somente uma indústria gaúcha, a Trivialy, figura entre as 5 marcas de sorvetes mais consumidas na Região Sul do Brasil
 

Um sabor para o ano inteiro

Lisboa diz que empresas lutam contra a sazonalidade e querem vender o ano todo

Lisboa diz que empresas lutam contra a sazonalidade e querem vender o ano todo


/SORVETES GUT/DIVULGAÇÃO/JC
Nas suas redes sociais, a Cremmilk, de Ijuí, anuncia: "Sorvete o ano inteiro". Não é à toa. O reforço do consumo do sorvete fora da chamada "safra" de verão é uma das apostas dos sorveteiros gaúchos para o fortalecimento do setor. De acordo com o proprietário da Cremmilk, Eider Ravison, há cerca de cinco anos eles deram início à chamada Linha Gourmet. E tem conseguido um bom retorno.
"É uma linha um pouco menos fria, com mais característica de sobremesa adequada para o ano inteiro, sem tanto daquela sensação de refresco para o verão", explica.
A linha, segundo ele, hoje responde por pelo menos 25% das vendas da empresa, que distribui sorvetes em um raio de 200 quilômetros a partir de Ijuí.
A estratégia, mesmo que contrarie o traço muito característico gaúcho, de que a temporada para os sorvetes é o verão, segue uma tendência mundial. Mesmo sendo um País tropical, o Brasil é somente o 10º no consumo de sorvete. A Finlândia, por exemplo, é o terceiro País do mundo com maior consumo.
"É uma preocupação antiga das nossas empresas, porque não é possível depender das vendas de somente metade do ano, entre a primavera e o verão. Estamos reforçando campanhas que incentivem tanto o consumidor a procurar os nossos produtos fora do calor, demonstrando o diferencial do produto, que é riquíssimo em vitaminas, quanto o incentivo ao setor produtivo para que inove, com sorvetes diferenciados, como o gelato italiano, o petit gateau, brownies, caldas quentes e cafés que levam o sorvete", aponta o presidente da Agagel, Gian Lisboa.
Conforme a Abrasorvete, o sorvete concentra pelo menos seis tipos de vitaminas, além de ser fonte de potássio e cálcio. Até 65% da composição dos principais sorvetes brasileiros é de leite, sem gordura hidrogenada e menos calórico do que alimentos básicos como o pão.
Segundo Lisboa, as vendas no período de outono e inverno representam em torno de 15% das indústrias gaúchas do sorvete.
"Além de estarmos distantes de São Paulo, que é o grande centro consumidor do País, temos que entender sempre como funciona o nosso mercado consumidor, e ele mudou bastante durante a pandemia. O mercado gaúcho, na prática, ainda é sazonal, mas cabe a nós irmos onde o mercado consumidor está", explica Nilson Gemelli, que é o diretor executivo da Gemelli Sorvetes, de Lajeado.
Há quatro anos a empresa passou a produzir o açaí, que garante consumo o ano inteiro e hoje já responde por 15% da produção da Gemelli.
"É um consumidor novo e, para nós, que produzimos, o sistema é muito semelhante ao do sorvete. A partir da polpa do açaí processada no Pará, fazemos o batimento e o congelamento", diz o empresário.

Carga tributária prejudica o setor

Pote de dinheiro - poupança - moedas - investimento

Pote de dinheiro - poupança - moedas - investimento


FREEPIK/Reprodução/JC
No primeiro verão completamente sem restrições provocadas pela pandemia, a produção gaúcha não foge à regra de um mercado dominado pelas gigantes multinacionais. Segundo o Ranking Nielsen Supervarejo de 2022, nenhuma fábrica de sorvetes gaúcha figura entre as mais consumidas do País e, na região Sul, somente a Trivialy, que é a maior fabricante gaúcha de sorvetes, com indústria de 8 mil metros quadrados no Distrito industrial de Viamão e Alvorada, figura no top 5.
É a quarta mais consumida na região e, mesmo ela, sente o agravante da concorrência catarinense dos últimos anos. O ranking da região Sul tem na liderança a Froneri (fabricante dos sorvetes Nestlé e Lacta), seguida pela Unilever (Kibon), a Paviloche, de Santa Catarina, e, na quinta posição, outra catarinense, a Leiffer, que produz os sorvetes Qmexe.
Conforme a Abrasorvete, a região Sul responde por 15% do consumo de sorvetes no País. Em Santa Catarina, no entanto, passou a vigorar em janeiro deste ano uma lei estadual que retira o regime de substituição tributária do ICMS para as saídas de picolés e sorvetes, além dos seus derivados e insumos. A medida reduz o custo do produto aos varejistas do sorvete, e consequentemente, baixa o preço final do que é produzido no estado vizinho.
"Representamos um setor que é muito prejudicado pela tributação. Por isso, nos últimos anos elaboramos um estudo encaminhado ao governo estadual na tentativa de conseguirmos algum benefício fiscal ou a redução da carga tributária para o setor. Somente assim, teremos maior competitividade, por exemplo, com os produtores catarinenses", explica o presidente da Agagel, Gian Lisboa.
Uma vez que, conforme o levantamento da Abrasorvete, 92% dos fabricantes de sorvetes no País são micro e pequenas empresas, os representantes do setor tentam a redução na base de cálculo do ICMS para as empresas do Simples Nacional e do crédito presumido para aquelas que adotam o lucro real.
"Se conseguirmos o atendimento desta demanda, beneficiaria 100% dos nossos associados, por exemplo", aponta o empresário.
A Agagel, criada em 1999, tem em torno de 50 empresas associadas, e anualmente realiza a "Jornada do Sorvete", que neste ano acontecerá em julho, em Bento Gonçalves. A ideia, salienta Gian Lisboa, é qualificar o produtor de sorvetes gaúcho em todas as etapas da cadeia produtiva.
 

Da geada gaúcha aos freezeres dos supermercados

Nilson lembra que tudo começou com carrocinha de sorvetes e picolés

Nilson lembra que tudo começou com carrocinha de sorvetes e picolés


/GEMELLI/DIVULGAÇÃO/JC
Os primeiros registros históricos do sorvete - ou do que viria a se tornar o sorvete - são datados de quatro mil anos atrás, na China. A primeira aparição no Brasil, convencionou-se a atribuir ao navio norte-americano Madagascar, que ancorou no porto do Rio de Janeiro em 1834, com um carregamento de cerca de 200 toneladas de gelo que era conservado com serragem e durou cinco meses. Como naquela época não havia como conservar o sorvete depois de pronto, as sorveterias anunciavam nos jornais a hora certa de tomá-los. No entanto, o Rio Grande do Sul, em bem menor escala, pode ter se antecipado àquela novidade carioca.
Em 1812, há registros de que o então governador da província, Dom Diogo de Souza, mandava recolher as geadas das noites frias de inverno para oferecer como refresco aos seus convidados.
A produção de sorvetes em escala no Rio Grande do Sul, no entanto, só tem o seu primeiro boom na década de 1970, 30 anos depois da primeira produção em escala mais próxima do industrial no Brasil. Em 1941, a U.S. Harkson do Brasil instalou-se nos galpões de uma fábrica falida no Rio de Janeiro e lançou, no ano seguinte, o Eski-bon, seguido pelo Chicabon. Dezoito anos depois, a empresa mudaria seu nome para Kibon.
No Rio Grande do Sul, em comum, praticamente todos os fabricantes que prosperaram desde então, tiveram origem como empresas familiares. A evolução está intimamente ligada ao avanço da própria indústria de refrigeração.
"Na década de 1970, eram fabricadas no Estado as primeiras máquinas mais populares para fabricação de sorvete, ainda em escala artesanal. E isso chamou muito a atenção das pessoas que viram uma oportunidade de empreender", conta Nilson Gemelli.
Na tradicional Sorveteria Jóia, de Porto Alegre, por exemplo, ainda é possível encontrar uma daquelas primeiras máquinas de fabricação de sorvetes. O processo consistia na mistura automatizada dos ingredientes para formar a massa do sorvete, enquanto gelavam. Até então, sorveterias como a também histórica Urca, de Caxias do Sul, produziam o sorvete com a mistura manual e totalmente artesanal. A venda era toda feita em uma janelinha da casa, na Rua Sinimbu.
Hoje, aos 59 anos, Nilson administra a Gemelli, fábrica de sorvetes iniciada pelo pai, com dois irmãos, ainda em Santo Ângelo. Desde os sete anos ele convive com a produção dos sorvetes, e viveu na prática todas as transformações do setor no Rio Grande do Sul.
Depois de dois anos em sociedade com os irmãos na cidade missioneira, Nelson, o pai do Nilson, partiu para Lajeado, onde abriria a sua sorveteria com a máquina fabricada em Marcelino Ramos. Somente no começo do anos 1990 aquele processo ainda artesanal ganhou escala maior, com a evolução dos equipamentos de produção e, principalmente, de conservação dos congelados.
"Começamos com a carrocinha de sorvetes e picolés, que levava o produto até onde estava o consumidor, ainda com o uso do isopor. Em seguida, com a melhoria dos freezeres, a indústria e a venda no varejo evoluíram para o bufê de sorvete, por exemplo, com o sorvete distribuído com potes grandes em aço inoxidável", conta Nilson.
Foi o período da explosão dos bufês de sorvete durante o verão. Um movimento que só mudou de direção na década seguinte, de 2000, quando mais uma vez a indústria de refrigeração aumentou o seu alcance e o poder de consumo do brasileiro aumentou.
"Com a maior presença do freezer em casa, e a evolução dos refrigeradores, mudamos mais uma vez a forma de pensar a produção. A compra pelo impulso na rua (carrinhos) ou na sorveteria, muda para os supermercados. O consumidor passou a levar o sorvete para casa, e nós tratamos de evoluir para atrair esta atenção do consumidor", diz o empresário.
A Gemelli foi a primeira indústria gaúcha a embalar o sorvete de 1,5 litro em embalagem transparente.
"Estamos sempre em busca de diferenciais no mercado. Neste caso, o sorvete ganhou uma roupagem diferenciada, mais visual, com a cobertura a vista no momento da compra", explica Gemelli.
Com 50 funcionários, a Gemelli Sorvetes já não atua diretamente no varejo. Durante a pandemia, até 90% do faturamento esteve concentrado nas vendas em mercados, com os potes para levar para casa. A partir de 2022, os números voltaram a equilibrar-se entre as vendas de potes de sorvetes para consumir em casa e os sorvetes e picolés distribuídos para sorveterias em um raio de até 150 quilômetros a partir de Lajeado.

A responsabilidade ambiental como diferencial de mercado

Gut emprega 25 pessoas e distribui os sorvetes produzidos em Candelária para 600 pontos de venda

Gut emprega 25 pessoas e distribui os sorvetes produzidos em Candelária para 600 pontos de venda


/SORVETES GUT/DIVULGAÇÃO/JC
A inovação está na essência da produção gaúcha de sorvetes. No caso da Sorvetes Gut, de Candelária, ela vem carregada de responsabilidade ambiental. Em parceria com a empresa catarinense Prack Embalagens, foi criado o chamado BioGut, que é o pote biodegradável, hoje disponível nas linhas de 2 litros, 1,8 litro e 1 litro. A prioridade, com uma boa dose de bom humor, como destaca o CEO da empresa, Gian Lisboa, está no slogan: "Cuidamos do planeta porque é o único que tem sorvete".
"O sorvete gaúcho tem a fama de ser um dos melhores do Brasil, mas nós sempre perseguimos um diferencial, e reforçamos o trabalho na responsabilidade ambiental. Já éramos uma empresa que procurava cuidar da natureza, mas, em 2018, acredito que conseguimos o grande diferencial, que foi quando colocamos no mercado o pote biodegradável", explica Lisboa.
Enquanto o produto plástico leva mais de 100 anos para se decompor na natureza, o BioGut decompõe em 12 anos.
"O consumidor, cada vez mais, tem procurado diferenciar a sua escolha priorizando quem tem compromisso ambiental e social. Fizemos uma pesquisa que demonstra que, até mesmo o consumidor que está em busca do melhor preço, quando tem a opção, em 70% das vezes prefere o produto no pote biodegradável", aponta o empresário.
O resultado se vê nos números. Hoje, a Sorvetes Gut emprega 25 pessoas e distribui sorvetes para 600 pontos de venda. Em 2022, saíram da fábrica de Candelária em torno de 380 mil litros de sorvetes, com um crescimento de 27% nos últimos quatro anos. Hoje, o custo do pote biodegradável ainda é 15% superior ao tradicional. Mas a tendência é de igualar ao longo do tempo, já que, quando o projeto iniciou, esta diferença era de 30%.
De acordo com Gian Lisboa, o BioGut é apenas um dos pilares deste programa de responsabilidade ambiental da empresa. Há quatro anos iniciou a implantação de placas fotovoltáicas para geração de energia solar. A meta é garantir 100% de energia limpa na produção. Criada em 1982 pelos pais do Gian, a partir de uma máquina de produzir sorvetes, a Gut começou em casa, transformou-se em fábrica e mantém uma sorveteria própria em Candelária. Lá, além do BioGut, as pazinhas e os palitos de picolés são originárias de reflorestamento e os canudos biodegradáveis.

Quando a tradição é inovar

Urca trabalha com linhas veganas e com origem de soja

Urca trabalha com linhas veganas e com origem de soja


/URCA SORVETES/DIVULGAÇÃO/JC
Na Sorveteria Urca, uma das mais tradicionais do Estado, há 70 anos em Caxias do Sul, a ordem também é apostar em produtos diferenciados no mercado. Quem frequenta o bufê, na cidade da Serra, pode optar pelo eco pote, desenvolvido pela Orquídea, empresa também de Caxias, a partir do farelo de trigo, e que se decompõe na natureza em 45 dias.
"Nós queremos ser diferentes, é uma marca nossa que é reconhecida pelo consumidor. Além da responsabilidade ambiental, temos um compromisso social muito claro, e a cada ano procuramos desenvolver novos produtos a partir da demanda deste público diferenciado", explica o diretor administrativo da Urca, Vinícius Dalle Laste.
É da Urca, por exemplo, o primeiro rótulo totalmente acessível para o público cego. Uma ideia que amadureceu depois da criação do rótulo do sorvete em braile.
"Percebemos que só um terço deste público domina a linguagem, então, tratamos de investir no desenvolvimento de uma acessibilidade maior", conta.
O resultado foi a inclusão do aplicativo Alia Inclui, desenvolvido por uma startup de Caxias do Sul, nas embalagens da Urca. Trata-se de uma ferramenta que escaneia as informações de marca, sabor e tipo do sorvete e informa ao consumidor cego e de baixa visão.
Da fábrica de 2,2 mil metros quadrados, com 30 funcionários, têm saído ainda sorvetes bem diferentes do usual. Há as linhas vegana e com origem de soja, e o projeto desenvolvido em parceria com a Casa da Ovelha, de Bento Gonçalves, para a fabricação do sorvete a partir do leite de ovelha, a partir do ano passado.
"Temos a maior produção de leite de ovelha do Brasil, e queríamos desenvolver um produto gelado, além do nosso iogurte, que já é comercializado inclusive fora da Região Sul", explica a responsável pelo marketing da Casa da Ovelha, Nicole Maso.
O resultado, como explica Nicole, foi um sorvete a base do próprio iogurte, mais cremoso do que o sorvete tradicional e de grande teor nutritivo.
"A aceitação do público tem sido excelente neste primeiro verão com o sorvete de ovelha", garante.
Desde 1998 a Casa da Ovelha, que teve origem na cozinha dos hotéis Dall'Onder, tem ganhado destaque com as vendas de queijos, doces e iogurtes a partir desta matéria-prima. Agora, de acordo com Nicole, o desafio é ajustar a logística para levar o produto desenvolvido em conjunto com a Urca para outras regiões do Brasil, sobretudo o Sudeste, onde já está a principal clientela dos demais produtos da Casa da Ovelha.
"Hoje as vendas do sorvete estão limitadas aos turistas, visitantes da Casa da Ovelha. A nossa intenção é até o final do ano termos a venda nacional deste novo produto", aponta ela.

* Eduardo Torres é jornalista, com passagens pelos jornais Zero Hora, Diário Gaúcho e Correio de Gravataí