Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Reportagem especial

- Publicada em 11 de Setembro de 2022 às 16:57

Eventos culturais retornam e movimentam economia gaúcha


freepik/divulgação/jc
Roberta Fofonka, especial para o JC*
Roberta Fofonka, especial para o JC*
Após a demanda reprimida por dois anos em função da pandemia de Covid-19, a cadeia produtiva da cultura vive a volta massiva dos eventos. Com opções para todos os gostos - e bolsos, Porto Alegre encara a efervescência de uma agenda lotada de filmes, mostras, shows, peças de teatro e dança. O Jornal do Comércio conversou com empresas e instituições da cultura para entender como a retomada impacta na vida cultural da cidade e nos negócios ligados ao setor.

Eventos presenciais voltaram, como o show do Dire Straits que a Opinião Produtora trouxe a POA

Eventos presenciais voltaram, como o show do Dire Straits que a Opinião Produtora trouxe a POA


Douglas Fischer/divulgação/jc
Mesmo com o boom das lives artísticas em 2020 - que logo também saturou o interesse de quem estava em casa -, os eventos culturais sofreram com a estagnação de 18 meses no setor. Segundo levantamento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) e do Ministério da Cultura, a participação da área cultural na economia brasileira, antes da pandemia, era de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e, em 2019, os trabalhadores da cultura representavam 5,8% do total de ocupados no Brasil.
Ou seja, em torno de 5,5 milhões de pessoas foram afetadas pela paralisação, as produções interrompidas e incertezas relacionadas à continuidade das atividades. Como ilustra Rodrigo Machado, diretor da Opinião Produtora, a pergunta que ecoava na cabeça dos profissionais, artistas e gestores da cultura era a mesma: "O que vai acontecer?"
Quando a pandemia foi decretada oficialmente, em março de 2020, a empresa tinha mais de 60 shows com venda de ingressos aberta. "Houve setores que reduziram 40%, 60% da sua produção. O nosso reduziu 100%. Ficamos 18 meses sem entrar dinheiro na conta jurídica", expõe o gestor.
Com 80,8% da população brasileira imunizada, a resposta para essa pergunta está sendo sentida desde o início do ano. Eventos presenciais como shows, teatros e cinemas podem operar com 100% da capacidade desde março, aponta a Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape). Com boa parte das atividades culturais de volta à ativa, os aprendizados da recessão e a adesão massiva do público, o setor de eventos culturais pode afirmar que, finalmente, a pandemia acabou.
Este impacto é sentido na Opinião Produtora, que realiza grandes eventos de música em Porto Alegre há mais de 30 anos, hoje responsável pelo Bar Opinião, o Pepsi On Stage e o auditório Araújo Vianna. A retomada teve uma aceleração crescente de adesão do público, afirma Machado. "O Sympla tem um pré-estudo interno de que essa evolução vai continuar acontecendo até o final de 2023. Devemos chegar num platô apenas em 2024", aponta. A empresa é hoje um dos maiores clientes da plataforma de ingressos Sympla no país, com aproximadamente 90 eventos abertos para venda. "Mesmo que essa curva reduza a 50%, continua maravilhoso", comemora.
Para ele, a demanda reprimida não é o único argumento para explicar o atual boom dos eventos culturais. A marca deixada pela pandemia é mais profunda. "Minha observação é que as pessoas não estão mais deixando para fazer amanhã o que elas podem fazer hoje", ressalta o executivo. A popularidade das "tiqueteiras", empresas que vendem ingressos pela internet, também mudou a dinâmica de consumo dos shows, que podem ser pagos em vezes no cartão de crédito. "Estas empresas já existiam antes, mas agora as pessoas têm um vínculo maior com elas", expõe.
No Araújo Vianna, todos os finais de semana estão ocupados até junho de 2023. "Os públicos que frequentam as nossas casas são distintos. O mesmo artista pode lotar 1,5 mil lugares no Bar Opinião, 3,2 mil no Araújo Vianna e 6,5 mil no Pepsi On Stage. E não será o mesmo público." O ticket médio também varia conforme o local, para um mesmo artista.
Tal aproximação do público abre precedente para que o setor traga novidades. Um exemplo é o show de Natal com o maestro João Carlos Martins, que ocorrerá no dia 23 de dezembro no Araújo. Uma data que, antes da pandemia, comumente não seria ocupada com programação. "Antes, a grande maioria das pessoas estaria indo para a praia nesta data. Agora, as pessoas pensam duas vezes antes de se deslocar", comenta.
A empresa também passou a abrir a bilheteria assim que o show é contratado, às vezes com a antecedência de seis meses. "Até abríamos dois a três meses antes, mas nunca seis." No caso dos shows maiores, na retomada a empresa aprendeu a deixar uma data reservada para uma provável sessão extra, como ocorreu com Caetano Veloso, em dezembro, e Gilberto Gil, agendado para se apresentar no Araújo Vianna em março de 2023.
A agenda do trimestre ainda inclui nomes como Marisa Monte, Jorge Drexler, Raça Negra, Maria Rita, Zeca Pagodinho, Bonnie Tyler, Cuarteto de nos, Baco Exu do Blues e Ludmilla. "Porto Alegre está com vida novamente. E o setor de entretenimento é um dos grandes responsáveis. A prova disso é que tem espaço para todo mundo", complementa.
 

Teatro do SESC aposta em atividades descentralizadas

Palco Giratório faz parte da retomada sistemática da ocupação de espaços

Palco Giratório faz parte da retomada sistemática da ocupação de espaços


/ARIEL CAVOTTI/DIVULGAÇÃO/JC
No Teatro do Sesc, as atividades em locais fechados foram sendo retomadas com mais intensidade ao longo do primeiro semestre. Em maio, o festival Palco Giratório foi um exemplo de adesão do público. Nos 17 dias de evento em Porto Alegre, foram mais de 12 mil pessoas ocupando os espaços. "Sentimos que há uma demanda do público em retornar aos espaços culturais, percebe-se a necessidade e desejo de encontro", ressalta Silvio Bento, gerente de Cultura do Sesc/RS.
O Teatro do Sesc aposta na retomada sistemática de ocupação dos espaços. Ainda que a frequência de programação não seja a mesma de antes da pandemia, a perspectiva é de crescimento. "Percebemos que o público está cuidadoso, muitos ainda usam máscaras em espaços fechados", ressalta.
Com atuação em outras cidades do Rio Grande do Sul, só neste ano o Sesc já atingiu mais de 584 mil pessoas em centenas de ações de artes cênicas, visuais, cinema e literatura no Estado. Das principais novidades para o fim do ano, a entidade realiza o Sesc Circo em Camaquã, na segunda quinzena de novembro, e as Aldeias Culturais em Caxias do Sul, Santa Rosa, São Leopoldo, Novo Hamburgo, que serão realizadas ao longo de novembro e início de dezembro. "Essas são ações que vão mobilizar uma grande quantidade de artistas e pessoas no interior", almeja o gestor.
 

Theatro São Pedro quer agregar arte e lazer na retomada

Ícone de Porto Alegre quer aproximar novos frequentadores ao utilizar o Multipalco uma vez por mês

Ícone de Porto Alegre quer aproximar novos frequentadores ao utilizar o Multipalco uma vez por mês


/diego da maia/divulgação/jc
O Theatro São Pedro vive a retomada com novidades. Desde a volta das operações a pleno, a instituição está interessada em agregar opções de lazer para aproximar novos públicos. Já ocorrem feiras de artesanato no jardim, venda de cervejas e brincadeiras para crianças, por exemplo. Uma das ideias é utilizar o espaço do Multipalco uma vez por mês, à noite, para eventos de gastronomia e arte entrelaçadas.
"Vamos fazer um jantar de culinária portuguesa com um show de fado, por exemplo. Ações que queremos fazer para inovar e trazer gente diferente para perto", aponta Antônio Hohlfeldt, presidente do TSP.
O teatro mais tradicional da Capital reabriu totalmente as portas no dia 20 de março, com concerto da Orquestra homônima, para comemorar os 250 anos de Porto Alegre. Com duas semanas de divulgação da agenda do semestre inteiro, os ingressos esgotaram.
"Acredito que as pessoas se deram conta da importância da experiência artística, que ser privado disso é uma catástrofe", afirma. Por outro lado, acredita que a adesão também tem a ver com a sensibilidade do diretor artístico, Dilmar Messias, em diversificar as atrações.
"Estamos procurando atender todos os públicos. Assim como tem apresentação de um grupo gauchesco, tem de rock, música de câmara. Temos comédia, um drama no final de semana", explica. As programações gratuitas tradicionais do teatro também voltaram à ativa, como o musical Évora, que acontece toda quarta-feira, às 12h30min, com música de câmara, no foyer do teatro. E às quintas, às 18h30, o Mistura Fina, show de música popular.
Este ano, outras novidades do TSP chegam para agradar não só o público, mas a comunidade artística. Em outubro ocorre a inauguração do teatro de oficina, no 5º andar do Multipalco, que é uma sala experimental, vazia, com estrutura de plateia móvel, para ser usada criativamente por grupos cênicos da capital. Até o fim do ano, também serão inauguradas uma sala de dança e outra com estrutura dedicada ao circo. "Eu diria que o Multipalco está se tornando realmente o Multipalco, a sede de todas as artes", comemora.

Cadeia produtiva da dança tem sucesso público na capital, mas faltam espaços de ensaio

Espetáculo comemorou os 15 anos do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre

Espetáculo comemorou os 15 anos do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre


Guilherme Schneider/divulgação/jc
Na noite de 9 de agosto de 2022 se via o Teatro Renascença lotado para assistir uma apresentação de dança. Era a comemoração dos 15 anos do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre (GED), com a remontagem do espetáculo Folias Fellinianas. Novo elenco, reunião de trupes novas e antigas que passaram pela formação, bem como os entusiastas da dança feita na capital. Mesmo com a distribuição de senhas na entrada, a organização decidiu acatar a presença de quem coubesse no teatro, fosse escorado na parede ou sentado no chão.
"Tínhamos a expectativa de que o público tivesse uma volta significativa, mas também tínhamos uma apreensão de que essa volta fosse gradual. Para nossa surpresa, a volta do público superou todas as nossas suposições, desde o começo", aponta Airton Tomazzoni, coordenador do Centro Municipal de Dança de Porto Alegre.
Iniciativas pré-pandemia também estão voltando à agenda cultural, como as Quartas na Dança, evento que ocorre uma vez por mês às quartas-feiras no Teatro Renascença.
"Em abril, fizemos Mujeres de Água, da Cia de Arte La Negra Ana Medeiros, um espetáculo de flamenco que também lotou o Renascença", conta. O mesmo aconteceu com as apresentações do balé Lenita Ruschel, em junho, e da companhia de danças urbanas Restinga Crew, em julho - que teve ônibus fretado do bairro homônimo até o Renascença. No retorno da Cia. Municipal de Dança, foi visto fila na calçada.
"Isso traduz bastante o quanto o público realmente estava sedento por ver dança, e o quanto essa produção é importante para a cultura na cidade", reforça Tomazzoni. Embora maior parte destas iniciativas tenham ocorrido de forma gratuita, por incentivo das programações da Prefeitura, todas elas reuniram um público expressivo em pleno inverno. "Estamos falando de flamenco, dança contemporânea, balé tradicional e danças urbanas da periferia, estilos muito diferentes entre si. Cada um deles teve um público de aproximadamente 300 espectadores", dimensiona. Tal procura não foi fogo de palha. A robustez da presença do público se mantém, não só para as programações gratuitas.
No início de agosto, o espetáculo vencedor do Prêmio Açorianos 2020, Dura Máter, da companhia de dança tribal Amálgama, prevendo a lotação do Quartas na Dança, contratou de forma independente uma sessão extra no teatro. Foram 250 ingressos vendidos. "Se alguém tinha dúvidas que o interesse do público era só pela gratuidade, estamos vendo que não é", reforça Tomazzoni.
Além destas programações, uma série de produções independentes fazem parte da agenda da dança. Espetáculos de dança contemporânea como ILHA, do Coletivo Grupelho, e Macho Homem Frágil, de Eduardo Severino e Eva Schul, estrearam no final de agosto também com sucesso de público.
O cenário efervescente se deve não somente ao retorno dos eventos presenciais, mas ao volume de produção e ensino de dança que é mantido na cidade. Conforme um levantamento inédito do Centro Municipal de Dança (CMD), realizado no primeiro semestre de 2021, Porto Alegre tem hoje mais de 80 grupos de dança e 103 escolas, dos mais variados estilos.
A pesquisa buscou identificar as principais necessidades e o perfil da cadeia produtiva da dança na capital. A principal demanda, dentre os 232 respondentes, é de espaços para ensaios e produção. "A pandemia trouxe a evidência de quanto é estratégico para a dança ter o espaço para produção. Seja para a manutenção do que se cria, seja para criar um trabalho novo", pontua Tomazzoni. Com espaços importantes fechados, como a Usina do Gasômetro, o Teatro de Câmara Túlio Piva e a nova política de cobrança pelo uso das salas na Casa de Cultura Mário Quintana, por exemplo, a cena está desprovida de lugares adequados e acessiveis para pesquisar, criar e praticar.
 

Cinemas se legitimam como ponto de encontro e experiência imersiva

Segundo Difini, haverá redução de 20% nos resultados em relação a 2019

Segundo Difini, haverá redução de 20% nos resultados em relação a 2019


/MARCO QUINTANA/ARQUIVO/JC
A Cinemateca Capitólio retomou a programação em julho de 2021, quando poucas opções culturais estavam liberadas para acontecer na cidade. Passado o período de adaptação, com público reduzido e obrigatoriedade de máscara, aos poucos o cinema se revelou um ponto de encontro, de uma geração que até então não frequentava a cinemateca.
"Logo que reabrimos, houve sessões lotadas com pessoas de 17 a 25 anos. Mesmo que o foco não fosse uma programação mais jovem, as pessoas queriam se ver, queriam ter onde ir", conta Leonardo Bomfim Pedrosa, programador da Capitólio. Uma mudança do perfil de público também é percebida nas sessões infantis (como a Sessão Vagalume), que estão tendo mais adesão por parte de pais e filhos pequenos.
Atualmente, a Capitólio tem três sessões diárias (até a pandemia eram quatro), também voltou a ter mostras, eventos e debates, que eram a marca da cinemateca. A primeira sessão esgotada ocorrera em maio. "A Capitólio tem um público crescente, o que nos deixa esperançosos, não só com relação a nós, mas ao cinema em si. Teve muita gente saturada de lives, que não quer ficar mais tempo em frente a uma tela. Muitas pessoas vêm ao cinema para ter uma experiência imersiva", detalha. Além do conforto, imersão e qualidade do som, o cinema proporciona atravessamentos muito diferentes de assistir um filme em casa.
"Quando reabrimos, ainda não havia tantos shows e teatros, ao ponto que sexta-feira virou um point, um espaço de encontro. O que é algo que o streaming ou a live, embora tentem fazer, não suprem", pondera Bomfim.
Para Ricardo Difini, diretor de operações do GNC Cinemas, o cinema é uma experiência coletiva. Na rede, o sentimento é de que as pessoas retornaram ao hábito de assistir filmes na tela grande.
"Já estamos num período de normalidade do nosso negócio", afirma Difini. A chave virou no fim do ano passado, com o lançamento de Homem-Aranha 3: Sem Volta para Casa. "Foi uma surpresa maravilhosa, no final de dezembro, que permaneceu lotando as salas até fevereiro", comenta.
A reabertura do GNC aconteceu em maio de 2021, com adaptação gradativa. "Os primeiros meses foram de pouquíssimo público", rememora. Entretanto, a imagem das poltronas com distanciamento, protocolos rígidos de higienização, obrigatoriedade de máscara e vacina, ficou no passado. Segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), no primeiro semestre de 2022 as salas de exibição brasileiras já receberam 44,5 milhões de pessoas.
Dado o retorno do público, o GNC estima fechar o ano com resultados expressivos. "Uma das sessões de maior movimento foi do relançamento de Top Gun: Maverick, que tínhamos dúvidas do interesse dos jovens. Outros dois filmes com intensa procura foram Doutor Estranho 2 e Minions 2: a origem de Gru", conta. Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é sucesso de bilheteria a nível nacional: rendeu mais de R$ 164,1 milhões, com cerca de 8 milhões de espectadores.
Em comparação a 2019, haverá uma redução de 20% nos resultados o que, segundo Difini, é animador. "Em 2019 tivemos um dos melhores anos da última década, com grandes sucessos de bilheteria mundial, como Os Vingadores, Rei Leão e Toy Story 4. Por conta disso, é provável que o decréscimo acontecesse, mesmo que não houvesse pandemia", comemora.
Com salas em Balneário Camboriú, Criciúma, Joinville e Blumenau (SC), Caxias do Sul, e Porto Alegre (RS), atravessar a pandemia sem fechar as portas foi possível por causa de programas como o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm 2021), que dava a possibilidade de suspender funcionários temporariamente. Os empregadores pagavam 30% do salário, enquanto o governo federal arcava com equivalente a 70% do valor do seguro-desemprego a que o empregado teria direito. O que, segundo Defini, ajudou o setor a evitar demissões.
Outro aporte veio através da Ancine, que lançou ainda em 2020 uma linha de crédito emergencial do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), de R$ 400 milhões. Os recursos foram executados pelo BNDES e BRDE, com objetivo de manter empregos e preservar as atividades da cadeia produtiva do audiovisual. "Estas duas situações foram fundamentais para a sobrevivência do setor. Nos ajudaram a conseguir pagar os compromissos, e manter a empresa no período de inatividade e de baixa bilheteria", sustenta. Para quem gosta de frequentar os blockbusters, os principais lançamentos do GNC até o final do ano são Pantera Negra 2, em novembro, e Avatar 2, em dezembro.
No próximo trimestre, a programação da Cinemateca Capitólio promete diversificação. "Teremos de tudo, filme clássico, contemporâneo, mais experimental, mais narrativo convencional. Mostras temáticas e infantis." ilustra Bomfim. Em setembro, a Cinemateca Capitólio recebe uma mostra de cinema tcheco, dos anos 1920 aos anos 1970, com foco no movimento de vanguarda. Em outubro, XX uma mostra de cinema norueguês que, a partir dos anos 1970, é marcada pela presença de diretoras mulheres, majoritariamente. "E é uma cinematografia que usualmente não chega até aqui", reforça Bomfim. O público pode esperar também pelas sessões especiais de dois centenários: o diretor Pier Paolo Pasolini, e o célebre documentário "Nanook of the North", além do festival Cine Esquema Novo, o retorno da Tela Indígena e a Sessão Plataforma, que a cada primeiro sábado do mês, traz filmes internacionais recentes que não têm distribuição garantida nos cinemas brasileiros. O tradicional projeto Raros, que existe desde 2003 sob o slogan "filmes que você sempre quis ver ou nem imaginava que existiam", também está de volta à programação da Capitólio, com sessões gratuitas.
 

Streaming desafia a curadoria a atrair públicos diversos

Capitólio nota que a faixa etária dos 35 aos 50 anos não voltou como antes

Capitólio nota que a faixa etária dos 35 aos 50 anos não voltou como antes


ANDRESSA PUFAL/JC
Embora a média de público seja a mesma do período pré-pandemia, a Cinemateca Capitólio nota que a faixa etária dos 35 aos 50 anos não voltou ao cinema como antes. "Já era um público que antes da pandemia estava migrando para o streaming, e com outras prioridades na vida. Hoje segue mais distante dos eventos presenciais de cinema.
"Quando é feita uma mostra especial para este público, como foi a de Leila Diniz este ano, por exemplo, sessões que facilmente lotariam, não lotam mais. "Hoje nosso público é muito jovem, na maior parte estudantes, e um público mais idoso, que é acostumado a ir ao cinema e frequentar o circuito das artes", comenta.
Para Bomfim, os serviços de streaming apresentam um desafio para o funcionamento do cinema presencial. "É muito fácil o público ficar refém de um tipo de linguagem, que na verdade é um recorte muito reduzido do que é o cinema. Isso impacta no tipo de filme que se vai exibir para tentar lotar uma sala", explica.
Mas se no ano passado a Cinemateca fez tentativas de criar programações inclinadas ao mainstream, em 2022 a aposta é trazer uma programação que não está nos streamings, a fim de formar o público com referências mais amplas de cinema.
No GNC, "a gente percebe que as tecnologias vão surgindo, mas nada substitui a magia e o programa de ir ao cinema. Todo mundo pode fazer suas refeições em casa e, tendo condições, ninguém deixa de ir ao restaurante por causa disso", reitera, otimista, Ricardo Difini.

Manifestações culturais populares contam com financiamento colaborativo

Sucesso de público levou o festival de fanfarras Honk! Poa a superar as expectativas

Sucesso de público levou o festival de fanfarras Honk! Poa a superar as expectativas


ALEXANDRE GARCIA/DIVULGAÇÃO/JC
A volta dos eventos culturais mostrou que, além do interesse na arte, os porto-alegrenses querem estar na rua. Prova disso é o sucesso de público do festival de fanfarras Honk! Poa, que superou a expectativa em sua volta aos cortejos, neste ano. "Estávamos preparados para cerca de mil pessoas. Tivemos muito mais", comenta Bruna Anele, fanfarrona e uma das produtoras do evento. O volume de gente espantou, principalmente porque a primeira noite do festival ocorrera no frio de 11°C, em maio.
O Honk é um movimento internacional de fanfarras, que acontece desde 2006. As fanfarras são marcadas pela reunião de instrumentos de sopro e de metal, principalmente, como trombone, trompete, flauta e saxofone. No Honk Poa também se vê instrumentos de percussão, como timbal e xequerê. O festival chegou ao Brasil nove anos mais tarde, no Rio de Janeiro. De lá para cá, se espalhou por São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Porto Alegre - em 2019, fora realizado na capital gaúcha pela primeira vez. Este ano, conta Bruna, foi percebido que o evento conseguiu "furar a bolha" das redes sociais e agregar espontaneamente quem estivesse passando na rua.
Uma das principais características do Honk é o ativismo pela ocupação do espaço público através da arte. Por isso o evento ocorre sem cobrança de ingressos, grandes equipamentos amplificadores ou separação entre palco e plateia. A ideia é incentivar que musicistas, fanfarrões e o público sejam parte de uma só atração, algo que se assemelha aos cortejos de carnaval de rua que existem na cidade desde os tempos das "tribos carnavalescas", em meados de 1930.
O contingente chegou a dificultar a dispersão dos fanfarrões no horário estipulado, bem como ter agilidade na limpeza da orla do Guaíba, local já tradicional do encerramento da festa. "Não tínhamos estrutura para manejar um público tão grande, o que é complexo. Mas esta magnitude também é um reflexo de que as pessoas querem estar na rua", pontua a produtora.
Este ano, o Honk teve a participação de cerca de 15 blocos de fanfarras. Para realizar o evento, em 2022, o apoio do público foi crucial: foram arrecadados R$ 21 mil em um financiamento coletivo, com 391 apoiadores. "Nosso financiamento coletivo sempre tem uma participação muito expressiva. O público é bastante engajado", comenta Bruna.
Conduzir uma iniciativa deste tamanho, no entanto, tem desafios. A equipe de organização do Honk tem 15 pessoas, todas voluntárias. "Todos nós temos outro emprego em paralelo e a maioria também participa da fanfarra", dimensiona. Atualmente, existe uma discussão dentro do coletivo (que faz o Honk) para que haja alguma remuneração. Como forma de "ficar justo para que a equipe consiga realizar o evento com foco e de um jeito mais confortável", expõe Bruna. No próximo ano, estima-se que o valor do financiamento coletivo aumente, para poder subsidiar ao menos parte do trabalho de quem põe tudo de pé.
 

Rede de fãs e parceiros faz a diferença em momentos de crise

A arte foi a primeira atividade a parar e a última a voltar, uma vez que lida diretamente com público, contato e encontros. Para se entender a importância do boom cultural atual, é preciso ter em conta o quanto os negócios ligados à cadeia produtiva da cultura precisaram se reinventar nos últimos dois anos.
O Agulha, por exemplo, passou por uma repaginação para poder funcionar menos como casa de shows e mais como bar e restaurante, com cadeiras e mesas onde outrora era a pista, servindo almoços aos domingos. "Em 2021, por exemplo, nossa lotação era de 80 pessoas sentadas", conta Guilherme Thiesen, curador e um dos idealizadores da empresa. Hoje, retomada a dinâmica antiga, não é raro presenciar um show no local com o limite máximo de 300 pessoas.
A casa, que fica no bairro São Geraldo, é referência em curadoria da nova música brasileira na capital. Além da programação própria, o Agulha é parceiro de projetos como Concha, que traz artistas mulheres emergentes no cenário musical, Circuito Orelhas, patrocinado pelo Natura Musical, que leva artistas a diferentes cidades gaúchas e oferece mentorias gratuitas a artistas independentes, e as produtoras independentes Marquise 51 e Lado C, entre outros. Neste ano, já trouxe nomes como Luísa e os Alquimistas, Moreno Veloso e Bem Gil, Bala Desejo, Jup do Bairro, Ana Frango Elétrico, Curumin e Saulo Duarte, Hiran, Mc Sofia e Cristal, Gluetrip, além das locais Dingo Bells, Marmota Jazz e Catavento (Caxias). A lista é longa. A partir do momento que o público voltou a se encontrar, "todo e qualquer show, esgotamos os ingressos. Mesmo com artistas que chegam pela primeira vez no Agulha", comenta Thiesen.
"Sempre desacreditei que o digital iria ditar o mercado, mesmo antes da pandemia. Por que um evento de música é também sobre a arte do encontro, as pessoas compartilham emoção. Na pandemia, vimos que só o digital não dá conta disso", pondera. Assim que o isolamento social se instaurou, a equipe que gerencia o Agulha deu então "alguns passos para trás, para ver o que iria acontecer." O objetivo maior foi conquistado: manter os 13 funcionários contratados em regime de CLT.
Isso só foi possível graças a ações que engajaram o público do Agulha a apoiar financeiramente a sobrevivência do negócio. "Fizemos um site com classificados de artistas locais, músicos e musicistas que estavam dando aula, oficina de produção, aulas de voz, violão, etc. Criamos esse ponto de contato entre o público e os artistas." Outra ação foi criar uma loja virtual, em parceria com a marca Surreal São Paulo, para vender camisetas, pijamas, baralho, cachaça própria, cervejas, kits para fazer drinks, como forma de levar o bar até a casa das pessoas no período de isolamento.
"Vimos que, sem dúvida alguma, não fazemos nada sozinhos. Esse momento nos deu a percepção clara de que temos uma constelação viva de pessoas que foram e são impactadas pela maneira que o Agulha pensa e troca com o mundo", pondera Thiesen. "A pandemia veio nos mostrar toda a força desta rede", que culmina na festa de aniversário do bar, em agosto deste ano, que juntou cerca de 1400 pessoas no URB Stage, no bairro Navegantes. Com show da artista zambiana Sampa the Great como atração principal, o bloco carioca Minha Luz é de LED, dj set com o recifense Patricktor4, os coletivos porto-alegrenses Bronx e Turmalina, e a apresentação do grupo instrumental 8TET 4 4 com Nina Nicolaiewsky.
Mesmo com toda efervescência dos eventos culturais desde o início do ano, Thiesen observa que começa a aparecer um déficit entre oferta e demanda. Nem todas as pessoas conseguem atender a vasta oferta de eventos culturais da cidade. "Estamos vivendo um momento novo dentro do novo. Tivemos uma escalada tremenda no início do ano, mas hoje percebo que há um excesso de oferta. Eventos e shows acontecem em todo lugar, e uma economia em frangalhos. Nem todo mundo tem dinheiro para atender a tantos eventos", pondera.
 

* Roberta Fofonka é jornalista e artista. Formada pela PUCRS, foi repórter do Sul 21 e do Jornal do Comércio. Hoje, atua como freelancer e é diretora do Coletivo Grupelho.