Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Reportagem Especial

- Publicada em 28 de Agosto de 2022 às 15:29

Quando a criatividade é mais que um bom negócio

Programa RS Criativo foca no desenvolvimento do segmento da Secretaria de Cultura do Estado

Programa RS Criativo foca no desenvolvimento do segmento da Secretaria de Cultura do Estado


ANDRESSA PUFAL/JC
Tatiana Gappmayer, especial para o JC
Tatiana Gappmayer, especial para o JC
Tão diversa quanto os segmentos que abrange, a economia criativa vem se consolidando nos últimos anos como uma das mais importantes fontes geradoras de desenvolvimento, renda, trabalho, identidade e impacto social no País e no Estado. Dos saberes manuais, passados de geração em geração, e das atividades culturais ao universo da tecnologia, moda, arquitetura, design, audiovisual, publicidade e gastronomia, esse setor abrange empreendimentos que têm a criatividade como seu principal ativo e está relacionado à inovação e à propriedade intelectual, que são, atualmente, diferenciais em qualquer negócio.

O Halloween de 2020 foi escolhido para lançar a primeira ação da empresa Viva Poa

O Halloween de 2020 foi escolhido para lançar a primeira ação da empresa Viva Poa


VIVAMAIS POA/DIVULGAÇÃO JC
Mesmo sendo afetada pela pandemia de Covid-19 - principalmente na área cultural, que devido ao isolamento e às restrições sanitárias impostas no período de maior disseminação do vírus teve suas operações totalmente paralisadas -, a participação da economia criativa no PIB nacional apresentou uma elevação, passando de 2,61% em 2017 para 2,91% em 2020, somando R$ 271,4 bilhões, conforme dados do Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil 2022.
O estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), divulgado em julho deste ano, mostra o Rio Grande do Sul em sexto lugar entre os estados do País com a maior representatividade do PIB Criativo no seu PIB geral: 2,2% em 2020 (em 2017 era de 1,9%), ficando atrás de Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal, Santa Catarina e Ceará.
O levantamento aponta também que o resultado nacional positivo foi puxado pelos empreendimentos ligados à Tecnologia (Pesquisa e Desenvolvimento, Biotecnologia e Tecnologia da Informação e Comunicação) e Consumo (Design, Moda, Arquitetura e Publicidade e Propaganda).
Já os segmentos de Cultura (Patrimônio e Artes, Música, Artes Cênicas e Expressões Culturais) e Mídia (Editorial e Audiovisual) registraram uma queda significativa. Esse cenário evidencia não só as mudanças comportamentais desencadeadas pelo coronavírus, como revela a complexidade e heterogeneidade dessa área - que possui distintos níveis de profissionalização, qualificação e remuneração. Além disso, os próprios setores que fazem parte da economia criativa variam entre as pesquisas que são produzidas desde a década de 1990, quando o conceito surgiu.
As primeiras referências à criatividade, à inovação e ao conhecimento sendo abordados como ativos econômicos apareceram no Reino Unido, quando o Departamento de Cultura, Mídia e Esportes tentou traduzir esse princípio de maneira mais sistemática, detalha o estudo O Mercado de Trabalho da Economia Criativa no Rio Grande do Sul - 2006 a 2017, do Departamento de Economia e Estatística (DEE), da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do Estado (SPGG).
Antes disso, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) já tratava da relação entre os campos da cultura e da economia, assim como outras instituições internacionais começavam as investigações sobre o assunto e seus reflexos no crescimento das nações.
Vista como uma tendência desde os anos 2000, a economia criativa ganhou mais impulso no Brasil entre 2010 e 2012, com a realização de grandes debates e congressos sobre o tema e a formulação de políticas públicas pelo então Ministério da Cultura - hoje Secretaria Especial da Cultura. "Nos últimos cinco, seis anos, o segmento já vinha se intensificando e se acentuou com a pandemia. Tenho certeza que a área vai continuar (em expansão) e será a tônica para as estratégias de secretarias de Cultura e de Desenvolvimento dos municípios e estados", assinala o coordenador do mestrado em Indústria Criativa da Feevale, Cristiano Max.
Segundo o professor, há um panorama fértil no Rio Grande do Sul e nas prefeituras gaúchas para o fortalecimento do setor. "O segmento tem aparecido como destaque em discussões e planejamentos econômicos de várias cidades, como é o caso de Santa Maria, que já tem uma lei sobre o assunto e, atualmente, está construindo um território criativo (região, rua ou localidade que compartilha características culturais e tem na criatividade a ferramenta para inovar e promover empreendimentos desse segmento)", cita o coordenador. Além disso, o município  realizou um estudo que identificou o potencial do campo da música para ser fomentado.
Muitas cidades do Estado vêm tentando transformar a cultura prioritária no seu desenvolvimento, acrescenta Max. "As secretarias desse segmento estão se dando conta que, mais que incentivos, elas precisam pensar em como dar sustentabilidade para as iniciativas culturais e a economia criativa vem como um bom instrumental para que a área não perca a sua essência, mas comece a se entender como um negócio", ressalta o professor. Gramado, Novo Hamburgo e Rio Grande também estão organizando os seus territórios criativos, buscando novas possibilidades de crescimento socioeconômico.
Outro exemplo é Porto Alegre, que, em 2021, lançou o POA Criativa, programa transversal da prefeitura para o desenvolvimento dessa área, e, neste ano, o Comitê Municipal de Economia Criativa (CMEC) - que irá elaborar políticas públicas para o setor. Outras iniciativas surgiram na Capital durante a pandemia, de forma a incentivar o desenvolvimento do setor mesmo no período de crise. O Halloween de 2020 foi a data escolhida por Tamara Dias Corrêa e Evandro Santos da Costa para lançar a primeira ação da empresa Viva Poa: o passeio Lendas Urbanas.
Na noite do dia 31 de outubro daquele ano, eles guiaram um pequeno grupo pelas ruas do Centro Histórico da capital gaúcha contando histórias que fazem parte do imaginário dos porto-alegrenses. A ideia de um projeto diferente de turismo especializado na cidade e abrangendo moradores e visitantes já existia há algum tempo, mas a pandemia dos coronavírus, o isolamento e as mudanças de comportamento de consumo e na forma de viajar levaram os amigos e colegas de trabalho a pararem para formular a proposta e a colocar em prática.
A partir de pesquisas de identificação do perfil dos viajantes, que vem sendo alterado nos últimos anos, e dos pilares definidos para o Viva Poa - storytelling (contação de histórias), teatro e gameficação -, os roteiros foram estruturados. Os tours foram planejados para oferecer experiências mais interativas, dinâmicas e divertidas, para que os participantes (re)descobrissem Porto Alegre e a vivenciassem."Quando as bandeiras começaram a ser flexibilizadas, vimos que era o momento de iniciar algo nosso", relata Tamara, que é formada em Gestão de Turismo.
Nesses quase dois anos de Viva Poa, mais de 1,5 mil pessoas participaram das atividades idealizadas pela empresa. "Sempre ouvimos muito que não tinha nada para fazer em Porto Alegre e ficamos muitos felizes de ver tanto moradores como turistas interessados em saber mais sobre a cidade", comemora Costa. Em setembro, os sócios irão anunciar roteiros temáticos que durarão apenas 30 dias.

Mesa de cinema alia audiovisual e gastronomia

Projeto de Rejane (primeira à esquerda) surgiu em 2005

Projeto de Rejane (primeira à esquerda) surgiu em 2005


/mesa de cinema/divulgação/jc
A sétima arte sempre esteve presente na vida da jornalista porto-alegrense Rejane Martins. Desde a infância, nos anos 1970, ela lembra de ir com a família ver os lançamentos da Disney e de ficar com vontade de provar a comida das histórias, da maçã da Branca de Neve e os Sete Anões ao macarrão com almôndegas da A Dama e o Vagabundo. "Tínhamos uma vida humilde, minha mãe era professora primária estadual e meu pai funcionário público da área da saúde e éramos sete filhos. Nas férias, não íamos para a praia, mas o cinema era uma saída regular", revela. Talvez por isso, a ideia de "comer um filme", já estivesse em sua cabeça antes mesmo de criar o Mesa de Cinema.
O projeto, que une gastronomia e audiovisual, surgiu em 2005, primeiro como uma ferramenta de assessoria de imprensa para seus clientes e depois como um negócio criativo. A sessão inaugural ocorreu para divulgar uma pousada de São Francisco de Paula (RS). "No ano anterior, o DVD de A Festa de Babette, um clássico para aqueles que amam cinema e comida, havia sido lançado e propus um evento para as pessoas verem a trama, conversarem sobre ela e depois experimentarem pratos que remetessem à história", conta, ao relatar que o nome nasceu ali, com a proposta de elaborar um ambiente igual ao do filme: uma mesa de cinema.
Com o passar dos anos, a iniciativa passou por outros hotéis e cidades, como Gramado, e teve a participação de grandes chefs, como Claude Troisgros. "Tive o apoio do Marcelo Jacobi, que era consultor gastronômico e ajudou muito com esses contatos", enfatiza. Rejane assinala que começou a ver o Mesa de Cinema como um produto em 2007, quando ele passou a ser feito na capital gaúcha, onde ficou por dois anos e meio no Santander Cultural (hoje Farol Santander) e depois funcionou de maneira itinerante. "Uma das dificuldades quando ele virou um negócio foi a gestão comercial, pois como jornalista não tinha preparação para o empreendedorismo, fui aprendendo fazendo, sempre com parcerias", compartilha. Nessa trajetória do projeto, ele já foi realizado em São Paulo, no Rio de Janeiro, na França e eventos privados para companhias.
Como muitos empreendimentos, durante a pandemia de coronavírus, Rejane precisou reformular a iniciativa, levando-a para os meios digitais. Como ela se divide entre o Brasil e a França, as lives eram uma realidade em sua rotina e a jornalista pensou em fazer os debates do Mesa de Cinema nesse formato nas redes sociais, dando continuidade ao negócio. "Mas, se a gente ia discutir o filme por que não levar a comida até as pessoas? Fui atrás de uma empresa de catering e escolhi uma história que alia gastronomia e distribuição, o indiano Lunchbox, e foi emocionante. Em uma noite, fizemos 130 entregas, foi um carinho em um momento de isolamento", descreve.
Agora o projeto, que permanece mensal e abrange um grupo de 50 a 60 pessoas por atividade, está entrando em uma nova fase, com mudanças em sua estrutura para disponibilizar a experiência tanto no meio digital como no físico. Em junho deste ano, em vez de mandar os pratos para os participantes, Rejane organizou uma live com o jornalista e crítico de cinema Roger Lerina e com uma chef convidada para fazer uma receita ao vivo. "Escolhi o filme Toscana e todos adoraram ver o sanduíche que aparece na tela sendo feito", frisa. A partir desse retorno, a criadora do Mesa de Cinema decidiu agregar aos eventos o envio de um kit com produtos relacionados ao tema do mês e uma comida pronta.
As lives com degustação devem ser mantidas por Rejane, pois elas têm um custo mais acessível para o público e para serem concretizadas. Outra modalidade do projeto que ainda está sendo desenhado pela jornalista é ir até a casa de um chef, fazer da cozinha dele um cenário para as lives e para a preparação de uma receita e continuar enviando os kits. "A primeira transmissão nesse modelo será em um restaurante em São Paulo, em agosto. Em setembro, essa versão híbrida deve entrar em cena", adianta. Nesses 17 anos, cerca de 160 eventos foram efetuados, incluindo os da pandemia e os corporativos.
 

Loja Paralela Sebrae Concept abre no RS

Daniela coordena o espaço aberto em julho deste ano no Mercado Paralelo no 4º Distrito de POA

Daniela coordena o espaço aberto em julho deste ano no Mercado Paralelo no 4º Distrito de POA


ANDRESSA PUFAL/JC
Promover o encontro entre obras, produtos e serviços e os consumidores é um dos desafios dos empreendedores do segmento criativo ressaltado pela gestora de projetos de Moda do Sebrae-RS, Daniela Machado. O acesso aos canais de divulgação e comercialização e a retomada das atividades no meio físico depois de dois anos e meio devido à pandemia de coronavírus, segundo ela, são também dificuldades percebidas nesse setor e em tantos outros.
"Os empresários têm que rever suas estratégias para oferecer experiências diversas com suas marcas em ambientes virtuais e presenciais", afirma. Daniela observa que, como muitos empreendedores acabam focados no desenvolvimento do produto final, eles não conseguem perceber todos os elementos que permeiam o seu negócio, como análise do mercado e de canais de contato, negociação, importância dos relacionamentos comerciais, formação de preço, logística e fluxo de caixa.
Nesse sentido, a qualificação para atuarem como empresa mostra-se essencial, bem como a existência de espaços de troca com pessoas que estão vivendo a mesma situação ou já passaram por ela. A Loja Paralela do Sebrae Concept, aberta em julho deste ano no Mercado Paralelo no 4º Distrito de Porto Alegre, foi idealizada para ajudar os empreendedores com a questão da comercialização de seus produtos e com a conexão com os clientes.
"O ambiente, que tem cerca de 60 metros quadrados, é compartilhado por cinco companhias, em média, que podem aprender na prática a como proporcionar experiências relevantes de consumo para o seu público", explica Daniela, que é uma das criadoras e gestoras da proposta, em conjunto com Francine Danigno, também do Sebrae-RS.
A curadoria das marcas, que são alteradas mensalmente, é feita pelas gestoras e envolve negócios de moda, gastronomia e design de todo o Estado que dividem a loja pop-up. Os produtos desses empreendimentos, detalha Daniela, são utilizados para disponibilizar um lugar aconchegante para os visitantes e definir uma jornada interessante dentro do espaço. A iniciativa do Sebrae-RS, que tem a parceria do Mercado Paralelo, deve durar um ano, com a possibilidade de ser mantida de acordo com a resposta do mercado. As inscrições para participar do projeto podem ser feitas a partir do perfil @alojaparalela no Instagram. O ambiente funciona de terças-feiras a domingo, das 11h às 20h.
 

Odabá impulsiona e insere no mercado negócios de afroempreendedores

Alyne comemora resultados obtidos

Alyne comemora resultados obtidos


/ODABÁ/DIVULGAÇÃO JC
Empoderar o povo negro do Brasil por meio do empreendedorismo é a missão da Odabá Associação de Afroempreendorismo, que desde 2018 atua no fortalecimento e desenvolvimento econômico de iniciativas de segmentos como o da moda, comunicação, gastronomia, cinema, artes e de serviços de saúde, jurídicos e financeiros. A entidade, que conta com 80 integrantes, trabalha com três eixos: o da qualificação para manter os associados atualizados e inovando, o da eliminação de crenças limitadoras, que aborda a questão do merecimento, pertencimento e de representatividade, e o da valorização da produção cultural - seja pela música, dança, comida ou outras manifestações artísticas.
A Odabá, que no idioma iorubá significa empresário, tem sua origem ligada ao projeto Brasil Afroempreendedor, que mapeou negócios comandados por negros e resultou na criação da rede nacional Reafro, em 2016. "Dentro da Reafro, identificamos que existiam necessidades específicas no Rio Grande do Sul que não podiam esperar decisões nacionais e, por isso, a nossa entidade nasceu para disponibilizar ferramentas para que os empreendedores possam crescer e ter oportunidades no mercado", explica a executiva comercial da associação, Alyne Jobim, que é também CEO da Iwosan, empresa de jalecos e uniformes afrocentrados.
Entre os desafios dos afroempreendedores, Alyne destaca, além da qualificação, a digitalização para conseguir escala nos negócios, a inovação, a falta de capital de giro e de acesso ao crédito e a abertura do mercado para esses profissionais. "Queremos que as pessoas não empreendam apenas por uma necessidade, mas que tenham uma estrutura que permita contratar mais negros", afirma.
A executiva comercial detalha que a Odabá atua ainda para que seus integrantes possuam sustentabilidade dentro de suas iniciativas e para isso dão apoio jurídico, contábil, na precificação e na negociação. "Desejamos também que esses empreendedores estejam dentro da cadeia produtiva de grandes companhias", assinala.
Ao ingressarem na Odabá, os associados podem escolher três entre as mentorias oferecidas e decidir se querem colocar o seu produto ou serviço no marketplace da entidade e no catálogo que é utilizado para apresentar os negócios ao mercado. Os cursos de marketing, finanças e planejamento estratégico ou comercial são os mais procurados pelos integrantes, conforme Alyne. Ela acrescenta que o marketplace é um espaço que auxilia os empresários a digitalizarem seus empreendimentos e que foi uma saída para muitos durante a pandemia.
O Afro'N'Talks é mais uma das atividades da associação. "O evento mensal tem protagonismo negro tanto na sua organização como na participação no palco", revela a executiva comercial.
Realizado no Instituto Caldeira, em Porto Alegre, o talk show é temático e dividido em quatro momentos: o da entrevista com convidados, o do Black Money (quando um afroempreendedor apresenta sua empresa), o do Griô (que aborda o tema da ancestralidade) e a apresentação cultural. Além disso, simultaneamente, acontece uma feira com a participação dos integrantes da entidade.
Entre as ações da Odabá, estão ainda o suporte para o desenvolvimento de projetos para editais e a seleção e recrutamento intencional, no qual a associação vai até as comunidades próximas das companhias que contratam a entidade para encontrar pessoas negras para as vagas de trabalho abertas. "Buscamos esses profissionais junto com Ongs e, se for preciso, nós os qualificamos. Somos muito procurados pelas empresas que querem contratar esses empreendedores e nós estamos atrás de companhias dispostas a construir um universo corporativo mais diverso", descreve Alyne. Outro serviço disponibilizado é a preparação dessas empresas para receberem os afroempreendedores, que são os cursos de letramento. E, em breve, deve ser lançada a plataforma digital Odabá Academy, que reunirá programas voltados para os seus integrantes e também para companhias.

Desafios são diversos

Max considera a formação um dos principais desafios da atividade

Max considera a formação um dos principais desafios da atividade


/FEEVALE/DIVULGAÇÃO JC
Apesar de reunir áreas com diferentes níveis de desenvolvimento e de profissionalização, muitas das barreiras enfrentadas pelos empreendedores da economia criativa são as mesmas e passam por qualificação, ampliação do mercado para produtos e serviços, acesso a financiamentos e falta de políticas públicas específicas.
Para o professor e coordenador do mestrado em Indústria Criativa da Feevale, Cristiano Max, a formação é um dos desafios que atravessa esse segmento. Hoje, com o reflexo da pandemia, as graduações mais atingidas - com redução no número de alunos - são as relacionadas à criatividade, como fotografia, design gráfico e outras, destaca.
Para se ter um profissional qualificado, a preocupação nesse sentido deve começar antes já no Ensino Médio, com a oferta de cursos ligados à economia criativa. Max avalia que no Estado essas instituições educacionais ainda não veem as atividades desse setor como uma profissão séria. "Há vários cursos técnicos de Engenharia, Elétrica, Administração, Química, mas não de Música, Literatura ou Audiovisual. Nesses campos, existem oficinas e projetos de reflexão e valorização, porém não têm uma visão de negócios", analisa.
O estudo Mapeamento dos Cursos Profissionalizantes de Ensino Médio nos Setores Criativos Ofertados nas Escolas Públicas do Rio Grande do Sul, efetuado pelo Grupo de Indústrias Criativas da Feevale e que é ligado ao mestrado coordenado pelo professor, identificou, a partir de informações da Secretaria Estadual de Educação de 2021 e do Censo Escolar de 2017 e 2020, que são disponibilizados nesses colégios 224 cursos de áreas não relacionadas à criatividade e apenas 35 vinculados.
As iniciativas criativas são como sementes que não irão germinar sozinhas, compara a professora do curso de Moda e do Centro de Design da Feevale, Renata Fratton Noronha. "Elas precisam de políticas públicas para que as ideias vinguem, se tornem maiores e, no futuro, gerem empregos e renda", pontua.
A professora defende que sem apoio esses empreendedores não conseguem, muitas vezes, continuar seus negócios e por isso a importância de contar com lugares de fomento, de hubs, como o RS Criativo, programa de desenvolvimento do segmento da Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul, e espaços de visibilidade, como as feiras. "Linhas de crédito e estabelecer redes são outros desafios desse setor", complementa.
A informalidade e a dificuldade dos empreendedores se reconhecerem como um negócio criativo são, na opinião da coordenadora do RS Criativo, Carolina Biberg, outros empecilhos para a ampliação da área, especialmente no campo da cultura.
"As pessoas precisam entrar em um ritmo de empresa e olhar para o que fazem como um empreendimento", salienta. Expandir a circulação de produtos e serviços, chegando a distintos públicos, ampliar o mercado e digitalizar e internacionalizar as iniciativas são outros obstáculos a serem derrubados para incentivar a economia criativa, acrescenta a coordenadora.

Identidade, propósito e metaverso: novas fronteiras para os criativos

Renata destaca cases gaúchos

Renata destaca cases gaúchos


/Nicolas Marcon/Divulgação JC
A economia criativa traz também identidade para os empreendimentos, afirma a professora do curso de Moda e do Centro de Design da Feevale, Renata Fratton Noronha. "O Rio Grande do Sul tem cases interessantes nesse setor com lã, pedras preciosas e com o resgate da cultura africana e indígena, que sempre ficou silenciada", salienta. Nesse sentido, ela comenta sobre o trabalho que vem sendo feito com o vinho e o azeite na região da Campanha, que está investindo no turismo com visitações aos produtores, mesma prática adotada pela cadeia da lã.
Renata observa que mesmo dentro de clusters mais tradicionais estão surgindo negócios criativos e sustentáveis, como no coureiro calçadista, no Vale dos Sinos. "Lembrei da Sapato sem Nome, que utiliza tecidos de descartes ou de roupas usadas para fazer peças novas", exemplifica. Ela complementa que o segmento de pedras preciosas tem sido outro a seguir uma trilha mais autoral, com diferentes itens sendo desenvolvidos a partir desses materiais, que anteriormente eram destinados, em grande parte, para a exportação. "Quando se vê algo regional, específico e que ainda conta uma história, isso é um ponto de virada (para as iniciativas) e que passa a ser reconhecido", argumenta.
Os consumidores estão ainda cada vez mais atentos aos propósitos e ao discurso de marca coerente das companhias, especialmente o público mais jovem, o que deve ter impactos significativos no mercado, reforça Renata, que é uma das coordenadoras da pesquisa de tendências Prevers, realizada pelo Centro de Design e pelo Laboratório de Criatividade da Feevale e apoiada pela Secretaria Estadual da Cultura, através do programa RS Criativo. Com a previsão de lançar a segunda edição em novembro deste ano, a professora aponta que o relatório confirma alguns pontos apurados no levantamento de 2021 e indica novos campos que terão uma rápida expansão.
O estudo enfatiza a importância do phygital (do inglês físico e digital) para os empreendimentos, que apareceu na pesquisa do ano passado. "É algo que veio para ficar, é difícil pensar em empresas - pequenas ou grandes - que não tenham esses dois braços", pondera a coordenadora. Temas como a geração prateada, pessoas acima de 50 anos, e ligados às questões femininas são outros que permanecerão em evidência. Porém, a palavra que mais tem aparecido em 2022, adianta Renata, é metaverso.
"Parece uma realidade paralela, mas metaverso e NFT (um tokien não fungível, da sigla em inglês, que é um bem virtual, como uma obra de arte, uma roupa, música, memes etc) estão entre nós e vêm sendo cada vez mais usados e difundidos, principalmente nas companhias de fundo tecnológico, mas que já está acontecendo na moda", frisa. De acordo com a professora, no pós-pandemia as áreas tecnológicas surgem com força, com uma procura crescente por profissionais que atuam com user experience (UX, experiência de usuário), design e tecnologia.

RS Criativo capacita e fomenta empreendedores da área no Estado

Carol destaca que foi há três anos que o programa tomou a proporção que tem hoje

Carol destaca que foi há três anos que o programa tomou a proporção que tem hoje


ANDRESSA PUFAL/JC
Cercados por obras do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (Macrs), inspiração e formação não faltam para os incubados do RS Criativo. O programa da Secretaria Estadual da Cultura oferece mentorias, cursos e acompanhamento diário para que seus participantes possam alavancar seus negócios. Instalado no terceiro andar da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre, o hub conta ainda com um espaço de coworking, salas de reuniões e um ambiente para a troca de ideias entre pessoas de diferentes segmentos.
A capacitação e residência é um dos cinco eixos da iniciativa que desde 2019, quando foi lançada no formato atual de trabalho, teve 38 empreendimentos incubados - 18 no I Ciclo e 20 no II Ciclo, que encerra no final do ano - e 270 horas de formação e contribuiu para a qualificação de 9,5 mil negócios. Além disso, o edital de 2022 foi reformulado, passando de 100 horas de capacitação para 500 horas e de cinco meses de duração para 12 meses, assim como abriu cinco vagas exclusivas para criativos do Interior.
Com maior foco no setor cultural, o projeto atua também nas áreas de Observatório, com o estímulo e divulgação de pesquisas, Promoção e Investimento, centrada na identificação de financiamentos e editais, Mercado e Circulação, para expandir o alcance dos produtos e serviços, e Territórios Criativos, que apoia e incentiva os municípios a elaborarem seus programas de economia criativa.
Com três anos completados em 28 de julho, a iniciativa realiza ações que contribuem para fomentar o potencial do Rio Grande do Sul nesse campo e levar para todo o território gaúcho a conscientização sobre a importância da economia criativa para o desenvolvimento socioeconômico e sustentável do Estado, explica a coordenadora do projeto, Carolina Biberg.
O RS Criativo nasceu de uma política do Ministério da Cultura, de 2012, que tinha o objetivo de, por meio de convênios com as distintas regiões do País, abrir hubs de economia criativa pelo Brasil. "No Rio Grande do Sul, havia atividades pontuais ao longo do tempo, mas foi há três anos que o programa ganhou o escopo que tem hoje", frisa Carolina. Estratégica e transversal, trabalhando em conjunto com outras secretarias do governo gaúcho, a iniciativa vem buscando abrir novos mercados para os empreendimentos e incrementar a abrangência deles, relata a coordenadora.
Essa união entre os órgãos estaduais possibilitou, assim como outras medidas, a definição de um modelo operacional para o segmento e o estabelecimento dos setores que seriam atendidos por ele: Cultura, Mídia, Tecnologia (incluindo o campo de pesquisas) e as Criações Funcionais, que englobam arquitetura, design, publicidade e propaganda, moda e gastronomia. "A partir desse formato, temos olhado para o Rio Grande do Sul e tentado potencializar a área e fazer com que as pessoas, especialmente as da Cultura, se reconheçam como parte dessa cadeia e saiam da informalidade", salienta. A economia criativa tem, na opinião da coordenadora, uma perspectiva de crescimento no Rio Grande do Sul, com muitos talentos espalhados por Porto Alegre e pelo Interior.
Para chegar a mais lugares e impulsionar os municípios a elaborarem planos e leis que auxiliem no desenvolvimento dos empreendedores locais, o RS Criativo conta com ações como as caravanas de capacitação, que em agosto devem atender a nove cidades de distintas regiões do Estado, comenta Carolina.
"Mas, não adianta chegarmos com a nossa formação, as pessoas participarem e não ter uma continuidade", reforça. No mesmo mês, foi lançada uma jornada online sobre Territórios Criativos para gestores das prefeituras, que utiliza uma metodologia idealizada pelo grupo de trabalho composto pelas secretarias de Cultura; Turismo; Planejamento, Governança e Gestão; Inovação, Ciência e Tecnologia e da Educação.
A ferramenta, segundo a coordenadora, ajuda a identificar quais são os potenciais criativos das regiões. "Porto Alegre foi a primeira localidade a aplicar esse método para coletar dados e identificar os segmentos mais pujantes da economia criativa e pensar em políticas que possam ser adotadas para promover esses setores. Novo Hamburgo e Torres também estão usando a metodologia", pontua. Carolina lembra que em todos os municípios há artesãos, alguém fazendo algo diferente com gastronomia, música, moda, trazendo a sua cultura para os produtos e serviços. "A gente sabe que a economia criativa se multiplica, por trabalhar com autoralidade, com sustentabilidade e com diversidade. É uma economia com uma expectativa de expansão no Estado. Mesmo com o baque da pandemia, ela é uma das áreas que mais cresce", pondera.
O RS Criativo é responsável ainda pelas feiras da Casa de Cultura Mario Quintana e pelo Vitrine, iniciativa que disponibiliza um ambiente no térreo do prédio para que empreendedores ocupem o lugar e comercializem suas criações. Por ano, são selecionados quatro negócios, que permanecem ali por três meses cada um. "Estamos fomentando o ecossistema do centro cultural, com a chegada de novas operações, como livraria, restaurante e café e, em breve, teremos uma loja de objetos de arte e design, para que a casa se torne um espaço de economia criativa", destaca a coordenadora.
 

Residentes do RS Criativo diversificam seus negócios

Natalia destaca importância da moda circular e sustentável, que envolve de brechós a peças e marcas autorais

Natalia destaca importância da moda circular e sustentável, que envolve de brechós a peças e marcas autorais


/BRICK DE DESAPEGOS/DIVULGAÇÃO JC
Uma das mais tradicionais feiras de Porto Alegre começou, em dezembro de 2011, com uma mudança de casa. Quando a publicitária Natalia Souza Guasso estava organizando suas coisas para ir para o novo endereço percebeu que tinha muitas roupas e pensou em chamar umas amigas e realizar um desapego.
“Foi um sucesso e segui fazendo sem nenhuma pretensão de ser um negócio”, recorda. Ali nascia o Brick de Desapegos e o interesse de Natalia em saber mais sobre consumo na moda e sustentabilidade. “Foi algo precursor, porque há 11 anos não havia esse tipo de evento na cidade, não se falava em moda circular e nem havia essa cultura de valorização dos brechós, foi uma construção”, assinala.
Foi abordando esses temas nas redes sociais que outras pessoas chegaram até Natalia querendo participar da feira, que ocorria em lugares fechados e depois ganhou as ruas da capital gaúcha. A João Telles, no Bom Fim, foi o local escolhido para a primeira edição do Brick de Desapegos ao ar livre, que teve mais de cinco mil visitantes circulando pelo evento.
“Naquele momento, a gente percebeu o potencial da nossa ideia e que ela era importante não só por gerar renda e movimentar Porto Alegre, mas para ajudar o mundo, pois ela tem um impacto social e ambiental. Foi ali que entendemos o Brick como negócio e me demiti da agência onde trabalhava para viver disso e fomentar essa área”, conta. No início, Natalia tinha uma sócia, Sara Cadore, que hoje está à frente da loja Casa de Desapegos.
No final deste ano, o projeto completa 400 edições – desde a sua criação, houve pelo menos uma feira ao mês, com uma quantidade de participantes que varia de acordo com a estrutura do lugar onde ela acontece. “Além de garimpar roupas, garimpamos espaços legais. A proposta de ocupar as ruas era para ser uma ação mais democrática e alcançar um público maior. Desde o começo, tenho trabalhado com parcerias, apoios e conexões para ir a locais inusitados”, revela. Atualmente, o tíquete-médio do Brick de Desapegos gira em torno de R$ 800,00 a R$ 1mil, por feira, para aqueles que vivem disso.
Natalia enfatiza que fazem parte dos eventos tanto pessoas físicas (que querem desapegar de algumas peças e têm outro objetivo e precificação) como jurídicas (que são as que só vendem seus itens em feiras ou quem tem loja física e participa desse tipo de atividade) e aquelas que possuem brechós online.
Na última década, a empresa cresceu e ampliou a sua abrangência, criando novos braços de atuação, como a Escola Brick de Desapegos, lançada este ano e que oferece cursos de capacitação e profissionalização para empreendedores do segmento de moda circular e sustentável, que envolve brechós, upcycling (reutilização e desenvolvimento de novas peças a partir de materiais usados) e marcas autorais. “Ela surge também para que as pessoas entendam a importância desse negócio, que é possível viver dele e para falar com o público em geral sobre essa moda que acreditamos”, diz.
As aulas ocorrem uma vez por mês na Casa de Cultura Mario Quintana, onde Natalia é residente do RS Criativo e tem o suporte e a estrutura do programa da Secretaria Estadual da Cultura. Para abrir novos canais de comercialização para os integrantes desse setor, o Brick dos Desapegos conta ainda com uma loja temporária e deve iniciar, até dezembro, o seu marketplace.

Ampliar leque de serviços é diferencial

Bretanha diz que não queria mais depender das oscilações do mercado

Bretanha diz que não queria mais depender das oscilações do mercado


ANDRESSA PUFAL/JC
Dar um passo além com seu empreendimento, expandindo e diversificando o leque de serviços que disponibiliza, era também o objetivo do jornalista e músico Francisco Bretanha ao se inscrever no edital do RS Criativo. “Não queria mais depender muito das oscilações do mercado e buscava me institucionalizar, ter contato com as áreas culturais, entender como funcionam e, assim, sair dessa relação empresário e casas de show, prefeituras e feiras”, descreve.
Com 26 anos de experiência no segmento musical, ele é diretor da Bretanha Produções que trabalha com agenciamento de artistas solos, atendimento 360º (cuidando do show, estratégia de desenvolvimento, lançamento e videoclipe), booking (agenciamento de shows de artistas parceiros de gêneros com os quais não costuma atuar – seu foco é o pop rock) e assessoria de imprensa.
Com a pandemia de coronavírus, Bretanha entrou no campo de produção de lives. “Encontrei um outro nicho, oferecendo serviços operacional e cultural para as empresas. Fiz lives de debates e com bandas de música”, acrescenta. Agora, como incubado do RS Criativo, ele tem aprendido e trocado ideais com mentores e residentes para elaborar novos projetos em outros setores.
“Tenho interesse, no futuro, em ingressar na área de formação, passar o meu conhecimento, dar aulas ou cursos”, adianta. Ele ressalta ainda que novas conexões e oportunidades de trabalho surgem no contato com os outros participantes do hub, unindo segmentos de conhecimento diferentes.
Conforme Bretanha, fazer parte da incubadora e dos seus cursos tem feito com que ele olhe de uma maneira distinta para questões como gestão, ver o negócio como um todo e como conseguir mais alcance. Para o empreendedor, que fez também o curso de produtor cultural e gosta de entender como essa área movimenta a sociedade e transforma vidas, a criatividade é lucrativa, mas possui desafios.
“Na música, a qualificação dos profissionais, formação do público, valorização dos artistas e a falta de políticas públicas são algumas dessas dificuldades a serem enfrentadas”, frisa.

* Tatiana Gappmayer é jornalista formada pela Pucrs, tem especialização em Jornalismo Digital também pela Pucrs, atua com produção de conteúdo on e offline e é criadora do @pelacidadebaixa.