Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Reportagem Especial

- Publicada em 14 de Agosto de 2022 às 15:00

Exportações gaúchas sofrem com o descompasso da economia argentina

Oscilação cambial no país vizinho tem se intensificado nas últimas semanas

Oscilação cambial no país vizinho tem se intensificado nas últimas semanas


LUIS ROBAYO/AFP/JC
Iuri Müller, especial para o JC*
Iuri Müller, especial para o JC*
No dia 27 de junho, em meio a uma série de medidas que buscavam conter o desequilíbrio cambiário no país, o Banco Central da República Argentina publicou uma resolução que, desde então, passa a repercutir nas importações do país vizinho e nas exportações brasileiras. Desde a publicação da resolução até o final de setembro, a Argentina passa a liberar o pagamento das mercadorias importadas sem licença automática apenas depois de 180 dias da transação. O anúncio das medidas, e a disposição da norma em prática, impacta no trânsito comercial entre os dois países e ressoa diretamente na produção do Rio Grande do Sul.

Terceiro maior destino das exportações do Rio Grande do Sul no ano de 2021, com 4,9% do valor total exportado e atrás apenas da China (com 37,1% do total) e dos Estados Unidos (8,4%), a Argentina é um dos principais roteiros de envio do que é produzido no Estado.
A importância do destino sul-americano para as vendas gaúchas se tornou ainda mais expressiva em 2022, acompanhando o crescimento das exportações em âmbito geral. Em maio deste ano, segundo dados da Fiergs (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul), a Argentina foi o país que mais comprou produtos industrializados em terras gaúchas,  principalmente devido à venda de automóveis, autopeças, máquinas agrícolas e calçados para o mercado argentino.
As recentes restrições econômicas, porém, podem complicar um panorama que se mostrava promissor para os meses por vir, com índices otimistas que surgiam para diversos setores da economia gaúcha. "É importante inicialmente dizer que a Argentina é um importante parceiro para a indústria do Rio Grande do Sul, e isso não se dá em uma via de mão única", relata à reportagem André Nunes, economista-chefe da Fiergs.
"É uma integração produtiva que existe entre os dois parques industriais, de forma que produzimos, por exemplo, autopeças e importamos veículos, e o mesmo ocorre no sentido contrário. Existe uma integração no setor de máquinas e equipamentos e veículos automotores, de tal forma que essa medida tomada pela Argentina atrapalha muito a operação das empresas daqui", completa ele.
Para Nunes, as restrições geram descompasso de caixa, incerteza em relação ao recebimento de produtos e dificuldade de planejar a produção [no Brasil]. Não só atrapalha no que diz respeito à exportação, mas também pela produção que se faz para o mercado interno, no mercado brasileiro e do Rio Grande do Sul.
 
{'nm_midia_inter_thumb1':'https://www.jornaldocomercio.com/_midias/jpg/2022/08/11/206x137/1_000_32gc2mz-9720982.jpg', 'id_midia_tipo':'2', 'id_tetag_galer':'', 'id_midia':'62f564e302b7a', 'cd_midia':9720982, 'ds_midia_link': 'https://www.jornaldocomercio.com/_midias/jpg/2022/08/11/000_32gc2mz-9720982.jpg', 'ds_midia': ' Empresas - Argentina  Members of social organizations protest at Plaza de Mayo square in front of Casa Rosada Presidential Palace in Buenos Aires on August 10, 2022, demanding better wages and more jobs and a meeting with Argentina's new economy minister Sergio Massa. - Argentina has suffered years of economic crisis, with some 37 percent of its population now living in poverty. Inflation for the first half of this year alone topped 36 percent, and is predicted to reach 80 percent by the year's end. (Photo by Luis ROBAYO / AFP)', 'ds_midia_credi': 'LUIS ROBAYO/AFP/JC', 'ds_midia_titlo': ' Empresas - Argentina  Members of social organizations protest at Plaza de Mayo square in front of Casa Rosada Presidential Palace in Buenos Aires on August 10, 2022, demanding better wages and more jobs and a meeting with Argentina's new economy minister Sergio Massa. - Argentina has suffered years of economic crisis, with some 37 percent of its population now living in poverty. Inflation for the first half of this year alone topped 36 percent, and is predicted to reach 80 percent by the year's end. (Photo by Luis ROBAYO / AFP)', 'cd_tetag': '1', 'cd_midia_w': '800', 'cd_midia_h': '532', 'align': 'Left'}
Crescem os atos de protesto na Argentina. LUIS ROBAYO/AFP/JC
A Fiergs afirma que "observa com preocupação" o momento da economia argentina, visto que as medidas anunciadas em junho para conter o desequilíbrio do câmbio, com a disparada do dólar, principalmente no mercado paralelo, não são inéditas e já tiveram espaço em outros cenários de crise e sob outros governos.
Um dos setores diretamente afetados pelo adiamento do pagamento relativo às exportações é o calçadista, que mantém no Rio Grande do Sul, historicamente, um dos seus polos mais fortes - e justamente em um semestre que contemplava números altos nas vendas do setor. Segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados, a Abicalçados, as exportações cresceram tanto em volume (31,3% a mais) como em receita (aumento de 67,5%) no comparativo com o primeiro semestre de 2021, apresentando uma curva de recuperação do desgaste gerado pela pandemia do coronavírus.
A Argentina foi o segundo principal destino dos calçados brasileiros e gaúchos do atual semestre, com a compra de 8,2 milhões de pares de calçados e receita que ultrapassou os US$ 90 milhões, de acordo com as informações da Abicalçados; o país só esteve atrás dos Estados Unidos na lista mais recente dos compradores da indústria calçadista.
Para o segundo semestre, no entanto, a manutenção desses números se mostra ameaçada pelas restrições econômicas levadas adiante pelo governo de Alberto Fernández e que devem se estender ao menos até fins de setembro.
"Com o adiamento de 180 dias é muito difícil, para não dizer impossível, que a indústria brasileira calçadista consiga financiar esse prazo. Até entendemos os motivos que levaram o Banco Central argentino a tomar essa medida, mas certamente irá prejudicar as exportações feitas a partir do dia 28 de julho", afirma Haroldo Ferreira, presidente da Abicalçados. Para Ferreira, o impacto, em números, ainda não pode ser medido com precisão pelo setor, ainda que o "gap" entre a confirmação da exportação e a liberação dos dólares tenha causado surpresa imediata no empresariado local.
O protagonismo do país vizinho no mapa do comércio exterior é destacado por Haroldo Ferreira, que detalha os números recentes das exportações brasileiras para o lado argentino do Rio da Prata: "a Argentina é historicamente o segundo destino dos produtos brasileiros do setor. Em termos de volumes de pares, esse primeiro semestre representou 10,9% de toda a exportação brasileira e 3,9% em valores. É o segundo destino e cresceu do ano passado para cá; a participação e o preço médio também aumentaram. As exportações estavam puxando o crescimento da indústria gaúcha e nacional no ano de 2022, de modo que, se as medidas perdurarem por mais tempo, entendemos que pode haver um impacto importante".
 
{'nm_midia_inter_thumb1':'https://www.jornaldocomercio.com/_midias/jpg/2022/08/09/206x137/1_000_32fx6ml-9716493.jpg', 'id_midia_tipo':'2', 'id_tetag_galer':'', 'id_midia':'62f29f7655c5c', 'cd_midia':9716493, 'ds_midia_link': 'https://www.jornaldocomercio.com/_midias/jpg/2022/08/09/000_32fx6ml-9716493.jpg', 'ds_midia': ' Um dos setores diretamente impactados pelo adiamento do pagamento relativo às exportações é o calçadista, que mantém no Rio Grande do Sul, historicamente, um dos seus polos mais fortes', 'ds_midia_credi': 'luis robayo/AFP/jc', 'ds_midia_titlo': ' Um dos setores diretamente impactados pelo adiamento do pagamento relativo às exportações é o calçadista, que mantém no Rio Grande do Sul, historicamente, um dos seus polos mais fortes', 'cd_tetag': '1', 'cd_midia_w': '800', 'cd_midia_h': '532', 'align': 'Left'}
Para o segundo semestre, no entanto, a manutenção desses números se mostra ameaçada pelas restrições econômicas levadas adiante pelo governo de Alberto Fernández. LUIS ROBAYO/AFP/JC
A preocupação de que as restrições econômicas em nível internacional possam estremecer a produção do setor e a dúvida sobre a extensão das medidas argentinas ao longo do calendário fizeram com que a diretoria da Abicalçados se mobilizasse junto a autoridades dos dois países. No começo de julho, a associação encontrou-se com a Comissão do Mercosul e de Assuntos Internacionais da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e com o cônsul-geral da Argentina no Estado, Jorge Perren; ainda em julho, no dia 18, Haroldo Ferreira reuniu-se em Brasília com o ministro da Economia do governo federal, Paulo Guedes, a fim de discutir o teor e os efeitos da nova condição. Ferreira, no entanto, ressalta que o Brasil "não pode atuar diretamente" sobre uma medida autônoma do Banco Central da República Argentina.
"Nós já estávamos enfrentando problemas com a Argentina porque o calçado deixou de ter licença automática [para a importação argentina] e passou para a categoria de não automática. Em outros anos, tivemos alguns problemas, mas com questões diferentes das que se apresentam agora. O nosso sentimento é de que agora a situação da Argentina é mais delicada, então estamos mais apreensivos com essa condição atual. É uma situação de aperto monetário", relata Haroldo Ferreira a respeito da crise cambiária do país vizinho.
Outro dos setores que se relaciona diretamente com a compra e venda com a Argentina é o de veículos. A Anfavea, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, divulgou um boletim em que comenta o crescimento das exportações nos primeiros meses de 2022 como a condição que garantiria um leve crescimento para o setor, apesar dos fracos índices registrados no mercado interno.
No documento relativo ao mês de junho, a associação menciona a crise cambiária argentina e afirma que "a boa notícia do semestre foi a recuperação das exportações, a despeito da crise na Argentina". Em contrapartida, de acordo com a entidade, países como Colômbia, Chile, Peru, México e Uruguai ampliaram as compras de veículos automotores brasileiros no primeiro semestre do ano.
"A indústria do Rio Grande do Sul abastece muito a indústria argentina em produtos de base. Há também a parte de veículos automotores, máquinas e equipamentos, produtos de borracha e plástico, entrando como componentes na produção argentina; ainda produtos de metal com grande importância em termos de participação. Por fim, couro e calçados, em termos de produtos de consumo. Grande parte da exportação para a Argentina acaba sendo de meio de cadeia, essenciais para o funcionamento da economia e a indústria daquele país", descreve o economista André Nunes sobre o trânsito comercial entre o Rio Grande do Sul e a Argentina.
 

A cronologia crise na Argentina

Em junho, o índice inflacionário mais alto das últimas décadas.

Em junho, o índice inflacionário mais alto das últimas décadas.


JUAN MABROMATA/AFP/JC
A primeira ocorrência-chave para se entender a atual instabilidade na Argentina teve lugar na cena política em 2 de julho. Naquela data, o então ministro da Economia, Martín Guzmán, que acompanhava o presidente Alberto Fernández desde o começo do mandato, anunciou a sua renúncia ao cargo. A situação econômica do país oscilava perigosamente há semanas, tendo registrado, em junho, o índice inflacionário mais alto das últimas décadas. O país também começava a enfrentar problemas de abastecimento em setores pontuais e, semanas antes da saída de Guzmán da equipe de ministros, decretado um aumento na taxa básica de juros.
Dois dias depois, em 4 de julho, Fernández nomeou a economista Silvina Batakis, com o aval de Cristina Kirchner, para o posto que Guzmán havia deixado vazio. Batakis, no primeiro discurso após a posse, disse defender o equilíbrio fiscal, prometeu estabelecer diálogo com os empresários e produtores e tratar de entender e enfrentar a inflação que crescia no país com "um olhar integral". Mas, naqueles dias, mesmo com a definição de mudanças para a Economia, a Argentina observou, não sem sustos, uma escalada na cotação do dólar, tanto no registro oficial como no índice paralelo, que regula parte das operações comerciais. O chamado dólar blue, que já passava dos 250 pesos argentinos, superaria a barreira dos 300.
Vinte dias após a posse, Silvina Batakis viajou aos Estados Unidos para se reunir com diretores do FMI e do Banco Mundial. Tanto a viagem como as conversações internacionais procuravam pacificar os discursos dentro e fora do país a respeito da instabilidade econômica e do acordo vigente entre a Argentina e o Fundo Monetário; no entanto, tudo seria breve para Batakis à frente da pasta de Economia. Poucos dias após o retorno da comitiva que havia viajado a Washington, Alberto Fernández anunciaria o terceiro nome para o ministério em pouco mais de um mês; em 3 de agosto, tomava posse na Casa Rosada o então presidente da Câmara dos Deputados, Sergio Massa, líder da Frente Renovadora - um nome mais próximo ao centro na política argentina e ao menos em aparência distanciado dos maiores conflitos do peronismo. Massa assumiria não apenas a liderança da Economia, mas também das áreas de Agricultura, Desenvolvimento Produtivo, Pecuária e Pesca. A imprensa argentina chamou a nova pasta de superministério.
A opção por Sergio Massa foi vista por parte da análise política como um gesto que buscava a sobrevivência política do governo Alberto Fernández, que havia assumido, em dezembro de 2019, com uma vitória ainda no primeiro turno contra o principal concorrente, Mauricio Macri, que naquele pleito buscava a reeleição. Desde então, tanto as dificuldades internas (o ruído com os setores ligados a Cristina Kirchner, a insatisfação de movimentos populares que cobram principalmente medidas de distribuição de renda para a população) como o cenário internacional e a instabilidade econômica desgastaram um governo que, faltando pouco mais de um ano para o final do mandato, via-se perigosamente enfraquecido.
Os desafios políticos do governo Alberto Fernández mostram-se desde então tão urgentes como complicados: com Sergio Massa como o principal nome da renovada equipe de ministros, o governo terá de apaziguar a crise cambiária ainda em curso e de diminuir o descontentamento dos diferentes setores da economia argentina, seja a partir do discurso de tom conciliador como no texto das primeiras medidas a serem anunciadas em agosto. Do sucesso, relativo ou não, dos novos nomes dependem também as possibilidades eleitorais de 2023, ano da próxima disputa presidencial. Com o peronismo no poder enfraquecido pela maior crise desde 2001, os argentinos observam o crescimento de candidatos da extrema-direita e o aumento da insatisfação nas ruas, para além da possível lealdade dos movimentos populares ao governo de Fernández.
 

Dólar em descontrole e medidas sobrepostas para equilibrar câmbio

Oscilação cambial se intensificou na Argentina nas últimas semanas

Oscilação cambial se intensificou na Argentina nas últimas semanas


JUAN ABROMATA/AFP/JC
A mais recente turbulência na vida argentina mescla - como de costume - aspectos políticos com questões econômicas: se a parte visível da crise cambiária se mostra nas cotações descontroladas do dólar nas casas de câmbio de Buenos Aires, o problema de fundo reside nas dificuldades encontradas pelo governo Alberto Fernández para levar adiante um mandato que se sustenta, desde a posse, em dezembro de 2019, por delicadas alianças. A partir da última semana de junho, com o acirramento das dificuldades no manejo da gestão, houve trocas de ministros e de equipes inteiras nos edifícios da Economia e do Banco Central.
Para Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais na ESPM, as instabilidades no cenário econômico argentino não são recentes, mas se agudizaram nos últimos dois meses. "Não é uma crise de hoje, já remonta a um certo período, mas a crise se agravou com a renúncia do ministro [da Economia, Martín] Guzmán, em 2 de julho. De 2 a 6 julho, até a posse da ministra Silvina Batakis, foram quatro dias de forte oscilação do câmbio na Argentina. O que acontece hoje é uma resposta econômica a uma crise política. Quem indicou Batakis foi a vice-presidente Cristina Kirchner. É sabido que não há um diálogo real, uma parceria, entre Alberto Fernández e Cristina. É uma crise de origem política, e desde então o dólar oscilou. Em 1º de julho, o dólar blue, paralelo estava a 239 pesos. Dias depois, chegou a 337. São variações muito significativas", analisa Uebel.
Silvina Batakis, a ministra da Economia que substituiu Guzmán, não completou sequer um mês à frente do cargo. Sergio Massa, então deputado, assumiu em 3 de agosto como responsável pelas pastas de Economia, Agricultura e Desenvolvimento Produtivo; a escolha por Massa, que nunca pertenceu aos círculos íntimos nem de Fernández nem de Kirchner, foi a mais recente aposta do governo para tentar conter a crise e a escalada do dólar. Batakis, com as mudanças, acabou sendo realocada no comando do Banco Central argentino.
Uebel opina que a instabilidade refletida nos gestos do governo de Alberto Fernández não se deve apenas às dificuldades na formação da coalizão, mas também ao contexto internacional - Fernández assumiu o mandato apenas quatro meses antes da irrupção da pandemia - e à herança de governos anteriores. "Alberto Fernández assume uma agenda econômica que já estava numa deterioração cambial, vinda do governo Macri, que foi um governo que buscou fazer reformas, privatizou estatais, tinha uma agenda considerada liberal. E esse preço acabou sendo pago pelo governo Alberto Fernández", afirma o pesquisador.
Mas, apesar do desequilíbrio no câmbio, a atual crise argentina também encerra contradições. Diferentemente de épocas de instabilidade e recessão, neste momento o país vizinho segue registrando índices de crescimento no âmbito da economia. "Apesar da desvalorização da moeda, apesar da inflação alta, que deve rondar 80% ao ano, trata-se de um país que está crescendo economicamente. A Argentina continua crescendo. É uma crise cambial, não exatamente uma crise financeira. No entanto, a Argentina cresce, mas continua com um poder de compra baixo. Por sua vez, a população segue com um patamar de renda de décadas atrás e é impactada por essas oscilações econômicas", observa Roberto Uebel.
"Se olharmos as projeções econômicas, a Argentina teve um crescimento no primeiro trimestre de 6%. É quase o triplo do que o Brasil deve crescer em todo o ano de 2022. A economia argentina, apesar dos problemas, no âmbito macroeconômico consegue se manter. Há aumento no consumo público, nas exportações de alguns setores, mesmo em um período ainda de pandemia e de restrições internacionais por causa da guerra da Ucrânia, e em meio a uma crise no câmbio. Setores como o do turismo, da indústria extrativista e de transporte, por exemplo, ainda crescem", relata o pesquisador.
Os promissores índices de crescimento, entretanto, estão sob a ameaça de uma fragilidade geral, que ressoa nas constantes trocas na equipe de governo, no risco de novas negociações (e ajustes) com o FMI e no descontentamento de parte da base popular que ajudou a eleger Alberto Fernández.
Quanto às medidas impostas em junho para as importações, Uebel afirma que há razões para inquietação a respeito das trocas comerciais entre Brasil e Argentina: "as medidas causam várias preocupações se pensamos no recebimento em 180 dias. A primeira diz respeito ao setor produtivo, a dúvida sobre se haverá pagamento de fato, e, se sim, em que cotação esse pagamento irá ocorrer. A segunda preocupação tem a ver com a formação de estoque. Se o recebimento só acontece em 180 dias, haverá consumo que vai se manter até lá? E, ainda, há um terceiro impacto que se relaciona com o funcionamento da economia argentina, porque a crise afeta a logística, os transportes, o valor dos combustíveis. Isso pode afetar o frete, pode haver novas restrições, por mais tempo. Há muitas incertezas que rondam os exportadores brasileiros e mesmo os importadores argentinos".
Já André Nunes, economista-chefe da Fiergs, aponta os altos índices de inflação vigentes na Argentina como um dos fatores mais agudos da crise econômica em curso no país: "a inflação argentina está galopante, senão descontrolada, há bastante tempo, de modo que se acendem todos os sinais de preocupação de que a economia não está saudável; é algo que desorganiza a noção de preços em geral. O descontrole inflacionário tem como origem uma crise fiscal. Nos parece difícil imaginar uma solução de curto prazo para essa questão. Não sabemos para que lado isso pode se agravar, já que foram tomadas medidas como as de postergação de pagamentos, que, no nosso ponto de vista, são medidas drásticas".
Em meio às novas modificações nos postos de comando da Economia argentina, exportadores e importadores permanecem atentos às eventuais mudanças nas medidas de controle para as transações internacionais.
 

*Iuri Müller é jornalista formado pela UFSM e doutor em Letras pela PUCRS. Foi repórter do jornal Sul21 e editor do site Impedimento, entre outros trabalhos