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Agronegócios

- Publicada em 26 de Janeiro de 2015 às 00:00

O celeiro gaúcho de cavalos de corrida no Brasil


MARCO QUINTANA/JC
Jornal do Comércio
O cavalo Shanghai Bobby já voltou para casa. Retornou a um dos haras do grupo Coolmore, no estado de Kentucky, nos Estados Unidos (EUA), que tem entre os donos sheiks árabes. E com o dever cumprido. O reprodutor protagonizou mais uma temporada do chamado shuttle, o aluguel de garanhões que um grupo de criadores e donos de haras especializados na raça Puro Sangue Inglês (PSI), vedete nas corridas do turfe pelo mundo, faz a cada ano no período da primavera-verão para cobrir éguas. As fêmeas prometem render frutos, como alguns candidatos a liderar páreos no Brasil e em circuitos americanos e europeus.

O cavalo Shanghai Bobby já voltou para casa. Retornou a um dos haras do grupo Coolmore, no estado de Kentucky, nos Estados Unidos (EUA), que tem entre os donos sheiks árabes. E com o dever cumprido. O reprodutor protagonizou mais uma temporada do chamado shuttle, o aluguel de garanhões que um grupo de criadores e donos de haras especializados na raça Puro Sangue Inglês (PSI), vedete nas corridas do turfe pelo mundo, faz a cada ano no período da primavera-verão para cobrir éguas. As fêmeas prometem render frutos, como alguns candidatos a liderar páreos no Brasil e em circuitos americanos e europeus.

A operação virou um dos segredos da estratégia que acabou fazendo da região a mais promissora e líder na safra de potros e tropa total de PSI no País. As propriedades na Campanha pertencem em sua maioria a nomes de famílias abonadas e entre as maiores fortunas do mundo, como o banqueiro Julio Bozano (Banco Safra). A maior concentração de haras ladeia a BR-153, entre Bagé e Aceguá. “É a avenida Vieira Souto dos Pampas”, atenta Mario da Costa Moglia, do Haras Fronteira, aludindo ao endereço da orla carioca onde estão as coberturas mais cobiçadas do País.

O ambiente ostenta propriedades estruturadas, onde ficam as joias da coroa da produção nacional, promissores competidores de pistas de grama ou areia e produtos para exportação. “Aqui não parece Brasil, nem o Pampa, lembra regiões europeias”, compara Moglia, que assumiu o comando do haras fundado pelo pai, Mário Moglia, falecido em 2012, um ícone de desenvolvimento do PSI na região. A Associação Brasileira de Criadores e Proprietários do Cavalo de Corrida (Abcpcc) registra que 44% (4.308 animais) do plantel de 2014 estão nas fazendas do Pampa. Estima-se em 15 mil exemplares distribuídos em haras e áreas de treinamento para corrida que formam a base de um setor que fatura por ano R$ 786,7 milhões e gera 27,3 mil postos de trabalho. 

A região gaúcha abastece hipódromos, cujos administradores do Sul ao Nordeste tentam reverter décadas recentes de declínio ampliando formas e tipos de apostas. “Neste cenário, apenas grandes criadores, com qualidade de produto, são competitivos. A melhora do nível é incontestável”, observa o vice-presidente da Abcpcc, o advogado gaúcho Flavio Obino Filho.

Obino cita que este mercado de produção é franqueado a poucos haras, enquanto médios e pequenos criadores correm por fora. Outras alternativas para diversificar a renda surgem na operação como pensionato. “São criadores que já têm expertise e podem concorrer com os grandes proprietários”, opina o dirigente. “O shuttle foi feito pela primeira vez em 1991, no posto de fomento de PSI do Jockey Club de São Paulo (JCSP), e se espalhou”, atesta o superintendente de turfe do JCSP, Luis Alberto Marinho. O aluguel oferece vantagens principalmente em custos. Em vez de ter o reprodutor, que precisa aportar genética para garantir filhos e filhas com performance de respeito nas pistas, os haras formam grupos para gerar volume de cobertura e baratear o resultado: o exame positivo de prenhez.

Receita para formar os melhores

O haras dos Moglia, que fica próximo à BR-153, no acesso Sul a Bagé, teve um elenco de éguas cruzando com o cavalo Shanghai Bobby, do grupo Coolmore. Os criadores diluem os custos do aluguel, e o investimento foca o retorno. Foi a primeira vez que o reprodutor cruzou com éguas brasileiras, de plantéis do Pampa. A busca de genética do pedigree do garanhão é só mais um dos segredos para formar um plantel de boa linhagem. O  desempenho na pista de corrida começa no ventre da mãe de futuros potros, adverte Mario da Costa Moglia, o Maninho, que sucedeu o pai, Mario Moglia, no comando do Haras Fronteira.

Moglia pai é considerado um dos grandes incentivadores da indústria local de PSI. “Meu pai se deu conta de que a região era muito boa, muitos animais começaram a se destacar, e outros investidores vieram atrás”, cita o sucessor. Nos 700 hectares do Fronteira, 31 potreiros estão demarcados com 10 hectares cada, onde se revezam cerca de 300 exemplares de PSI de diferentes idades. A propriedade também opera como pensionato, serviço que ganhou espaço nos haras da região como mais uma fonte de ganhos. Entre os clientes estão donos de animais entre profissionais liberais e empresários de jogadores. “Eles não gostam de aparecer. Os cavalos são um hobby, uma paixão”, define Maninho.

Antes de desfilar em leilões ou testar a qualidade nos páreos, os futuros competidores cumprem uma rotina cuidadosa. Por ano, nascem em média 70 potros. O cruzamento da fêmea com o reprodutor segue um monitoramento preciso sobre o melhor dia da cobertura. A alimentação da mãe e depois do filhote é baseada em um pasto que combina azevém, trevo branco e cornichão turbinado por um fertilizante natural com insumos importados do Peru. “São espécies que não se desenvolvem em outras regiões. Não mobilizamos o solo, seguimos o plantio direto, tudo para o animal ter um ciclo de crescimento contínuo até a época de corrida e não sofrer lesões”, resume Moglia.

Cemitério de campeões

Ghadeer, Lyphard Swanilda, Cisplatine, Indian Chris. Só os conhecedores de linhagens e apaixonados pelo mundo dos cavalos PSI entendem o que várias lápides que brotam na grama verde, sinal da última Primavera em Mondesir, um dos haras do circuito de Bagé.  É o jardim onde repousa a memória de campeões, de reprodutores que mutiplicaram sua estirpe. “Foram os melhores de sua geração nas pistas ou geraram filhos e filhas que herdaram suas qualidades”, explica o gerente do Mondesir, Paulo Bergamo, há 40 anos atuando com criações de PSI.

Bergamo narra os feitos de Ghadeer, o rei no jardim dos imortais que passou pelo haras. “O garanhão viveu de 1978 a 2005, ficou 25 anos reproduzindo, bateu recordes  em leilões, um cavalo francês comprado por árabes que depois veio para cá em 1983”, recorda. “Foi uma legenda na sua época, e dificilmente vai ter outro igual”, resume o veterinário. A memória serve para contrapor as mudanças no negócio do PSI. Bergamo aponta que novas especialidades surgem nas fazendas, como pensionatos e abertura para receber raças de cavalo de salto.

 O trunfo é o ambiente, fartura de pasto e mão de obra, essa última escassa em tarefas que os mais jovens querem distância. Celso Leal, 46 anos e cavalariço do Mondesir há 20, aprendeu a lida com o pai. “Me criei com os cavalos”, resume Leal, que segue rotina em uma das cocheiras do haras. Dá alimentação, passeia, escova o pelo, lixa o casco. “É como um filho, a gente vê crescer e depois vão embora”, emociona-se o cavalariço, ocupação que tem acordo salarial próprio em Bagé, com benefícios mais atrativos que os do típico trabalhador rural.

O reino do PSI em Bagé

“O Shanghai Bobby é ganhador de grupo I”, valoriza Mario da Costa Moglia, do Haras Fronteira, sobre a qualidade e performance do reprodutor. Maninho dá uma de olheiro, pois sabe que, naquele dia, a agenda do garanhão teria éguas do seu haras. O animal chegou à região em agosto de 2014, ficou alojado no Haras Mondesir, situado no km 7 da BR-153, um dos mais requintados da avenida Vieira Souto dos Pampas. No ambiente, o animal recebeu cuidados de hóspede ilustre, incluindo um profissional que o acompanha na temporada para vigiar e não deixar passar um detalhe sobre o ambiente onde fica o garanhão, alimentação, preparação para as coberturas.

O irlândes Donal O’Loughlin é graduado em uma faculdade que se dedica a negócios ligados a cavalos. Em Bagé, O’Loughlin, 25 anos, hospedou-se no haras, para manter a proximidade e facilidade caso Shanghai Bobby tivesse alguma emergência. E nada passou despercebido do irlandês, do casco do garanhão ao ambiente com menos estresse possível para que o reprodutor cumprisse as 120 coberturas contratadas para a temporada de quatro meses. Na estadia, o cuidador teve dificuldade com o português, por isso estabeleceu uma rotina quase independente. Entre 8h30min e 17h, o irlandês seguia um roteiro de atividades com Shanghai, com pêlo preto reluzente, entre caminhadas e as sessões de alimentação e limpeza. “De noite, venho dar uma olhada de hora em hora. O cavalo está sob minha responsabilidade”, justifica O’Loughlin, que cita um bom motivo. “Este garanhão vale US$ 6 milhões.”

Negócio em ritmo industrial

No final dos anos de 1970, os EUA imprimiram outro ritmo ao mercado de criação de PSI. O hobby virou negócio para dar lucro. No Brasil, em meados dos anos de 1990, a moda pegou, e os criadores (donos de haras) começam a “pagar cavalo com cavalo”, diz Luis Alberto Marinho, superintendente de turfe do JCSP. “Acabou a história de que é apenas hobby. O criador quer um negócio que se pague”, resume Marinho.

 A virada foi dada pelo banqueiro Júlio Rafael Bozano, dono do haras Santa Maria de Araras, com mais de 200 éguas, o maior no País. Bozano tem propriedades na Argentina e nos EUA, além de cavalos correndo em grandes provas nos circuitos europeus. A Inglaterra é o berço do PSI. “Ele colocou no mercado a geração para ser vendida”, conceitua o superintendente do JCSP. No passado, nasciam por ano 8,5 mil potros da raça no País, número que caiu a 2,5 mil. Os hipódromos perderam apoio político e foram atropelados pela concorrência das loterias e outros jogos da sorte do governo federal, operados pela Caixa Econômica Federal. O Jockey Club do Rio Grande do Sul também sofreu o golpe. Manter um cavalo de corrida, entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil ao mês, passou a determinar a frequência e competidores nos páreos. 

“A relação prêmio-custo é importante. O ideal é que seja de 10 para um, ou seja, que o prêmio pela vitória pague 10 meses de manutenção”, calcula o superintendente do JCSP. Flavio Obino Filho, que preside a Câmara Brasileira de Equideocultura, no Ministério da Agricultura, aponta a menor taxação e abertura a apostas do Exterior como meios para reaquecer o turfe e os ganhos de médios e pequenos criadores.

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