Há 45 anos, Laerte de Souza chega no Magazine Cecilia às 6h45min da manhã. A loja de uniformes escolares e profissionais abre às 8h30min e fecha às 19h, de segunda a sexta-feira, e funciona das 8h às 15h aos sábados. Aos 66 anos, Cecilia Candido de Souza, esposa de Laerte, é a última a ir embora. De fevereiro a abril, os meses de maior movimento, ela costuma deixar a costura à meia-noite. Para quem já viajou grávida para o Paraguai, de ônibus, para trazer roupas e vendê-las na vizinhança, trabalhar demais já virou hábito. A rotina de afazeres de Cecilia e Laerte confunde-se com a história de seu casamento, que completa 50 anos em 2014.
Filha de pai comerciante, dono de um armazém em Porto Alegre, aos 13 anos Cecilia já procurava tamanhos e cores no estoque e calçava sapatos nos pés dos clientes, em uma loja de confecções. As instruções do chefe lhe foram úteis para o resto da vida. “Aprendi direitinho. Naquele tempo, todo mundo trabalhava desde cedo”, conta.
Até que a rotina de bater ponto foi substituída por uma ousadia: como sacoleira, Cecilia passou a viajar de ônibus para o Paraguai, São Paulo, Santa Catarina e Caxias do Sul atrás de roupas para vender na vizinhança, batendo de porta em porta. Até com o barrigão de grávida, ela não se cansava. Moradora do bairro Sarandi, em Porto Alegre, a vendedora alugou uma garagem perto de casa e abriu o primeiro negócio próprio.
Em um bairro cheio de empresas, não faltavam trabalhadores que dessem uma olhadinha nas roupas do garajão no final do expediente. Os pedidos cresciam, até que Laerte abandonou o emprego como comerciante na revendedora de veículos Casa Dico, comprou um terreno maior e abraçou o negócio da esposa. Laerte e Cecilia foram parceiros no estabelecimento desde o início, mas o nome da casa comercial quem deu foi ela. “Naquele tempo, era moda chamar as lojas de magazine”, lembra Cecilia.
O terreno da butique ainda é o mesmo de 45 anos atrás. Junto com a loja, a família também aumentou de tamanho, e o casal e os três filhos vieram morar no andar de cima da venda. No início, o Magazine Cecilia vendia apenas roupas e ainda não era especializado em uniformes. O negócio expandiu e se tornou uma loja de departamentos: de sapatos a roupas de festa, de móveis a geladeiras e fogões, entrava de tudo no estoque.
Foi a chegada dos shoppings em Porto Alegre que motivou um novo rumo para o estabelecimento. Boa parte das empresas do bairro Sarandi se mudaram para perto dos grandes centros comerciais, e quem antes comprava confecções no Magazine Cecilia, agora preferia ir em busca das novidades nos shoppings. Em compensação, escolas não faltavam no bairro. A solução encontrada por Cecilia e Laerte foi vender uniformes.
Como funciona ainda hoje, os colégios traziam o desenho das roupas pronto e mandavam fazer as modelagens por encomenda. Os trajes de ginástica deixaram de ser tão apertados, as saias encurtaram e o cós das calças desceu. As blusas branquíssimas deram lugar às coloridas e a estética do dia a dia passou a entrar na sala de aula. Mas, para Cecilia, nada mudou muito. Mesmo com os tecidos modernos, as máquinas de bordado e serigrafias e o sistema digital de vendas, os cuidados com corte, costura e pontualidade permanecem os mesmos.
Em função dos custos, muitas escolas também não obrigam mais os alunos a usar uniformes, o que reduziu as vendas e motivou a família a investir em um novo setor. A alternativa, então, foi vender uniformes profissionais por encomenda, decisão que também trouxe um diferencial ao Magazine Cecilia em relação à concorrência.
Quem ia para o colégio com roupas do Magazine Cecilia agora compra para os filhos. “É comum a gente escutar os clientes dizendo ‘minha mãe comprava para mim e vim comprar para o meu filho’, conta Cecilia. Porto-alegrenses, como a atriz Sheron Menezzes, já usaram os vestuários do estabelecimento.
Cecilia não consegue imaginar como seria sua rotina se não fosse seu magazine. “Nasci para o comércio”, exagera. Aos 66 anos, ela coordena as 12 funcionárias responsáveis pela costura, mas não sabe dizer como aprendeu a costurar. “Na hora da necessidade, a gente aprende”, sentencia. Também promove as vendas fora da empresa e, quando sobra um tempinho, vai para trás do balcão. Laerte cuida das contas. Ao dizer do que mais gosta no trabalho, Cecilia é interrompida antes de responder: “Eu, né!”, exclama Laerte, com 69 anos. O casal ainda não sabe sobre o destino da loja no futuro, pois, por enquanto, parar de vender está fora dos planos.