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- Publicada em 25 de Novembro de 2013 às 00:00

Geração Canguru muda os lares brasileiros


FREDY VIEIRA/JC
Jornal do Comércio
Dizer que “os 30 são os novos 20” já virou lugar-comum. A frase ajuda a definir a Geração Canguru, formada por jovens na faixa etária de 25 a 34 anos que moram com os pais, um fenômeno que cresce em todo o mundo. Uma das características desses jovens é que continuam na casa dos pais por opção, mesmo tendo condições econômicas de se sustentar.
Dizer que “os 30 são os novos 20” já virou lugar-comum. A frase ajuda a definir a Geração Canguru, formada por jovens na faixa etária de 25 a 34 anos que moram com os pais, um fenômeno que cresce em todo o mundo. Uma das características desses jovens é que continuam na casa dos pais por opção, mesmo tendo condições econômicas de se sustentar.
O grupo é numeroso e se multiplica. O total de pessoas entre 25 e 34 anos na população brasileira era de 30,8 milhões, ou 16% da população brasileira, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2008. Desse total, 8,4 milhões, ou aproximadamente 27% dos jovens entre 25 e 34 anos, eram considerados cangurus, sendo 4,7 milhões de homens e 3,6 milhões de mulheres. Onze milhões, ou 34%, eram a pessoa de referência, e por volta de 10 milhões, ou 31%, eram cônjuges. Os dados são de um estudo de 2010 feito pelas pesquisadoras do IBGE Ana Lúcia Sabóia e Barbara Cobo.
O fenômeno possui características comuns em diferentes lugares, como a idade cada vez mais elevada de saída da casa paterna desde os anos 1960-1970 e a permanência maior dos filhos associada à maior expectativa de vida dos pais. No entanto, o fenômeno ainda é recente, e não é possível saber com precisão quais são os motivos que levam os jovens brasileiros a retardar sua independência. O Pnad, por exemplo, não tem perguntas específicas que ajudem a decifrar as razões que levam a isso.
Mas, mesmo sem estatísticas oficiais, o aspecto econômico parece ser o mais importante, já que a esticada na casa dos pais permite formar uma maior poupança em função das despesas reduzidas com moradia. A pesquisadora cita ainda o alto custo habitacional nas grandes cidades como fator fundamental no momento da decisão. “Nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo, está praticamente impossível morar sozinho”, exemplifica a pesquisadora do IBGE Cristiane Soares.
É o caso do analista de sistemas Jorge Kamensky, 29, que vive com os pais em São Paulo. “Ter um estilo de vida se bancando por completo está muito caro. Não sei se isso se aplica a outros estados, mas aqui está muito caro. Ajuda a postergar essa decisão de morar sozinho. Além de ter muita comodidade. E eu tenho muita liberdade aqui também, é tranquilo morar com eles. Claro que a minha liberdade vai até onde começa a deles. O fato de ainda morar com os pais implica reconhecer isso”, explica. Kamensky diz sentir falta de ter “um lugar só seu, onde as coisas são do jeito que você quer”. Ainda assim, não sabe se sairia de casa se sua renda aumentasse. “Financeiramente, eu tenho condições de ir morar sozinho. Eu ajudo aqui em casa e acabo por guardar um dinheiro. Se eu estivesse sozinho, não sei se conseguiria guardar o que eu guardo”, afirma.

Medida ajuda jovens a economizar

O alto preço dos imóveis também aparece como fator decisivo para o designer Anderson Kumagai, 31, que vive em São Paulo com os pais. Kumagai, no entanto, já tem prazo para sair de casa: 2016, quando o apartamento que comprou na planta ficará pronto. “Para pagar aluguel, sendo que não tenho enorme necessidade de sair daqui, preferi esperar mais um pouco”, explica, ao dizer que não cogita sair antes de 2016. “Se entrasse mais dinheiro eu usaria para pagar uma parcela menor no apartamento.” A mãe de Anderson, Sandra, revela que o convívio com o filho é tranquilo. “Nós que às vezes perturbamos. Com essa novidade de internet, facilita tendo ele por perto. Ele até brinca conosco: ‘Quero ver como vocês vão se virar quando eu não morar mais aqui’”, conta.
O estilo de vida, associado à questão financeira, também é apontado pelo fisioterapeuta Rodrigo Soares, 29, para continuar morando com os pais. “É mais uma questão de conforto”, admite. Formado há quatro anos, Soares tem condições de se sustentar, mas explica que não poderia manter certos luxos, como viajar ou trocar de carro. A saída então foi montar seu próprio canto, com a construção de um andar só para ele. A mãe, Maria Tereza, e o pai, Jorge, também têm na permanência do filho vantagens práticas, como ajuda para fazer as compras no supermercado ou uma carona quando querem sair. Mas, para os progenitores, o mais importante é a companhia: “Enquanto ele quiser ficar aqui, vai ter nosso apoio”, diz Maria Tereza.

Questões psicológicas e aspectos demográficos baseiam as decisões

A possibilidade de fazer poupança para projetos futuros é fundamental para que a analista de recursos humanos Dayane Costa, 31, continue a viver com os pais em Gravataí, na Grande Porto Alegre. “Eu tenho condições de me manter, mas tenho projetos futuros de encerrar a segunda formação e, de repente, viver fora do Brasil um determinado tempo”, afirma ela, que que é formada em Artes Cênicas e cursa Psicologia. “Não pago aluguel, não pago água, não pago luz, não pago nada. O único gasto que tenho é comigo”, avalia. Ainda assim, ela diz que sairia de casa caso começasse a ganhar melhor. “Com os pais se perde autonomia. Embora eu tenha quarto, tenho limites. Não tenho a privacidade que eu gostaria”, lamenta.
Apesar de o aspecto financeiro aparecer como preponderante para a Geração Canguru, há quem aponte questões afetivas como mais importantes. É o caso, por exemplo, da estudante Manoela Oliveira, 26, que vive em Porto Alegre com a mãe, Claudete. “Temos uma relação muito boa. Não faz sentido morar sozinha, ter gastos em dobro”, diz. Manoela afirma que não sairia de casa mesmo se começasse a ganhar mais. “Pagaria mais contas, ajudaria a terminar de pagar o apartamento. Aí talvez começasse a pensar em sair. Acho ingratidão pensar em sair de casa quando ganhar mais”, opina.
São declarações como essa que mostram a complexidade do fenômeno Geração Canguru. “Há questões psicológicas e aspectos demográficos, mas não podemos assegurar qual é o principal motivo”, afirma a pesquisadora do IBGE Cristiane Soares. Entre os dados sociodemográficos que coincidem com o fenômeno, estão a maternidade, a idade para casar e para ter o primeiro filho.
Cada vez mais as estatísticas têm demonstrado adiamento da maternidade bem como o aumento da idade do primeiro casamento. “A figura do homem provedor está mudando principalmente entre os jovens, faixa de idade em que é mais provável encontrar esse arranjo em que os dois trabalham. Por isso, eles postergam a idade do matrimônio e, com isso, a saída de casa”, alega.
Além disso, há a chamada síndrome de Peter Pan, que consiste na dificuldade de amadurecer e assumir responsabilidades. “Em casa há a comodidade de os pais fazerem tudo”, afirma a pesquisadora. No passado, lembra ela, era comum sair de casa até antes de completar a maioridade, principalmente entre os homens. Para ela, trata-se de uma mudança cultural.
A Geração Canguru não é exclusividade do Brasil, e o fenômeno vem sendo observado em diversos países da Europa ocidental e também nos Estados Unidos ao longo das últimas décadas. Segundo estudo das pesquisadoras do IBGE Ana Lúcia Sabóia e Bárbara Cobo, publicado em 2010, na Europa ocidental há países onde mais de 50% dos homens com 30 anos nunca saíram da casa dos pais.

Novo modelo familiar interfere nas legislações

Está em tramitação no Congresso Nacional um projeto que amplia a idade para dependentes no Imposto de Renda Pessoa Física de 21 para 28 anos. A proposta foi aprovada na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado e agora deve seguir para a Câmara dos Deputados, caso não precise passar pelo plenário do Senado. Pelo projeto, podem ser incluídos pelos contribuintes filhos, netos ou bisnetos que não tenham renda própria a ser declarada. O projeto aprovado também amplia a idade dos dependentes que estejam cursando superior técnico ou universitário de 24 anos para 32 anos.
Para o senador Benedito de Lira (PP-AL), relator da matéria, há uma relação entre o projeto e o fenômeno “Geração Canguru”. “O filho permanece mais tempo sob responsabilidade dos pais”, diz. De acordo com o parlamentar, a proposta é uma evolução, já que alivia a carga sobre o contribuinte brasileiro da classe média. Segundo ele, a medida beneficiará aqueles que de fato arcam com as despesas da manutenção dos filhos, enteados e pessoas juridicamente pobres. “A legislação tributária, de maneira correta, exige a declaração de toda e qualquer renda do dependente na declaração de ajuste que a pessoa física faz anualmente, e o contribuinte pagará Imposto de Renda sobre esses valores”, esclarece. “Ele só pode ser beneficiado se os valores auferidos pelo dependente forem inferiores àquele que ele tem responsabilidade de pagamento”, acrescenta.
Para o ex-senador catarinense Neuto de Conto, autor do projeto, a necessidade de aperfeiçoamento profissional também interfere no orçamento doméstico. “Os filhos ficam mais tempo dependentes dos pais, principalmente aqueles que estudam, fazem pós-graduação, doutorado.” Segundo ele, a especialização tem um custo que poderá ser reduzido se os contribuintes se beneficiarem das deduções no imposto.
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