Muita Psicologia e até Antropologia, além de rigor meticuloso com a gestão dos acionistas majoritários, caíram nas graças de gestores de fundos de private equity (PE) e venture capital (VC). Aos 34 anos, o empresário de São Leopoldo Cesar Folle tinha vendido seu primeiro negócio, a Top Service, que faturava R$ 70 milhões, e já estava no comando de um novo, a BRSupply, também do filão de terceirização, mas voltada à compra de suprimentos para pequenas e grandes empresas. Não havia dúvida sobre a capacidade de Folle de conduzir operações para dar dinheiro, certo? Mais ou menos. Foi o próprio empresário que decidiu abrir a BRSupply para um sócio, neste caso um fundo de private equity, e abandonar o que ele mesmo classificava como uma vida solitária de empreendedor.
Para a equipe da gaúcha CRP Participações, uma gestora de fundos com 30 anos de experiência e que monitora capital de R$ 1 bilhão, Folle virou um prato cheio para aplicar o que é visto como expertise hoje da gestora. Entre o namoro e o casamento do fundo com a empresa, o diretor-executivo e sócio da CRP, Dalton Schmitt Junior e seus colegas fazem análises exaustivas sobre a relação com fornecedores e clientes, aplicam ferramentas de Psicologia para entender a cabeça do principal gestor, avaliam a inserção do negócio na comunidade e como os planos e estratégias estão sintonizados com os interesses dos novos sócios. “Isso pode levar três a seis meses. Antes de entrarmos, debatemos com os donos. Precisamos evitar tensões futuras. Tudo é feito com muito respeito à estrutura e à cultura do negócio”, garante Schmitt.
Caso a sociedade seja selada, o conhecimento permite uma ação preventiva ou cirúrgica, direto no foco de desequilíbrio. Reforçam a estratégia a inserção de mecanismos de governança, controle de planos e resultados e de participação dos fundos em conselhos. O dono da BRSupply, que projeta receita de R$ 120 milhões em 2012, diz que o ingresso do sócio sepultou decisões tomadas mais por emoção que razão. “Com o fundo, passamos a ter plano de negócio e toda a decisão é embasada”, contrasta o empresário, que criou conselho de administração e adotou o controle trimestral sobre metas. Folle resume: “Hoje sou um administrador, antes era apenas empreendedor.” Ao compartilhar a gestão com a equipe da CRP, o empresário espera alcançar resultados mais rápido e com menos riscos.
A resposta que a gestora busca é simples. “O empresário está preparado para receber o investimento. Ele precisa estar confortável, sem isso não faremos o aporte e nem ele vai nos querer”, traduz Schmitt. Folle captou a mensagem e espera que a sociedade, enquanto dure, dê muita satisfação. A peneira é rigorosa até alcançar este climax. A gestora gaúcha lista 500 candidatos, enxuga para 30 e depois rebaixa a 15 potenciais endereços do dinheiro com data para entrar e sair, lógica desta indústria que, segundo o último censo sobre o setor feito pela Fundação Getulio Vargas (FGV) em 2009, somava US$ 36 bilhões injetados nos mais diversos segmentos da economia produtiva brasileira. A pesquisa revelou que mais de 70% dos fundos concordam que as boas práticas de gestão elevam o êxito os ganhos durante a sociedade e na hora do chamado desenvestimento, quando o fundo se retira da empresa e realiza sua rentabilidade. O arsenal passou a ser usado nos últimos anos após o comando da CRP perceber que alguns ganhos não tiveram o êxito esperado ou nem ocorreram. E o diagnóstico do insucesso estava ligado a aspectos comportamentais dos donos, que determinavam o desempenho da empresa. “Houve casos em que a relação se complicou, houve ruptura e tivemos prejuízo”, ilustra o diretor-executivo da CRP. Para a gestora, a estratégia busca mitigar riscos, componente inerente à atuação dos fundos. “Se detectarmos os problemas, podemos agir antes ou durante o investimento.”
O diretor de Private Equity da paulista Rio Bravo, Luiz Eugenio Figueiredo, dedica muito tempo a entender a estrutura das organizações, com prioridade ao capital humano. O diretor reforça que não há mercado ou produto bons que resistam a quem não sabe fazer as mudanças necessárias. “O perfil do dono e da equipe é fator crítico para o sucesso. Os planos que temos para o futuro precisam ser os mesmos dos donos”, justifica Figueiredo, que gerencia R$ 500 milhões da conta de PE e VC do total de R$ 5 bilhões de fundos da gestora. A Rio Bravo prepara o lançamento em 2012 de dois novos fundos, que somarão R$ 600 milhões. Na busca ativa por empresas promissoras, Figueiredo já antevê muito trabalho para aparar deficiências. “Diga-me onde acho uma fórmula para lidar com pessoas. Não há.”


Capital humano e sucessão devem ser observados
Fundos de investimento e seus gestores devem observar principalmente a sucessão nas empresas familiares. Outro componente que ganhará mais peso na definição do destino dos recursos é a qualidade e disponibilidade de capital humano, em cargos de gestão à operação. A advertência é feita por José Freitas, um dos sócios no Brasil da consultoria alemã Kienbaum. A empresa, uma das dez maiores no mundo em assessoria em recursos humanos e gestão, é frequentemente contratada para rastrear estas duas condições, que envolvem a profissionalização e as estratégias de sustentabilidade.
Um dos quesitos investigados é se os sócios e líderes principais têm clareza sobre as funções de cada um e como serão cobrados. Freitas comenta que não importa se integrantes da família estarão no negócio, mas se têm competência para atuar. “O acionista precisa ter abertura para avaliar as mudanças e não ter apego pelo emprego”, recomenda o sócio da Kienbaum. Também terá interferência no ambiente interno e na abertura as inovações trazidas pelos novos sócios. Conta ainda se o dono é mais atrelado ao patrimônio ou mais arrojado, se aceitaria mexer em estruturas mais arraigadas.
Mas crescem cada vez mais demandas para um inventário sobre os profissionais que atuam desde os postos de presidente, diretores e gerentes. Freitas cita que, no mercado americano, empresas já investem US$ 2,00 de cada US$ 3,00 em capital humano. “Perder um executivo-chave significa abrir mão de anos de história da empresa”, pondera o consultor. Para não deixar escapar talentos, o sócio da Kienbaum recomenda que as organizações que adotem sistemas de acompanhamento de resultados, premiem os melhores desempenhos e sejam rigorosas nas melhorias e na decisão sobre trocas de pessoas. Gestores de fundos têm hoje nos conselhos de administração espaços para intervir nas decisões e para contornar conflitos.
Para Adriane de Almeida, superintendente-adjunta de Conhecimento do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a boa notícia é que cresce o interesse de acionistas em preparar seus gestores. A entidade atua forte na capacitação. Adriane lembra que a fila de empresas candidatas a receber o capital dos fundos aumenta, mas a seleção ficou mais rigorosa.
“Aquelas que melhoram suas práticas são recompensadas com a valorização dos ativos”, contabiliza Adriane. A executiva do IBGC ressalta que a estrutura de governança dá mais segurança aos investidores dispostos a aportar seu capital. Mas há desafios, como a maior transparência das informações, ingrediente elementar a qualquer grupo que pense em se abrir a investidores.
De dono a conselheiro
Presidente do Conselho de Administração da LBR, ex-Bom Gosto, Wilson Zanatta saiu da posição de dono para a de acionista. Foram seis anos antes de receber o primeiro aporte de um fundo, em 2007, seguido por mais três, uma associação e a venda. Para o empresário, que mantém intacto seu jeito simples, capital de fora ajuda muito, mas o empreendedor passa a dar explicações. Confira a experiência de Zanatta:
“A cabeça dos empresários brasileiros precisa mudar. O capital de fora ajuda muito, mas a contrapartida é o aumento da exigência. A sua vida muda bastante mas os riscos são diluídos. Primeiro, porque reduz toda a informalidade. No setor de lácteos, que tem muito futuro no Brasil e para atender a demanda mundial por alimentos, Segundo, porque esse capital é necessário. Se não tivesse feito o negócio, estaríamos pequenos ou até extintos. Não é difícil atrair investidores, mas tudo dependerá da vontade do empresário. Hoje estou na presidência do Conselho de Administração e fazendo a interlocução com produtores. Deixar de ser presidente da empresa para muitos é irreparável, para outros um alívio. Hoje posso interferir no conselho. Como presidente, sabia delegar e cobrar resultados da equipe.”
Psicologia resolve impasses entre donos e novos sócios
A psicóloga Vera Moreira, que é consultora de empresas e treinamento, já recomendou que a mulher do dono de uma organização saísse da operação para o bem geral do negócio. Mas até apresentar a solução, Vera, que é doutora em Administração e costuma dar cursos para sócios e executivos aprenderem a lidar com diferenças, precisou preparar o terreno. “Isso não precisa gerar drama algum. Naquele caso, as dificuldades na empresa estavam atrapalhando até a vida dentro de casa”, recorda a psicóloga. No final, a esposa se afastou, e o casamento foi salvo.
Diante da demanda de gestores de fundos para entender a cabeça de empreendedores, a profissional precisou adaptar técnicas de sua área ao mundo corporativo, agregar conhecimento de Sociologia e Antropologia e entrar em cena para socorrer donos que passariam a dividir o poder. “Os representantes dos fundos intervêm na gestão, cobram resultados e metas”, justifica. “Isso pode ser visto como uma invasão.” Somente a perspectiva de ingresso de um investimento é suficiente para detonar um problema em que aparentemente nada existia. “Há mágoas e raivas que emergem. Imagina R$ 50 milhões sendo aportados. Dependendo do porte da empresa, a cifra é um terreno aberto a conflitos”, exemplifica a especialista.
Ao mapear os mecanismos internos que envolvem desde nível de compartilhamento de decisões até critérios de remuneração, a consultora fornece subsídios aos gestores de fundos cuja tarefa será absorver a cultura e aprender mediar o interesse dos donos com o dos investidores. A psicóloga atua antes de o negócio ser efetivado e após o acordo. Para dominar o terreno onde está pisando, Vera traça um perfil do dono ou dos sócios, normalmente ligados a grupos familiares. Também analisa a inserção da empresa na comunidade e eventuais gargalos na busca de mão de obra.
Além disso, mergulha nas relações familiares, desenha o fluxo da sucessão de gerações, os pontos frágeis, o estilo de decisão e de escolha dos executivos. Até a conduta de um gestor na hora de ter de demitir um colaborador pode dizer muito sobre o desempenho do negócio. Entre os tipos de lideranças (donos), há os empreendedores, os relacionais, os estáveis e os dominantes. “Como todas as características humanas, excesso ou falta são complicados. O ideal é o equilíbrio, mas isso é impossível”, adverte a consultora.
O professor da Fundação Instituto de Administração (FIA) e da Puc-São Paulo e autor do livro Bastidores da Empresa Familiar, Armando Lourenzo Moreira Junior, observa que ambientes conflituosos são inerentes ao segmento. No seu estudo, o professor se deparou com este quadro em 85% das organizações. A chegada de um sócio externo pode ser um prato cheio a reações. “O componente emocional é muito forte, já que é muito difícil separar a pessoa do negócio”, desvenda Moreira, que não considera o ingrediente tão danoso. “Não é de todo ruim, pois intuitivamente pode tomar boas decisões.”
O maior potencial de atrito se dará no confronto entre a cultura do gestor do fundo, que decide sobre dados precisos, e um sócio que não tem esta bagagem. “O maior engano é achar que só profissionalizar a gestão resolve. É preciso profissionalizar a sociedade”, diferencia o autor. Para afinar a orquestra de comando, o professor da FIA apoia o uso da análise comportamental e da psicologia. “Elas ajudam sim a resolver conflitos”, aposta.