A saudação para quem faz uma ligação telefônica para o complexo celulósico de Guaíba já é outro: "CMPC, boa-tarde". A sigla é a abreviação da companhia chilena Compañía Manufacturera de Papeles y Cartones, que recentemente adquiriu a operação da Aracruz.
Apesar de a transação definitiva só ocorrer no próximo mês, as perspectivas animam os agentes envolvidos com o segmento de celulose. A negociação será selada com o pagamento da primeira parcela dos US$ 1,430 bilhão, valor total do negócio que abrangeu a venda da unidade e de outros ativos da Aracruz (hoje Fibria, depois da fusão com a Votorantim Celulose e Papel - VCP).
A CMPC é uma indústria florestal integrada e que trabalha como uma holding através de cinco centros de negócios: florestal, celulose, papel, tecidos e produtos de papel. A aquisição dos chilenos tornará a empresa a terceira maior fabricante de celulose de fibra curta do mundo, só superada pela própria Fibria e pela Arauco, que também possui sede no Chile.
Com o incremento da planta de Guaíba, que hoje tem capacidade para 450 mil toneladas ao ano, a CMPC eleva seu potencial de produção para cerca de 2,3 milhões de toneladas ao ano. Já a Fibria, reduzirá para em torno de 5,4 milhões de toneladas anuais e a Arauco verifica uma capacidade de aproximadamente 3,2 milhões de toneladas no mesmo período.
As negociações em torno do complexo de Guaíba envolveram, além da planta de celulose, uma fábrica de papel com capacidade produtiva de cerca de 60 mil toneladas por ano e terrenos com uma área aproximada de 212 mil hectares (dos quais 32 mil hectares compreendem terrenos arrendados em parceria ou de fomento). O pagamento desta transação será de US$ 1 bilhão em 15 de dezembro de 2009 e US$ 430 milhões até 30 de janeiro de 2010.
A planta da região Metropolitana deverá contribuir para que a CMPC cresça ainda mais. Resta saber quando o projeto de expansão dessa unidade, previsto anteriormente pela Aracruz, será retomado pelos chilenos. O antigo gerente-regional florestal da Aracruz Renato Rostirolla (que deve ocupar um cargo semelhante na CMPC, tão logo seja oficializado o negócio entre os chilenos com a Fibria), revela que a expansão poderá ocorrer só a partir de 2015 - um cláusula restritiva no contrato de compra e venda impede que seja feita antes.
Rostirolla acrescenta que a ampliação deverá ser feita no mesmo modelo proposto anteriormente pela Aracruz. Com a expansão, a planta atingirá uma capacidade de produção de celulose de 1,8 milhão de toneladas anuais. A estimativa de custo para essa iniciativa é de cerca de R$ 4,9 bilhões, contemplando o incremento da produção de celulose, expansão de base florestal e implantação de um sistema logístico hidroviário.
Outro fato que deve favorecer a continuidade do investimento em Guaíba é que Walter Lídio Nunes, ex-diretor da Aracruz e da Fibria, assumirá a presidência da nova empresa que administrará a unidade gaúcha. A nova companhia do grupo terá, inclusive, um nome mais regionalizado: CMPC Celulose Rio-Grandense.
Na semana passada, durante jantar de boas-vindas, oferecido pela governadora Yeda Crusius, no Palácio Piratini, Nunes ressaltou que serão mantidos os investimentos. "O grupo comprou a unidade pensando em expansão, mas ainda não há datas confirmadas, pois depende também do mercado internacional", informou Nunes. Ele acrescentou que é certo que a vocação é para o crescimento da base florestal iniciada e que o conceito do projeto da Aracruz permanece.
Os recursos obtidos com a venda da unidade gaúcha deverão ser utilizados para o alongamento do perfil da dívida da Fibria e para a retomada de investimentos na Bahia. "Essa operação permitirá que a Fibria volte a fazer seus investimentos florestais já em 2010 e fabris em 2011, como por exemplo, Veracel 2, conforme as condições do mercado à época", disse o presidente da Fibria, Carlos Aguiar, na divulgação do negócio da planta.
A Veracel é resultado de uma joint venture que a Fibria possui com a Stora Enso. A nova unidade a ser construída no Nordeste terá uma capacidade de produção de cerca de 1,5 milhão de toneladas de celulose ao ano. O analista do Banco Geração Futuro de Investimentos Felipe Ruppenthal acredita que o projeto Losango, que a VCP pretendia implementar no Rio Grande do Sul, somente deverá ser abordado novamente após a iniciativa baiana.
O projeto Losango prevê investimento de US$ 1,3 bilhão no Estado na plantação de eucaliptos e em uma fábrica com capacidade para produzir 1 milhão de toneladas ao ano de celulose. Essa unidade deverá ser instalada no município de Rio Grande ou em Arroio Grande.
Ruppenthal afirma que essa iniciativa, se for retomada, será a partir de 2015. Uma questão que contribui com a hipótese do projeto sair do papel é o fato que a VCP, e agora a Fibria, possui em torno de 60 mil hectares plantados no Rio Grande do Sul. Outro ponto que pode facilitar que o projeto Losango seja conduzido mais adiante é a perspectiva de melhora nos resultados financeiros da Fibria.
A companhia verificou lucro líquido de R$ 181 milhões no terceiro trimestre deste ano, contra um prejuízo pro-forma de R$ 586 milhões em igual período de 2008. A receita líquida totalizou R$ 1,402 bilhão, estável entre os períodos.
A Fibria também deve formalizar até o final de 2009 o acordo com instituições financeiras que acabará com algumas das restrições operacionais da companhia, definidas durante o processo de negociação das perdas bilionárias da Aracruz com derivativos. A empresa pretende liquidar neste ano cerca de 80% do montante de US$ 2,1 bilhões acertado na operação de renegociação das perdas da Aracruz com dividendos.
Os especialistas que acompanham o setor de celulose possuem uma expectativa otimista quanto aos planos que a CMPC adotará para seu ativo no Rio Grande do Sul. O analista do Banco Geração Futuro de Investimentos Felipe Ruppenthal acredita que a aquisição da unidade de Guaíba pelo grupo chileno deve favorecer a retomada do processo de ampliação do complexo.
"É uma empresa com uma situação financeira saudável, com condições de fazer investimentos", aponta Ruppenthal. No entanto, um dos empecilhos para que a expansão ocorra rapidamente é uma multa de US$ 250 milhões (prevista no contrato de venda) que os chilenos teriam de pagar, caso decidam realizar o aumento de capacidade antes de 2015.
Ruppenthal argumenta que essa cláusula deve-se a precaução da Fibria em não ter em seu próprio território um concorrente muito grande. O analista não descarta a hipótese de que a CMPC pague a indenização e antecipe os planos de incremento de capacidade. Porém, ele salienta que isso somente acontecerá se o mercado internacional de celulose registrar crescimento de demanda. Um fator que atrapalha as companhias brasileiras de celulose, que têm como uma das características a exportação, é a valorização do real em relação ao dólar.
O diretor da Fundamenta Administradora de Recursos, Valter Bianchi Filho, também comenta que o mercado viu com "bons olhos" a compra da unidade de Guaíba pela CMPC. Ele avalia que o grau de endividamento da Fibria, provavelmente, impediria que o processo de ampliação fosse realizado em um curto espaço de tempo. "O grupo deve utilizar sua geração de caixa para reduzir sua dívida e não focar em vários investimentos", projeta Bianchi Filho. Contrária à perspectiva de ampliação, o diretor da Fundamenta Administradora de Recursos aponta, além da valorização do real, a expectativa de um crescimento tímido do mercado de celulose nos próximos anos.
O presidente da Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor), Roque Justen, concorda que há uma grande expectativa devido à compra da planta de Guaíba. Ele salienta que o executivo Walter Lídio Nunes tem familiaridade com o empreendimento e seu projeto de expansão. Outro ponto enfatizado pelo presidente da Ageflor é que, atualmente, o Rio Grande do Sul possui regras claras quanto ao licenciamento ambiental, o que facilita a realização de investimentos na base florestal gaúcha.
Quanto à continuidade do projeto que a Aracruz possuía de construir um terminal hidroviário em São José do Norte para escoar a sua produção de celulose, Ruppenthal acredita que será uma decisão a ser tomada pela CMPC mais adiante. O analista considera que se trata de uma opção interessante para resolver o problema logístico que um eventual aumento de produção acarretaria.
Para atender ao projeto de expansão da fábrica de Guaíba, o ex-gerente regional florestal da Aracruz Renato Rostirolla informa que será necessário agregar mais 20 mil a 25 mil hectares de área plantada a atual pertencente à CMPC. Ele relata que as novas aquisições de terras deverão ser realizadas nos próximos cinco anos.
A área na qual se encontram os eucaliptos que serão utilizados pela unidade como matéria-prima abrange mais de 30 municípios. Hoje, para atender à demanda da planta de Guaíba, são necessários cerca de 1,6 milhão de metros cúbicos de madeira para produzir 450 mil toneladas de celulose ao ano. Com a ampliação, serão demandados aproximadamente 6 milhões de metros cúbicos de madeira para atingir uma capacidade de 1,8 milhão de toneladas de celulose ao ano. Rostirolla diz que a meta é manter 70% da produção de eucaliptos em terras próprias e 30% em arrendamentos e parcerias.
A crise econômica mundial e o reflexo no mercado de celulose, que fez a Aracruz suspender o processo de expansão da fábrica de Guaíba, teve um efeito dominó. Um dos principais contratos adiado com a decisão foi com a empresa gaúcha Demuth Woodhandling. Contudo, o ex-gerente regional florestal da Aracruz Renato Rostirolla adianta que o acordo deverá ser mantido com a retomada da ampliação.
A Demuth tinha sido a escolhida pela Aracruz para ser a sua fornecedora do pátio de processamento da madeira. O acerto compreendia picadores, peneiras, correias transportadoras e outros equipamentos. O valor da negociação era de cerca de R$ 250 milhões.
O pátio de madeiras projetado tinha uma capacidade nominal de produção de 4,5 mil metros cúbicos de cavacos por hora de madeira de eucalipto reflorestada. O diretor-presidente da Demuth Woodhandling, Fredo Demuth, calculava que a transação com a Aracruz faria com que a empresa, estabelecida nas cidades de Portão e Novo Hamburgo, investisse ao redor de R$ 10 milhões na ampliação de suas instalações. Além disso, era prevista a abertura de novos postos de trabalho.