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Logística

- Publicada em 16 de Novembro de 2009 às 00:00

A engrenagem que move um shopping center


Ana Paula Aprato/JC
Jornal do Comércio
Os porto-alegrenses estão entre os que mais frequentam shopping centers no País. Pesquisa do Ibope Inteligência em 2009, encomendada pela Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), revelou que 66% dos usuários na Capital vão semanalmente aos centros comerciais. Para encantar os clientes, meta número um dos 12 empreendimentos locais, as operações não poupam esforços e aplicam ao extremo uma espécie de ciência de gestão desses negócios. Resultado: depois de fechar as portas aos frequentadores diariamente, uma segunda jornada começa. O Jornal do Comércio mergulhou nesta engrenagem, no BarraShoppingSul, para desvendar o que ocorre nos bastidores.

Os porto-alegrenses estão entre os que mais frequentam shopping centers no País. Pesquisa do Ibope Inteligência em 2009, encomendada pela Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), revelou que 66% dos usuários na Capital vão semanalmente aos centros comerciais. Para encantar os clientes, meta número um dos 12 empreendimentos locais, as operações não poupam esforços e aplicam ao extremo uma espécie de ciência de gestão desses negócios. Resultado: depois de fechar as portas aos frequentadores diariamente, uma segunda jornada começa. O Jornal do Comércio mergulhou nesta engrenagem, no BarraShoppingSul, para desvendar o que ocorre nos bastidores.

Onze horas pontualmente de terça-feira, 27 de outubro. A professora aposentada Jussara Duzzo adentra por um dos portões do BarraShoppingSul (BSS), no bairro Cristal, em Porto Alegre. Vestida com uma roupa esportiva e recém-saída de sua caminhada à beira do lago Guaíba, Jussara cumpre um programa básico: dar uma passada no endereço, vizinho à sua residência, para fazer uma troca de produto, usar um serviço, como banco, ou almoçar. "Tudo está sempre limpinho, além de ser mais seguro", elogia a cliente, que admite: "Nunca mais fui ao Centro. É trânsito demorado, insegurança", justifica.

Para que moradores como Jussara continuem a cumprir essa rotina, um batalhão com 350 pessoas opera milimetricamente uma engrenagem gerenciada com pulso forte pela administração do BSS. E a maior atividade, que a professora aposentada nem imagina como seja, se dá entre 23h (quando o centro comercial fecha) e 11h (quando as portas reabrem). As ações envolvem limpeza, manutenção e reparos nas mais diversas áreas da estrutura com 20 mil metros quadrados, paisagismo, segurança (o fluxo de profissionais terceirizados ou contratados por lojistas é intenso nas 12 horas) e montagem de eventos.

A gerente de marketing do BSS, Patrícia Gonçalves, traduz: "Tudo é padronizado. Das rotinas para limpeza ao cheiro dos banheiros. O cliente tem de sentir que tudo segue um padrão". Segundo ela, quem for aos demais empreendimentos do grupo Multiplan encontrará o mesmo conceito. "Nosso negócio é encantar sempre." O diretor de geonegócios do Ibope Inteligência, Antônio Carlos Ruótolo, justifica que os locais são verdadeiros equipamentos urbanos quando se trata da Capital gaúcha, o que aumenta a exigência.

"A deterioração do centro da cidade tem resposta imediata. No shopping, o morador resolve toda a sua vida com conforto." A pesquisa, aplicada em mais quatro capitais - Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo - e no Distrito Federal, reforça que o consumidor de Porto Alegre não vai aos empreendimentos apenas para comprar, razão de 33% dos clientes. "Os locais viraram polo de cultura, lazer, serviços e gastronomia. São a segunda casa dos jovens e um centro com modernidade para os mais velhos", arremata Fernando Zilles, diretor regional da Abrasce e gerente-geral do Shopping Iguatemi.

Zilles ressalta que a gestão do condomínio hoje é muito especializada e indica a segurança como um dos itens prioritários. Para sustentar a operação, estima-se custo médio de R$ 60,00 por metro quadrado de loja. Encargos trabalhistas e tarifas de serviços públicos engolem 80% da cifra. O executivo cita que a rotina condominial, que começa na madrugada e invade a manhã, também sofre percalços. Devido às normas de silêncio da Capital e resistência da vizinhança dos complexos aos ruídos, muitas ações só podem ser feitas entre 9h e 10h.

Atenção aos mínimos detalhes

A gerente de marketing do BarraShoppingSul, Patrícia Gonçalves, compara-se a uma dona-de-casa quando se trata de cuidar do empreendimento. Ela zela pela imagem do shopping e observa mínimos detalhes. As operações noturnas são alvo de rondas pela manhã.

O fluxo de profissionais externos, autorizado entre 23h e 11h, tem registro criterioso. Além da gerência de marketing, a gestão se completa com os gerentes de operações e de tesouraria. Patrícia não tolera má vontade.

"A gente vive desse serviço e precisa ter prazer para fazer bem feito."

Ela monitora a execução do paisagismo. Chega cedo e atua na madrugada. Reuniões semanais entre as áreas que integram toda a operação ajudam a corrigir erros, repassar novas orientações e a padronizar ações.

A dupla Nelson Quinto e Bárbara Etzberger, por exemplo, vai dormir por volta de 11h, só depois de encerrar a jornada noturna e cumprir tarefas ligadas a eventos ou outras promoções do BSS. No final de outubro, a instalação da decoração de Natal impôs maratona de mais de cinco dias ininterruptos. "A gente tem de saber tudo que ocorre e estar pronto para lidar com imprevistos", descreve Nelson, o coordenador de eventos do empreendimento. Quinto conhece cada palmo do complexo, e aponta facilidades da arquitetura do local para as tarefas inerentes à operação: lojas têm as chamadas galerias técnicas, usadas para guardar materiais. Docas posicionadas no acesso ao centro de eventos, com 2 mil metros quadrados, ajudam na movimentação de cargas.

"É uma cidade que não dorme", ilustra o coordenador. Em um ano de funcionamento do BSS, o mais novo na Capital, foram 15 grandes eventos, de festa de 15 anos à megaexposição Corpo Humano, que atraiu 250 mil visitantes.

Quando a Praça de Alimentação fica vazia, as cadeiras vão para cima das mesas e a limpeza começa, de olho no dia seguinte, mas o gerente coordenador da Jin Jin Wok do BarraShoppingSul, Rodolfo Ruzante, ainda trabalha. Já é começo da madrugada. Com a tela quase fechada, Ruzante encerra o caixa, organiza a cozinha e deixa tudo no lugar para a reabertura que ocorrerá em poucas horas. Para adaptar a vida à rotina do seu trabalho, o gerente se mudou com a mulher e a filha de cinco meses para o bairro Cristal. É comum a jornada se encerrar por volta de 3h ou 4h. "Deixo tudo pronto. O ritmo depois das 11h é frenético", justifica.

Operação de guerra na paz

O piso brilhante de granito branco que chama a atenção de quem chega ao BarraShoppingSul é fruto do trabalho intensivo e que não para entre 23h e 11h. A equipe de limpeza é a mais numerosa do empreendimento, com 120 integrantes. Depois dela, em número, somente a área de estacionamento e a segurança. Há equipamentos das mais variadas funções para limpar, retirar marcas do fluxo intenso das 12 horas em que o empreendimento fica aberto e fazer o ambiente reluzir, cumprindo o padrão do BSS que a gerente de marketing, Patrícia Gonçalves, monitora com olho clínico. Uma espécie de vassoura chamada de mopy-pó inspirou o verbo "mopear", na linguagem dos serventes.

O ambiente se transforma numa sinfonia de motores, que percorrem toda a extensão. São 15 profissionais por turno, ocupados em diversas tarefas. Somente de lixo, o empreendimento produz diariamente quase quatro toneladas, entre resíduos orgânicos e recicláveis. Os banheiros são cartões de visita do shopping. O piso é lavado todos os dias (a área de passeio interno é de dois quilômetros). Tudo é revisado. Às 11h, quando as portas reabrem, clientes como a professora aposentada Jussara Duzzo nem suspeitam que um exército serviu para deixar o local do jeito que os usuários querem.

Mesmo fechado, o BSS não descuida da segurança nem por um segundo. Os profissionais estão em toda parte (o número não é revelado por questão de segurança, claro), com suas ferramentas de monitoramento, do rádio ao segway, um veículo sobre duas rodas que agiliza o deslocamento nas dependências internas e externas. Quando o complexo está aberto, o segway só é usado externamente, ante o intenso fluxo, mais de 40 mil pessoas em média por dia, considerando 1,2 milhão mensais. Também são mais 4 mil empregados diretos entre operações de locação (lojas e serviços) e pessoal da administração. Ao longo do ano, estima-se que mais 4 mil profissionais circulem na área em atividades vinculadas a eventos, reformas, substituição de lojas e manutenção. Entre os seguranças, a ordem é antecipar problemas. Também habilidade, experiência e atenção com o público são virtudes exigidas e alvo de treinamento constante.

Pela manhã, antes de as portas do BSS se erguerem, sob o comando de um sistema digital, um grupo de shopping-moças, profissional adaptada da operação de bordo de um avião para a de um shopping center, percorre todos os corredores do complexo. Elas recebem orientações, como um novo detalhe acrescido na madrugada, para poder assessorar a clientela. No empreendimento, brigadas de incêndio e médicos atuam silenciosamente nos bastidores. Bombeiros civis ajudam na instalação da decoração natalina e em ações que exigem equipamentos de segurança, durante a noite. De dia, ficam atentos a emergências com os frequentadores. O posto de saúde atua em conjunto.

Clientes percebem rigor nos cuidados

A logística que sustenta os equipamentos permite cuidados quase exclusivos e diferenciais levados ao extremo. No Praia de Belas, o professor aposentado Luiz Carlos Ribeiro Fan vai diariamente ao local há três anos. Quando Fan desponta em um táxi num dos acessos do shopping, seguranças acionam um atendimento especial. Um carrinho é levado à parte externa para receber o cliente assíduo. Já no Moinhos Shopping, a limpeza dos banheiros segue ritual diário que mobiliza funcionários mesmo quando o estabelecimento está aberto. São duas operações no dia, com tempo cronometrado, para evitar desconforto aos clientes.

A superintendente do Moinhos, Luciana Lanção, justifica que o zelo não é exagero e busca contemplar razões que levam 15 mil pessoas todos os dias ao endereço, num dos bairros de maior renda da Capital. O tíquete médio é de R$ 300,00, bem acima da média de gastos de R$ 184,00 entre todos os empreendimentos da Capital, conforme o Ibope Inteligência. "A rotina do cliente não pode ser alterada." As movimentações ocorrem quase despercebidas. O shopping center deve deflagrar em breve reformas que vão alterar a fisionomia e tudo ocorrerá com a máquina funcionando.

Fan é o perfil do cliente dos complexos locais. Almoça no local, faz suas apostas em lotérica, vai ao banco e faz suas compras no supermercado. "Entre 11h e 14h quem quiser me encontrar é só vir aqui." Para ele, o ambiente agradável, limpo, as opções de serviços e a segurança são os atrativos principais. "E tudo funciona sempre igual."

Segundo o diretor regional da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) e gerente-geral do Shopping Iguatemi, Fernando Zilles, a relação estabelecida pelo professor confirma que o formato dos complexos locais se firma no conceito de multiuso, com mais exigência ainda sobre investimentos em atualização e tecnologia de gestão da megaestrutura.

O desafio dos operadores do setor é aplicar o conceito consolidado das estruturas para faixa de público A e B, para shopping centers para as classes C e D, o filão emergente do País. Isso significará maior expansão, para um segmento que responde por 18,3% das vendas do varejo brasileiro, gera 720 mil empregos (incluindo o "exército" que atua nos bastidores) e faturou R$ 64,6 bilhões em 2008, segundo a Abrasec. O superintendente do Shopping Total, Eduardo Oltramari, avalia que estruturas para a faixa de renda menor não podem prescindir dos mesmos confortos. "Desmistificamos a ideia de que shopping é para ser caro. As mesmas variáveis que encantam os consumidores estão presentes", assegura Oltramari, referindo-se ao Total, localizado no bairro Floresta e que atrai 850 mil pessoas por mês.

O Total já serve de exemplo para outros da mesma faixa de renda em São Paulo. É o Estado exportando know-how. A REP Centros Comerciais está construindo dois empreendimentos de médio porte, com até 15 mil metros quadrados de Área Bruta Locável (ABL). O diretor de gestão da empresa, Zildo Borgonovi, informa que os projetos apostam em escala de clientes. O que será aberto na zona Sul de São Paulo, o Mais Shopping Largo 13, estará no caminho de um fluxo de 1,3 milhão de pessoas por dia. "As instalações serão as mesmas de um shopping grande, com piso brilhante e tudo. O modelo vem de Porto Alegre", explica Borgonovi.

 

 

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