Após mais de três meses de impasse e apreensão, representantes das indústrias da carne, do café e de frutas comemoraram a retirada das tarifas de 50% impostas pelo governo dos Estados Unidos para a importação de produtos brasileiros. A medida, divulgada nesta quinta-feira, injeta entusiasmo e expectativas quanto à recuperação parcial dos negócios perdidos, mas também evidencia desafios para setores que ficaram de fora, como a uva e o café solúvel.
É o caso da carne gaúcha, cujos embarques caíram a zero nos meses de setembro e outubro, ante uma média mensal até agosto de 1.283 toneladas, com faturamento de R$ 6,2 milhões. Para a retomada, porém, será preciso retomar contratos com clientes americanos, após a interrupção das vendas, disse o presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Rio Grande do Sul (Sicadergs), Ronei Lauxen.
A partir de julho, quando foi anunciado o tarifaço que entrou em vigor no mês seguinte, as exportações brasileiras para os EUA caíram 65% em volume. “Os exportadores brasileiros tiveram de buscar novos mercados para colocar seus produtos. E também os importadores americanos foram buscar fornecedores. É questão de algum tempo para ajustar isso de novo. Alguma coisa, sempre se perde. Talvez em outra ponta se ganhe. Esse é um mercado muito dinâmico”.
O dirigente avaliou, entretanto, que o período de instabilidade valeu como experiência para avaliar outros mercados e que os frigoríficos podem, agora, optar para onde irão exportar, já que o produto tem alta demanda internacional. “O mercado dos EUA é estratégico, pois sua habilitação funciona como um cartão de visitas, facilitando a entrada em outros países”, disse, ressaltando que a retomada desse mercado será de grande importância. Isso porque, embora o Brasil tenha enorme potencial, não é possível atender a todos simultaneamente.
Mas o Brasil segue ampliando a lista de clientes, e o Japão surge como possibilidade valiosa. O dirigente destacou que os estados do Sul podem ter preferência nas negociações, por terem sido os primeiros a conquistarem o status de livres de febre aftosa sem vacinação. A pecuária desenvolvida na região, com produtos de raças europeias, pode também contribuir para favorecer o fechamento de contratos.
No cenário nacional, a Associação das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) celebrou a decisão do governo de Donald Trump. Para a entidade, a reversão reforça a estabilidade do comércio internacional e mantém condições equilibradas para todos os países envolvidos. “A medida demonstra a efetividade do diálogo técnico e das negociações conduzidas pelo governo brasileiro, que contribuíram para um desfecho construtivo e positivo”, disse a Abiec em nota enviada à imprensa.
No setor de frutas, a retirada das tarifas também é comemorada, mas com ressalvas. A Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas) avaliou que a medida restabelece a competitividade das frutas brasileiras no mercado norte-americano. A entidade projeta retomada do crescimento das exportações e o fortalecimento da parceria comercial. Entretanto, alguns produtos, como a uva de mesa, ficaram de fora da medida.
“A justificativa é que apenas os produtos que impactavam na inflação americana foram abrangidos pela ordem executiva da Casa Branca. Além disso, os EUA estão projetando uma supersafra de uvas”, explicou o diretor-executivo Eduardo Brandão.
Em 2024, o faturamento brasileiro com a exportação de uvas aos EUA somou US$ 41 milhões. A safra brasileira, que começa em outubro, registrou queda de 73% no volume embarcado nas primeiras semanas em relação ao mesmo período do ano passado. Parte do produto foi redirecionada para a Europa.
Já os exportadores de manga foram pegos de surpresa com a imposição das tarifas poucos dias antes da janela de embarques, tradicionalmente entre agosto e dezembro. A manga é o produto mais importante da pauta da Abrafrutas com os EUA, para onde foram negociados US$ 46 milhões em 2024.
“Mas apenas 10 empresas beneficiadoras têm o tratamento hidrotérmico exigido, o que facilitou as negociações. Exportadores e importadores absorveram cada um 10% das tarifas, repassando a diferença ao consumidor. Com isso, o impacto foi menor que o esperado, com queda de 20% nos embarques do período. Nenhum contrato ficou em aberto. Houve redução de volumes, mas sem cancelamentos”, afirmou Brandão.
Setor cafeeiro considerou reversão de tarifas uma vitória histórica
O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), com mais de 120 associados e que representam cerca de 97% das exportações do produto nacional, considerou a reversão das tarifas uma “vitória histórica”. O resultado foi atribuído à cooperação entre o setor privado brasileiro, governo federal, indústria e entidades dos EUA.
No acumulado entre agosto e o fim de outubro, os norte-americanos adquiriram 983,9 mil sacas de café, um declínio de 51,5% ante os 2,03 milhões aferidos nos mesmos três meses de 2024.
“O Brasil sempre foi o produtor mais competitivo e é o principal provedor ao mercado de café dos EUA, mas a taxação de 50% tornava inviável o envio do produto para lá. Esses embarques que temos observado ainda eram de contratos antigos”, comentou Márcio Ferreira, presidente do Cecafé.
De acordo com ele, já é possível observar cafés com blends sem o grão brasileiro no mercado americano, o que ele entendia como um problema futuro se o cenário persistisse. “Isso muda o paladar do consumidor. Se as tarifas demorassem mais a cair, poderia ser difícil o Brasil recuperar sua fatia tradicional no mercado cafeeiro dos EUA, que é de aproximadamente um terço”, finalizou.
Enquanto isso, a indústria de base florestal, um dos segmentos mais impactados pelo tarifaço e que ainda segue sob taxas de 50%, aguarda por um acordo mais favorável ainda em 2025. Desde a entrada em vigor da medida, as exportações sofreram queda abrupta, chegando a 90% para alguns produtos. E o fechamento de postos de trabalho já é realidade.
Daniel Chies, presidente da Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor), contou que o mês de outubro reduziu pelo menos 12 mil trabalhadores nas empresas. “Há funcionários desligados, empresas fechadas que não voltarão a operar, outras colocando empregados em férias, adotando lay-off, fazendo redução de turno, de produção e de equipe.”
O dirigente contou ao Jornal do Comércio que, para não perder o mercado americano, há indústrias “queimando caixa” e trabalhando com resultados negativos, esperando até a situação melhorar. “O setor tem expectativa positiva de negociações por tarifas mais adequadas, talvez entre 15% e 20%. Mas vemos dificuldade em o Brasil conseguir tudo que quer dos EUA”, concluiu Chies.