Com precipitações até 75 mm abaixo da média histórica e temperaturas 1ºC mais altas, os últimos dois meses do ano e o início de 2026 precisarão de um olhar atento por parte dos produtores rurais gaúchos. Isso porque o fenômeno climático La Niña, cuja ocorrência foi confirmada pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA), pode impactar lavouras e reduzir produtividade, principalmente nas culturas de soja e milho.
O alerta foi dado nesta quinta-feira, em coletiva de imprensa convocada pela Superintendência do Ministério da Agricultura no Estado, a partir de reunião técnica realizada na véspera com pesquisadores da Embrapa e do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Os especialistas recomendaram ajustes no manejo dos cultivos, como o escalonamento do plantio e na preparação dos solos.
Desde 1970, já houve 17 episódios de estiagens no RS, e em seis ocasiões os prejuízos econômicos foram vultosos, observou o agrometeorologista da Embrapa Trigo Gilberto Cunha. Entre 2020 e 2024, as perdas superaram as 40 milhões de toneladas de grãos.
“As médias históricas de precipitação não atendem às demandas hídricas das culturas de verão. E, com a previsão de aumento no calor, as plantas pedem ainda mais água”, alertou.
No caso do milho, mais de 80% das lavouras esperadas já foram plantadas no RS. Segundo o pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Giovani Theisen, a fase de espigamento — quando a produtividade é definida — coincide com o período mais seco projetado, no final de novembro e em dezembro. Já a soja terá os picos de sensibilidade hídrica durante a floração, apenas entre janeiro e fevereiro, quando se espera retorno gradual à normalidade pluviométrica.
Em uma ação alternativa, o superintendente do Ministério, José Cleber Dias de Souza recomendou que as áreas de soja ainda não plantadas – cerca de 80% dos 6,7 milhões de hectares projetados - sejam semeadas até 20 de dezembro, em intervalos de 10 dias, para diluir riscos de perdas. Segundo ele, o momento exige atenção. “Ainda não há previsão de frustração, mas também não se visualiza supersafra.”
Os especialistas reforçaram que o manejo agronômico é determinante para reduzir impactos da estiagem. Cunha recomendou a rotação de culturas, a ampliação do calendário de semeadura e o uso de cultivares de ciclos diferentes, seguindo o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), em escala municipal, observando tipo de solo e condições de água.
Theisen sugeriu que os produtores evitem preparo convencional do solo. E recomendou a realização de uma gradagem leve, combinada com subsolagem para descompactar e facilitar a infiltração de água, permitindo o aprofundamento das raízes.
Chefe-geral da Embrapa Trigo, Jorge Lemainski acrescentou que materiais com sanidade radicular têm maior aproveitamento. “Quando a raiz chega a 12 cm de profundidade no solo, eu tenho, em tese, nove dias de água disponível. Quando a raiz vai a 30 cm, tenho água para 17 dias. Quando vai a 60 cm, eu tenho água para 29 dias”.
Lemainski acrescentou que problemas econômicos derivam de questões agronômicas. E quem nem sempre são adotados no campo todos os fundamentos gerados pela pesquisa agropecuária. “O sistema de produção tem três pilares: planta, clima e solo. Esse ponto da agricultura de processo deve ser retomado como forma de enfrentamento de uma chamada resiliência climática para nós”, disse.
O tamanho da próxima safra dependerá, então, das decisões adotadas agora pelos produtores, observaram os especialistas. “Não é o volume total que preocupa, mas sim o que pode ser feito agora para garantir o melhor desempenho possível”, afirmou Souza.
O superintendente também recomendou ajustar o manejo de irrigação onde houver disponibilidade hídrica e, sempre que possível, utilizar mecanismos de seguridade rural. “Essas ações permitem maior possibilidade de renda líquida na propriedade, garantindo sustentabilidade econômica mesmo em anos de estiagem”, completou.