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Publicada em 08 de Setembro de 2025 às 17:59

Setor rural vê limites em MP do crédito e espera regulamentação

MP do governo federal visa aliviar contas dos produtores e viabilizar o plantio da safra de verão

MP do governo federal visa aliviar contas dos produtores e viabilizar o plantio da safra de verão

PAULO PIRES/DIVULGA??O/JC
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Claudio Medaglia
Claudio Medaglia Repórter
Anunciada na última sexta-feira pelo governo federal, a Medida Provisória nº 1.314/2025 já foi apresentada como uma tentativa de aliviar a situação dos produtores rurais afetados por perdas climáticas nos últimos anos, em especial no Rio Grande do Sul. Passado o impacto inicial da notícia, o desafio agora é compreender como a medida funcionará na prática — e até onde poderá ajudar os agricultores endividados.
Anunciada na última sexta-feira pelo governo federal, a Medida Provisória nº 1.314/2025 já foi apresentada como uma tentativa de aliviar a situação dos produtores rurais afetados por perdas climáticas nos últimos anos, em especial no Rio Grande do Sul. Passado o impacto inicial da notícia, o desafio agora é compreender como a medida funcionará na prática — e até onde poderá ajudar os agricultores endividados.
A MP abre duas frentes distintas de crédito para permitir a liquidação ou amortização de dívidas rurais. A primeira será financiada com até R$ 12 bilhões do superávit financeiro de 2024, sob gestão do Ministério da Fazenda e operada pelo BNDES. Os recursos poderão ser usados para renegociar financiamentos de custeio e investimento, inclusive já prorrogados, além de Cédulas de Produto Rural (CPRs) emitidas até junho de 2024.
Já a segunda frente envolve recursos livres das próprias instituições financeiras, disponíveis em 2025 e 2026. Essa modalidade alcança, além dos créditos tradicionais, operações com cooperativas, fornecedores de insumos e até empréstimos contratados para quitar dívidas rurais anteriores. Para estimular a participação dos bancos, o governo incluiu incentivos tributários, permitindo a utilização de créditos presumidos de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido até 2029.
Apesar da abrangência formal, detalhes essenciais ainda não estão definidos. Caberá ao Conselho Monetário Nacional (CMN) estabelecer juros, prazos e carências. Conforme o governo, o acesso ao crédito se dará de forma escalonada. Agriultores do Pronaf poderão contratar até R$ 250 mil, com juros de 6% ao ano. Para produtores enquadrados no Pronamp, o limite é de R$ 1,5 milhão, com taxa de 8%. Já os demais produtores podem tomar até R$ 3 milhões, com juros anuais de 10%. Valores superiores podem ser financiados com taxa livre, limitada a 20% ao ano. O prazo máximo sinalizado é de nove anos, com início do pagamento a partir de 2027.
Para o senador Luis Carlos Heinze (PP/RS), um dos parlamentares mais engajados na luta pela repactuação do passivo de longo prazo dos produtores rurais, a medida é emergencial, voltada a garantir que o agricultor consiga plantar a próxima safra. Ele ressalta, no entanto, que a solução de fundo está no Projeto de Lei nº 320/2025, que trata da securitização de dívidas rurais e está na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.
Do lado das entidades, a leitura é mais cautelosa. Representante da Associação dos Produtores e Empresários Rurais (Aper), Arlei Romeiro considera que qualquer análise aprofundada antes da regulamentação será precipitada. Ele observa uma contradição no texto da MP: ao mesmo tempo em que reconhece perdas desde 2020, restringe o acesso a operações que estavam adimplentes até junho de 2024.
Quem perdeu capacidade de pagamento antes disso, muitas vezes por não aceitar renegociações com juros impagáveis ou por ter judicializado dívidas com bancos, ficará de fora, embora tenha sido igualmente atingido pelas quebras de safra”, afirma Romeiro.
De acordo com ele, a medida é insuficiente para enfrentar o problema estrutural do endividamento rural.
Além da securitização, há outra proposta em tramitação defendida pelo setor. A Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) aposta no avanço do PL 5.122/2023, de autoria do deputado federal Pedro Westphalen (PP/RS) e relatado por Afonso Hamm (PP/RS). O projeto já foi aprovado na Câmara dos Deputados e aguarda votação no Senado. Ele prevê o uso do Fundo Social do Pré-Sal como fonte de recursos para financiar a renegociação das dívidas rurais, o que ampliaria a base de financiamento e daria maior previsibilidade ao processo.
Enquanto o setor aguarda as resoluções do CMN, a MP representa mais uma tentativa de conter a escalada da inadimplência no campo, viabilizar o plantio da safra de verão e, principalmente, fazer um afago em um dos setores mais refratários ao governo. O alcance real, no entanto, dependerá da regulamentação, da disposição dos bancos em aderir às novas linhas e do avanço das propostas legislativas que buscam atacar a raiz do problema.

Três caminhos para enfrentar o endividamento rural

MP 1.314/2025 – Medida Provisória (governo federal)
  • Cria duas linhas de crédito emergenciais para liquidação ou amortização de dívidas
  • Fonte: até R$ 12 bilhões do superávit de 2024 + recursos livres dos bancos (2025 e 2026)
  • Beneficiários: produtores e cooperativas afetados por perdas climáticas desde 2020, mas adimplentes até junho de 2024
  • Condições financeiras serão definidas pelo CMN; governo cogita juros de 6% a 10% e prazo de até nove anos
  • Objetivo: garantir fôlego imediato para o plantio da próxima safra
PL 320/2025 – Securitização (Senado Federal)
  • Relacionado à reestruturação do passivo do setor, com alongamento e troca de dívidas por títulos do Tesouro
  • Prevê mecanismos de securitização para consolidar débitos de produtores rurais
  • Defendido pelo senador Luis Carlos Heinze (PP/RS)
  • Considerado solução estrutural de médio e longo prazo
PL 5.122/2023 – Fundo do Pré-Sal (Senado Federal)
  • Autoria: deputado Pedro Westphalen (PP/RS); relatoria de Afonso Hamm (PP/RS)
  • Já aprovado na Câmara; aguarda votação no Senado
  • Destina recursos do Fundo Social do Pré-Sal para financiar renegociação de dívidas rurais
  • Apoiado pela Farsul, que defende a proposta como alternativa de maior escala e previsibilidade de recursos

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