Em meio a um cenário de queda no consumo, excesso de oferta e rentabilidade negativa, lideranças do setor agropecuário gaúcho lançaram um alerta contundente aos produtores de arroz: é hora de reduzir a área plantada e adotar uma gestão estratégica das propriedades. A recomendação foi apresentada ontem, durante o evento “Tá na Mesa”, da Federasul, pelo presidente do Conselho da Federação das Associações de Arrozeiros do RS (Federarroz), Alexandre Velho; o presidente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Gedeão Pereira; e o economista-chefe da entidade, Antônio da Luz.
O economista apresentou projeções preocupantes para 2026. Segundo ele, se o setor repetir o desempenho deste ano, o preço médio da saca de arroz pode cair de R$ 115,71 para R$ 68,17, gerando um prejuízo estimado de R$ 12,89 por saca. “Estamos diante de um iceberg. Ainda dá tempo de desviar, mas é preciso agir agora”, afirmou.
A proposta das entidades é reduzir a área plantada, especialmente em talhões de baixa produtividade, e concentrar tecnologia em áreas mais eficientes. A meta sugerida é uma diminuição de 8% no Rio Grande do Sul e até 30% nos demais estados produtores.
“A decisão de plantar é individual, mas o efeito é coletivo. Se todos aumentam a oferta, o mercado colapsa”, destacou Alexandre Velho.
Nos últimos dois anos, o Brasil ampliou em 230 mil hectares a área plantada com arroz, estimulado por boas cotações e, em parte, por sinalizações do governo. No Rio Grande do Sul, a área semeada cresceu 7,8%, totalizando cerca de 970 mil hectares. Esse aumento de produção, sem contrapartida de crescimento no consumo ou nas exportações, acendeu o sinal de alerta.
A Federarroz estima que, com a redução sugerida, a produção nacional poderá chegar a 10,5 milhões de toneladas - volume compatível com o consumo interno e as exportações, que neste ano devem ficar em cerca de 1,5 milhão de toneladas, abaixo das 2 milhões projetadas pela Conab. Os estoques de passagem, por sua vez, ficariam em torno de 2 milhões de toneladas, patamar considerado adequado pela entidade.
Durante o evento, os líderes também criticaram as recentes intervenções do governo federal, como os contratos de opção e os leilões públicos. A Farsul reiterou sua posição histórica contrária à realização de leilões, enquanto a Federarroz se manifestou contra a formação de estoques públicos. Alexandre Velho classificou os leilões com opção de venda (COV) como “um remédio amargo, mas necessário” diante da queda abrupta dos preços. Gedeão Pereira lembrou que, mesmo após os leilões realizados na semana passada, os preços do cereal continuaram baixos.
Além da superprodução, o setor enfrenta queda no consumo interno (4,7% menor que no ano anterior) e perda de espaço no mercado internacional. Navios que deveriam sair do Rio Grande do Sul foram substituídos por embarques da Argentina, Paraguai e Uruguai, agravando a pressão sobre os preços.
Gedeão Pereira também alertou que a crise pode se estender à cultura da soja. Ele lembrou que, quando a saca de 60 quilos da oleaginosa rondou a casa dos R$ 200 – há cerca de cinco anos –, a área econômica da Farsul advertiu que esse patamar poderia “quebrar” o produtor no futuro.
“O produtor faz investimentos e compra equipamentos para pagar em dez anos, considerando uma cotação. Quando o preço despenca, ele perde capacidade de pagamento”, explicou.
O dirigente também abordou a situação do endividamento agrícola no Estado e as tratativas em Brasília para renegociação das dívidas. Segundo ele, há dificuldade do governo federal em compreender a gravidade do problema e liberar recursos, mesmo com arrecadação recorde.
“Estamos no epicentro de uma crise climática na América Latina. O produtor está descapitalizado e endividado. Se não houver uma solução de curto prazo, até a lavoura de soja pode diminuir”, alertou.
A Expointer, que começa na próxima semana, foi citada como um marco para a conscientização dos produtores. “Esta será a Expointer do crédito responsável. Não é hora de grandes investimentos, mas de usar o que se tem com inteligência”, concluiu Pereira.
A mensagem das entidades foi direta: gestão, responsabilidade e decisões baseadas em números são as únicas saídas para evitar uma crise no setor orizícola e garantir a sustentabilidade da produção rural nos próximos anos.