O engenheiro agrônomo e produtor rural em Santa Vitória do Palmar Denis Dias Nunes assume, a partir desta terça-feira (1º de julho), o comando da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), em um momento crítico para a cadeia produtiva do arroz. Com preços abaixo dos custos de produção, estoques elevados no Mercosul e crescente entrada de produto estrangeiro, especialmente da Argentina e do Uruguai, o setor enfrenta um ambiente de forte pressão e incerteza.
À frente da Agroriza Agricultura e Pecuária, onde cultiva 1,1 mil hectares de arroz e 600 de soja, além de fazer recria e terminação de terneiros, Nunes atua também como consultor agrícola. A experiência no campo e na gestão técnica pauta sua visão para a nova fase da entidade, que deve combinar ações emergenciais –como renegociação de dívidas e mecanismos de sustentação de preços – com iniciativas estruturantes voltadas à diversificação produtiva, fortalecimento da irrigação e inserção do arroz em políticas públicas estratégicas.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o novo presidente da Federarroz fala sobre as prioridades de sua gestão, os riscos à sustentabilidade da cultura e os instrumentos que podem garantir competitividade ao produtor brasileiro.
Jornal do Comércio – Após um ciclo de rentabilidade e retomada de área plantada, o setor volta a conviver com preços em queda e estoques em alta. Como a Federarroz avalia esse cenário?
Jornal do Comércio – Após um ciclo de rentabilidade e retomada de área plantada, o setor volta a conviver com preços em queda e estoques em alta. Como a Federarroz avalia esse cenário?
Denis Dias Nunes – A orientação da Federarroz é clara: defendemos a redução da área plantada até que os estoques do Mercosul se normalizem e novos mercados sejam conquistados. Também incentivamos a diversificação das atividades nas propriedades, como forma de reduzir a dependência de um único produto e aumentar a resiliência do produtor.
JC – As cotações atuais preocupam?
Nunes – Muito. Os preços praticados hoje, entre R$ 60 e R$ 65 por saca, não sustentam a atividade. O desempenho do mercado depende fortemente das exportações, da safra americana – colhida entre setembro e outubro – e das instabilidades internacionais, que costumam gerar incertezas. É um momento delicado.
JC – Como evitar um colapso de preços e o desestímulo ao plantio, especialmente entre pequenos e médios produtores?
Nunes – Já iniciamos tratativas com o governo, via Conab, para retomar os Contratos de Opção de Venda (COVs), que permitem ao produtor garantir um preço mínimo e, ao mesmo tempo, manter a liberdade de vender no mercado se for mais vantajoso. Também buscamos o alongamento de dívidas com agentes financeiros e mantemos diálogo com a indústria, que igualmente não se beneficia de preços tão baixos. O problema se agrava com a entrada de arroz do Mercosul, que chega ao Brasil com custos menores em função da diferença nos sistemas tributários.
JC – Os COVs são o melhor instrumento hoje para garantir renda ao produtor?
Nunes – Com certeza. Eles oferecem a opção de comercializar o produto por um valor até 20% acima do preço mínimo e, se o mercado estiver melhor, o produtor ainda pode vender fora do contrato. É uma ferramenta que traz segurança sem engessar o produtor.
JC – Outra frente de atuação da Federarroz foi junto aos agentes financeiros. Houve avanços?
Nunes – Sim. Procuramos o Banco do Brasil, o Banrisul, cooperativas e outros agentes para alertar sobre o cenário futuro e sugerir medidas. Obtivemos um bom entendimento e avanços concretos, o que ajudou nas negociações pós-colheita, especialmente diante da baixa liquidez do mercado.
JC – Como o produtor pode se organizar individualmente para enfrentar esse período?
Nunes – O primeiro passo é negociar muito bem: parcelar compromissos, procurar esclarecimentos junto aos agentes financeiros e formalizar pedidos de prorrogação, se necessário. Isso pode ser importante no futuro, inclusive para acesso a possíveis programas de securitização. Também é essencial aproveitar janelas de exportação, como no caso do arroz em casca.
JC – O senhor já defendeu a diversificação como caminho para reduzir riscos. Isso inclui o fortalecimento de outras cadeias nas terras baixas?
Nunes – Sim. A Federarroz sempre incentivou a diversificação. Um exemplo disso é a mudança no nome do evento anual da entidade, que passou a se chamar “Abertura da Colheita do Arroz e Grãos em Terras Baixas”, refletindo a ampliação de foco para outras culturas e modelos produtivos sustentáveis.
JC – A Zona Sul tem sido referência em inovação, com uso de irrigação eficiente e tecnologias de precisão. Como levar essa experiência a outras regiões do Estado?
Nunes – Nosso evento anual é uma vitrine de boas práticas. Ele leva casos de sucesso, tecnologias e inovações que demonstram, na prática, as vantagens da diversificação e da modernização. O objetivo é mostrar que é possível produzir com mais eficiência e sustentabilidade, independentemente da região.
JC – Há uma demanda crescente para que o arroz seja reconhecido como produto estratégico. Como transformar isso em política pública?
Nunes – Precisamos mostrar ao governo que o arroz não é apenas um alimento essencial: ele gera emprego, renda e contribui com a segurança hídrica e alimentar do país. O Rio Grande do Sul é o maior produtor das Américas – temos know-how, produtividade e reconhecimento internacional. Agora, é hora de transformar isso em políticas estruturantes de Estado.