Após duas boa safras de trigo no Brasil, com crescimento de área, produção e valorização, a cultura volta a enfrentar dificuldades. O cenário climático atual, com sinalização de altos índices de precipitação ameaça a qualidade e a produtividade dos grãos. Paralelamente, produtores enfrentam queda na cotação do cereal no mercado, com farta disponibilidade de grãos da safra passada ainda para comercialização.
Os mapas climáticos trazem importante foco de apreensão. A tendência de ocorrência de chuvas muito acima da média no Rio Grande do Sul durante os meses de outubro e novembro coloca em risco o rendimento das lavouras.
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“Já temos visto precipitações intensas e pouca luminosidade nos últimos dias, causando possibilidade do surgimento de doenças como brusone e giberela, que derrubam a produtividade. Até agora, o risco maior é o acamamento das espigas. Porém, o percentual de trigo pronto para colheita neste momento é em torno de 1%, apenas”, pondera Élcio Bento, analista de trigo da Safras & Mercado.
Mas, segundo ele, se houver quebra de qualidade no auge da colheita, os grãos podem acabar sendo destinados apenas para a produção de ração animal. Nesse contexto, a estimativa da Safras, a partir de consultas a cooperativas, produtores, corretores de grãos e outros parceiros ligados ao setor, é de que o Rio Grande do Sul plante uma área 9,4% menor que na safra passada, ficando em 1,45 milhão de hectares. E a produção, inicialmente projetada em 5,4 milhões de toneladas, 10% menor que o volume calculado pela empresa no período anterior, deve ser ainda menor.
Por outro lado, a grande oferta de trigo remanescente da safra passada ainda disponível para comercialização pressiona preços para abaixo, inclusive, dos estabelecidos pelo Programa de Garantia de Preços Mínimos do governo federal. O tema foi levado ao ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, por produtores e entidades cooperativistas gaúchos e paranaenses, preocupados com a baixa valorização do cereal e o escoamento da produção.
“O mercado de produtos agrícolas vive um período de queda nos preços. Só nos últimos 12 meses, tivemos uma redução drástica, chegando a níveis abaixo inclusive dos determinados pelo Programa de Garantia de Preços Mínimos do governo federal”, afirma o presidente da Organização das Cooperativas do Rio Grande do Sul (Ocergs), Darci Pedro Hartmann.
De acordo com o Departamento de Economia Rural do Paraná (Deral), atualmente, o preço médio recebido pelo produtor de trigo é de R$ 52,52 a saca de 60 quilos. E os valores mínimos estabelecidos pela União, por meio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), para safra 2023 do trigo Tipo 1 são de R$ 87,77 e para o Tipo 2, de R$ 75,19.
Os cooperativistas apontam que os instrumentos de política agrícola para garantia de preços mínimos e escoamento de safra, principalmente o Prêmio Equalizador Pago ao Produtor (Pepro) e o Prêmio de Escoamento do Produto (PEP), são ferramentas essenciais para o prosseguimento da atividade, garantindo estabilidade de oferta de alimentos. Porém o que se tem visto são dificuldades orçamentárias para que esses mecanismos possam ser executados de maneira eficiente, prejudicando o acesso aos produtores rurais e suas cooperativas, dizem representantes do setor.
O Sistema Ocergs tem conhecimento de que o orçamento para a compra do trigo pela União será reduzido. No entanto, não se tem confirmação de qual será o montante. A entidade está pleiteando junto ao governo federal que o orçamento seja ampliado.
Para uma safra 2023/2024 estimada pela Safras & Mercado em 11,4 milhões de toneladas do cereal no País – cerca de 5,6 milhões de toneladas no Rio Grande do Sul –, o governo teria recurso seria suficiente para absorver menos de 100 mil toneladas em leilões do PEO e Pepro. O volume é insignificante para reposicionar os preços no mercado diante da produção projetada.
Bento, da Safras observa que, de fato, o mercado está pagando, no momento, preços muito abaixo do mínimo, de R$ 1.463,00 a tonelada. Por outro lado, com pouca oferta de dinheiro para concretizar as aquisições do governo federal (AGFs), o mercado continua soberano.
“No Paraná, o preço pago pelas indústrias tem girado na casa dos R$ 1.000,00 por tonelada. E os preços internacionais estão ainda menores, em torno de R$ 980,00. O trigo precisa ser visto muito mais como uma cultura de apoio à safra de verão, melhorando a produtividade do solo, combatendo o surgimento de ervas daninhas, formando uma boa palhada. Um alicerce para a soja, que mostra sua pujança por ser competitiva no mercado internacional”, diz o consultor.
As entidades cooperativistas também relatam que um indicativo do impacto desses entraves é a pouca atratividade para o plantio da próxima safra de trigo. Por conta dos custos elevados e de margens apertadas, a área de plantio deverá ser reduzida, com reflexos na balança comercial e nos preços dos derivados do trigo ao consumidor.
Inseridos em uma “situação excepcional de preços abaixo dos custos de produção”, os triticultores pedem a adoção de medidas pelo governo. “Precisamos que o governo federal disponha e direcione recursos para suporte à comercialização dos produtores de trigo, via Pepro e Pep, apoiando o escoamento e garantindo a sustentabilidade da cadeia produtiva. Só assim os agricultores poderão amenizar suas perdas”, observa Darci Hartmann, da Ocergs.
“Com menos dinheiro, com dificuldades de comercializar sua produção e com risco de comprometimento pelo clima, o produtor possivelmente irá reduzir o investimento em área e em tecnificação nas lavouras. E isso irá impactar na produtividade e na produção, evidentemente”, conclui Élcio Bento.