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Entrevista especial

- Publicada em 24 de Abril de 2022 às 11:00

Para ex-ministro Carlos Marun, terceira via só é viável unificada

"Não sei se dá para governar sem o Centrão, mas dá para governar sem o Centrão mandando", avalia ex-ministro do governo Temer

"Não sei se dá para governar sem o Centrão, mas dá para governar sem o Centrão mandando", avalia ex-ministro do governo Temer


WILSON DIAS/AGÊNCIA BRASIL/JC
O ex-ministro Carlos Marun (MDB) acredita que os partidos que se articulam em torno da chamada terceira via, na eleição presidencial de 2022, não terão chance se não tiverem uma candidatura unificada. Para Marun, diante da polarização entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT, 2003-2010), as siglas de Centro deveriam ter selado a união em novembro de 2021 para agora estarem apenas escolhendo o melhor nome para representar o projeto.
O ex-ministro Carlos Marun (MDB) acredita que os partidos que se articulam em torno da chamada terceira via, na eleição presidencial de 2022, não terão chance se não tiverem uma candidatura unificada. Para Marun, diante da polarização entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT, 2003-2010), as siglas de Centro deveriam ter selado a união em novembro de 2021 para agora estarem apenas escolhendo o melhor nome para representar o projeto.
"Se, juntos, já é difícil; separados, a terceira via não tem nenhuma chance. Então, essa coalizão já deveria ter se estabelecido, e um programa comum deveria ter sido apresentado à população. Então, agora estaríamos procurando um candidato que se encaixasse nesse programa."
Quanto ao nome do ex-governador Eduardo Leite (PSDB), o último nome a entrar nas discussões em torno da terceira via, Marun o elogia pela administração no governo gaúcho. Apesar de acreditar que Leite terá um papel importante na construção de uma candidatura de Centro, o emedebista pondera que "é difícil Leite ser o candidato a presidente." Mesmo que o tucano fosse candidato ao Planalto, Marun acredita que isso não seria suficiente para unir o Rio Grande do Sul.
Marun - que compôs o núcleo duro do governo do ex-presidente Michel Temer (MDB, 2016-2018) - também analisa o governo Bolsonaro. O emedebista considera a atual gestão federal "como uma oportunidade, se não perdida, não aproveitada."
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Marun também comenta a influência da visita de Temer a Porto Alegre, onde se reuniu com as duas alas do MDB gaúcho que disputam a indicação para representar a sigla na disputa ao governo do Estado.
Jornal do Comércio - Como avalia o governo Jair Bolsonaro?
Carlos Marun - Infelizmente, considero o governo Bolsonaro como uma oportunidade, se não perdida, não aproveitada. O presidente assumiu com apoio para fazer um grande governo, mas o melhor momento foi entre a eleição e a posse, quando havia um otimismo. O presidente começou a errar quando começou a praticar uma retórica antidemocrática. Alguém pode dizer: "Ah, mas ele sempre foi assim". Concordo, mas foi assim como deputado federal, representando uma pequena parte da população. Outra coisa é fazer isso como presidente da República, como o supremo magistrado da nação. Tive a oportunidade de falar com o presidente Bolsonaro durante um jantar com ele, em função de termos sido colegas na Câmara de Deputados. Na ocasião, eu o alertei que essa retórica (antidemocrática) não era adequada, que ele só era presidente em função da democracia, e se tivesse um golpe, como foi solicitado em vários momentos (pelos apoiadores dele), ele próprio não seria presidente. Ou você acha que, se fosse dado um golpe, os generais iam colocar um capitão no poder? Então, foi ali (quando iniciou o discurso antidemocrático) que ele começou a restringir o seu espaço de ação...
JC - Alguns analistas dizem que esse discurso mais radical se comunica com os seus apoiadores...
Marun - Ele passou a falar não com os que o elegeram. O Centro esteve com ele, e é um segmento democrático. Ele passou a falar somente com um segmento de extrema-direita, que esteve presente em seus votos e no apoio a sua eleição. Em relação ao MDB, por exemplo, houve um afastamento em razão dessa retórica antidemocrática, totalitária, dos comícios a favor do AI-5 (Ato Institucional número 5, que cassou mandatos de parlamentares eleitos, por exemplo), da saudação a pessoas vistas como torturadores... Algumas pessoas dizem: "O presidente nunca fez nada de antidemocrático". Só que, para os democratas, o presidente deve ser como a mulher de César: tem que ser e parecer democrático. Se, por um lado, o presidente Bolsonaro não chegou a ter nenhuma atitude de real ação contra a ordem democrática e o Estado de Direito, por outro, sua retórica fez com que ele parecesse não ser um democrata. Isso afastou o Centro não-pragmático do seu governo. Ele ficou só com o Centro pragmático. E (o resultado disso) é o que estamos vendo: orçamento secreto, toda essa atuação absolutamente contraditória com seus objetivos, pelo menos com os objetivos expressos na sua campanha...
JC - Muitos analistas classificam o MDB como um dos partidos do chamado Centrão. O senhor fez uma diferenciação entre o Centro não-pragmático e o pragmático. O segundo seria o Centrão? É um bloco homogêneo?
Marun - Olha, o Centrão é homogêneo no pragmatismo. Não estou aqui para criticar... Estou aqui para dizer que o Centrão é pragmático, é uma política de resultado, resultados também para sua base política. Então, hoje, como sempre, o Centrão está com o governo. O MDB resolveu se diferenciar. Se em algum momento tivemos proximidade com esse governo, decidimos efetivamente colocar nossas diferenças. Não aceitamos cargos no governo. Tanto que colocamos um candidato (deputado federal Baleia Rossi, MDB-SP) a disputar a presidência da Câmara contra o (atual presidente) Artur Lira (PP-AL). Mesmo que nós não tenhamos vencido, marcamos posição.
JC - É possível governar sem Centrão?
Marun - Não sei se dá para governar sem o Centrão, mas dá para governar sem o Centrão mandando. Tanto que nós (durante a gestão do ex-presidente Michel Temer) governamos com o Centrão, mas o núcleo do governo foi exercido por pessoas historicamente próximas do presidente Temer. Com isso, conseguimos apresentar resultados. Por exemplo, aprovamos o Teto de Gastos, um corte inédito nos gastos públicos.
JC - As pesquisas de intenção de voto têm demonstrado como a política brasileira está polarizada entre o ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro. Os candidatos da chamada terceira via - como a senadora Simone Tebet (MDB), o ex-governador de são Paulo João Doria (PSDB) e o deputado Luciano Bivar (UB) - parecem não empolgar o eleitorado. O que é necessário para a terceira via deslanchar?
Marun - A terceira via precisa de altruísmo e de espírito público de todos os envolvidos. Nós poderíamos estar discutindo o nome do candidato ainda. Haveria tempo para isso. O que não poderíamos mais estar discutindo é se vamos estar unidos. Essa coalização dos partidos de Centro deveria ter se formalizado até novembro de 2021. Até porque nenhum deles tem condição de disputar a eleição sozinho. Se, juntos, já é difícil; separados, a terceira via não tem nenhuma chance. Então, essa coalizão já deveria ter se estabelecido, e um programa comum deveria ter sido apresentado à população. Então, estaríamos procurando um candidato que se encaixasse nesse programa.
JC - Na falta de um projeto, todos querem indicar a cabeça de chapa...
Marun - A terceira via não está atrasada em termos de candidato, está atrasada no sentido de que etapas desse processo de união já deveriam ter sido superadas. Agora estamos com esse problema: nenhum candidato desponta nas pesquisas, o que faz todo mundo achar que tem o direito de ser o candidato. Na verdade, ser candidato não é um direito, é uma consequência. Espero que não haja mais abalos e, até o dia 22 de maio, se possa apresentar o nome desse candidato. Esse nome deve defender, como proposta inicial, que tudo vai se resolver no âmbito da democracia.
JC - Simone Tebet é o melhor nome para a terceira via?
Marun - Na minha avaliação, é. Entre os candidatos que estão postos, é (o melhor nome). A terceira via está procurando um Michel Temer, que pode ser mais jovem... Mas o perfil que se busca é de um Michel Temer. É ele que tem a cara do Centro hoje. A direita tem a cara do Bolsonaro, a esquerda tem a cara do Lula, e o Centro tem a cara do Temer. Em princípio, Michel não seria mais (candidato), até pela sua idade. Diante desse espírito que se procura, vejo a Simone em vantagem em relação aos outros candidatos. E não estou diminuindo nenhum deles. Se qualquer um deles despontar, devemos ter humildade de apoiar.
JC - Existe a possibilidade de Simone Tebet ser vice?
Marun - Simone nega a possibilidade de ser vice. É um direito dela. Ela apoia aquele que vier a ser o candidato do Centro, mas nega a possibilidade de ser vice. Obviamente, não podemos obrigá-la a aceitar uma candidatura (a vice), apesar de eu não ver nenhum demérito a uma mulher ser candidata a vice-presidente de uma coligação. Temos na Argentina a ex-presidente (Cristina Kirchner) como vice; nos Estados Unidos, também temos uma vice-presidente (Kamala Harris). Então, não há nenhum demérito nisso. Mas a posição dela (Simone Tebet) deve ser respeitada, salvo se se altere.
JC - Um dos últimos nomes a entrar nas possibilidades da terceira via foi o do ex-governador.
Marun - Eduardo Leite fez um grande governo, dando sequência ao grande governo do (ex-governador José Ivo) Sartori (MDB, 2015-2018). Tanto que está sendo lembrado na corrida eleitoral para presidente. A grande dificuldade é o fato de que quem venceu as prévias do PSDB foi Doria. Ele (Eduardo Leite) esteve com o presidente Michel Temer, que o aconselhou a procurar Doria. Foi mais uma missão pacificadora do Temer. E Eduardo Leite o fez, com muita razão, porque deve aparar as arestas internas do PSDB. Mas, sinceramente, é difícil Leite ser o candidato a presidente, apesar de ser um nome interessantíssimo até em uma composição de chapa. Vejo Leite ativo e presente na disputa eleitoral.
JC - Recentemente, o senhor acompanhou Temer, que veio a Porto Alegre para palestras e reuniões com as duas alas do MDB gaúcho que disputam a indicação do candidato emedebista ao governo do RS. Um grupo defende o nome do deputado estadual Gabriel Souza; o outro, o do ex-secretário de Porto Alegre Cezar Schirmer. Havia uma expectativa de que Temer apaziguasse essa divisão interna. Isso aconteceu?
Marun - O presidente Temer não viajou ao Rio Grande do Sul com a missão de resolver essa divisão interna do MDB gaúcho. Não foi essa a sua missão e não houve articulações nesse sentido. Mas, realmente, o presidente Temer leva à união, à pacificação. No jantar que realizamos para alguns emedebistas, obviamente não podíamos convidar todos, já teve um espírito positivo, porque compareceram os segmentos que estão envolvidos nessa indesejada conflagração. Então, se não resolveu (a disputa), ele (Temer) sinalizou positivamente, no sentido em que é necessário unidade, pacificação, se quisermos ter chance de ganhar o governo.
JC - Ainda dá tempo de um candidato de consenso? Sartori seria esse nome?
Marun - Candidato de consenso não existe mais. Sem dúvida, o Sartori seria um nome de consenso, mas ele tem o direito de não querer mais exercer essa função. Então, não devemos mais trabalhar em cima dessa hipótese. Fora Sartori, não existe possibilidade de consenso. O que existe é a possibilidade de uma união em torno de uma candidatura. E é isso que estamos procurando. A união não quer dizer que existe um consenso. A união se estabelece até resultar em um consenso. Se existe um consenso, a união já está resolvida. Mas, não existindo um consenso, a união deve ser construída. É nesse processo que estamos agora.
JC - Qual nome é mais competitivo: Gabriel Souza ou Cezar Schirmer?
Marun - Diante da retirada do Alceu Moreira (da disputa pela candidatura a governador), a maioria do partido tende a ser do deputado Gabriel, independentemente de ainda existirem algumas resistências. Então, o deputado (federal) Baleia (Rossi) disse claramente: "Schirmer é um grande nome, mas talvez tenha entrado um pouco tarde na disputa". Devido a este fato, já encontra os compromissos de grande parte do partido estabelecidos com Gabriel. Claro que existem os setores dissidentes. O que é inadmissível nesse momento é termos quinta coluna. O que é quinta coluna? Alguém que está atuando dentro do partido para beneficiar Bolsonaro, Lula... Precisamos ter gente pensando no partido. Eleição se perde ou se ganha. Se o partido entra e sai unido, independentemente do resultado das urnas, ele é o vitorioso. Isso tem que acontecer com o MDB. Tenho certeza que Schirmer não está atuando nesse sentido, porque ele tem uma história que demonstra o quilate da sua vida partidária. Mas o que não é admissível é isso. Nos próximos dias, teremos a solução desse processo. E, se não houver solução, que se busque a forma que se vai tomar a decisão, para que a vontade da maioria se estabeleça.

Perfil

Carlos Eduardo Xavier Marun nasceu em Porto Alegre, em 21 de novembro de 1960. Em 1982, graduou-se em Engenharia Civil pela Ufrgs. Em 1999, já no Mato Grosso do Sul, concluiu o curso de Direito pelo Centro Universitário de Campo Grande. Seu primeiro partido foi o PTB. Em 2003, migrou para o MDB, no qual permanece até hoje. Elegeu-se vereador de Campo Grande e conquistou dois mandatos de deputado estadual. Em 2007, licenciou-se para assumir a Secretaria Estadual de Habitação e Cidades. Em 2014, foi o segundo deputado federal mais votado no MS. Na Câmara, foi um dos principais defensores do ex-presidente da casa Eduardo Cunha (MDB), quando o Conselho de Ética moveu um processo contra o parlamentar. Em 2017, foi relator da CPI da JBS, que apurou empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ao Grupo JBS. No mesmo ano, foi um dos principais articuladores do arquivamento do pedido de investigação do ex-presidente Michel Temer (MDB, 2016-2018), denunciado pelo Ministério Público por formação de quadrilha e obstrução da justiça. Em novembro de 2017, foi nomeado por Temer ministro da Secretaria de Governo.