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câmara de porto alegre

- Publicada em 02 de Setembro de 2021 às 19:53

Projeto proíbe uso de linguagem neutra nas escolas de Porto Alegre

Proposta quer vetar uso de expressões como "todes" ou "alunes" nas escolas

Proposta quer vetar uso de expressões como "todes" ou "alunes" nas escolas


FREDERICK FLORIN/AFP/JC
O debate sobre o uso da linguagem neutra nas escolas da rede municipal está na esfera legislativa em Porto Alegre. A tramitação do Projeto de Lei (PL) n° 077/21, que aguarda parecer da Procuradoria da casa, quer a garantia legal da proibição da utilização de expressões como "bem-vindes" ou "todes" pelos professores.
O debate sobre o uso da linguagem neutra nas escolas da rede municipal está na esfera legislativa em Porto Alegre. A tramitação do Projeto de Lei (PL) n° 077/21, que aguarda parecer da Procuradoria da casa, quer a garantia legal da proibição da utilização de expressões como "bem-vindes" ou "todes" pelos professores.
A vereadora Fernanda Barth (PRTB), autora do projeto, conta que houve a necessidade de legislar sobre o assunto depois de diversas reclamações: "Vimos vários pais procurarem a Câmara indignados com o uso dessas palavras em trabalhos escolares e na comunicação dos professores dos seus filhos".
A justificativa no texto do PL é "a garantia do direito ao aprendizado de acordo com as normas e orientações legais da língua portuguesa dentro do ensino municipal"; e tem como coautores, os vereadores Alexandre Bobadra (PSL), Comandante Nádia (DEM), Hamilton Sossmeier (PTB), Jessé Sangalli (Cidadania) e Ramiro Rosário (PSDB).
A criação, disseminada principalmente via internet, de variações para os pronomes ou substantivos, com a substituição de uma vogal "a" ou "o" pela a letra "e", no caso de "todes" - por exemplo-, representa a busca da neutralidade de linguagem a partir de movimentos sociais que fomentam a inclusão de pessoas que não se identificam nem com o sexo feminino e nem com o sexo masculino, representadas pela comunidade LGBTQI .
Há também, o questionamento sobre o porquê do uso de palavras masculinas para descrever coletivos, como "todos os alunos" no caso de um grupo misto, gerando uma suposta supremacia do sexo masculino ao feminino por herança histórica, debatida por esses movimentos.
"A linguagem é uma coisa viva, não existe a intenção de proibir que as pessoas utilizem, mas sim, que os professores façam o uso no exercício das suas funções escolares", explica a vereadora. O assunto vem sendo comentado desde o início do mandato e conta com o respaldo da secretária municipal de Educação, Janaína Audino, conforme relata a vereadora.
Para o coautor do PL Jessé Sangali: "Confundir gênero gramatical com o gênero sexual não é 'resistência', é falta de informação". E completa dizendo que já existe no vocabulário palavras neutras como "jovens" e "estudantes". O vereador afirma que o movimento da utilização dessas expressões é uma inversão do conceito da linguagem viva, sendo uma imposição do elitismo acadêmico que tenta forçar inorganicamente um jeito de falar que as pessoas mais simples não usam, e por isso, a importância do Projeto de Lei estar em tramitação.
O diretor da Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), Ezequiel Viapiana, que representa as 97 escolas da rede, se mostra contrário ao projeto de lei e rebate os argumentos apresentados: "Neste ano, houve dois casos em que os pais se manifestaram contrários à utilização dessas expressões. Isso representa uma minoria da nossa comunidade".
O diretor explica que a língua portuguesa formal é ensinada conforme as diretrizes de ensino, mas que isso não exclui que os outros tipos de linguagem sejam abordados em sala de aula: "A comunicação muda conforme as demandas da sociedade, várias palavras já foram modificadas conforme o tempo, inclusive estamos sempre revisitando isso no conflito entre geração de professores e estudantes."
Viapiana destaca que reclamações sobre o uso de uma palavra ou outra não se comparam com a quantidade de pedidos que a associação recebe por demandas mais urgentes, como cesta básica, a qualidade do ensino e acesso a tecnologia em tempos de pandemia. "Os esforços dos vereadores poderiam ser revertidos em capacitação para os professores ou em ações que beneficiassem a melhora das escolas", ressalta.

Especialista da Ufrgs afirma que línguas têm dinâmica voluntária

As línguas evoluem, em uma dinâmica que a linguística chama de voluntária e irrefletida. Voluntária porque há tomada de decisão no ato da fala, mas irrefletida no seu uso, considerando a automaticidade na utilização de vocabulário, explica o professor titular do Departamento de Linguística, Filologia e Teoria Literária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Luiz Carlos Schwindt.
 Para o professor a normatização da linguagem (pelo Poder Público) se torna pouco eficiente devido ao movimento natural que acontece dentro da comunicação em sociedade. "Uma mudança em termos de gênero no português pode vir a acontecer, como também, pode vir a não acontecer, e não é uma lei que determinará isso."
Segundo Schwindt, não existe como profetizar se existe uma mudança em progresso que ocasionará a formalização em algum momento da palavra "menine" como opção de gênero neutro (por exemplo), por duas razões: primeiro precisará ser definido coletivamente se essas palavras representam de fato pessoas não-binárias (que não se identificam com o sexo feminino ou masculino) ou pessoas transgênero ou pessoas homossexuais, com base em um acordo tácito social. "Tudo que nós nomeamos em uma língua, tem a ver com o seu significado."
A segunda razão, são alguns entraves estruturais, as palavras portuguesas são principalmente terminadas em vogais, em sua maioria terminadas com a vogal "a". As vogais "e", "o" e "a" elas existem para palavras de todos os gêneros tendo palavras femininas e masculinas com essas terminações. Então, o professor explica que existe uma limitação fonológica (ramo da linguística que estuda o sistema sonoro do idioma) para que possa indicar uma dessas três vogais para ser a neutra.
Por outro lado, as palavras sexuadas que terminam em "o" ou "a", representam apenas 5% do idioma: "Poderíamos ter a vogal "e" como marca de gênero neutro nesse subgrupo do vocabulário". No entanto, uma inovação como essa na língua ainda precisaria da acomodação no sistema de sons, além da questão gramatical, e isso independe de ser um movimento legítimo das pessoas que sentem excluídas nesta dicotomia biológica, destaca o professor.
Para o especialista, o alerta em relação a uma possível dificuldade de aprendizagem dos alunos em contato com diferentes linguagens, além da norma culta é totalmente equivocado: "Essa interpretação subestima a capacidade que as crianças têm de aprender e refletir sobre o que é ensinado para elas".