Representantes de uma série de entidades ligadas ao movimento negro promoveram, na noite de quinta-feira (24), um ato virtual de repúdio à exclusão de itens do acervo da Fundação Cultural Palmares, sinalizada pelo presidente da entidade, Sérgio Camargo, no começo do mês. Em um ato virtual, os ativistas denunciaram o que consideram um movimento de censura dentro da instituição, e denunciaram a possível retirada de livros como uma tentativa de apagamento da memória da resistência negra no Brasil.
"Uma parte de nós (Brasil) é africana, e é preciso que reconheçamos essa presença africana em nós", disse Gilberto Gil, músico e ex-ministro da Cultura no governo Lula. "Quando se dá o nome Palmares a uma instituição de preservação da cultura, o que se busca é evocar a grandeza da presença negra entre nós. Palmares foi campo de luta, palco da história, símbolo do passado cada vez mais presente de nossos avós. A África civiliza o Brasil", frisou.
Em manifesto lido no começo do ato, os responsáveis pelo evento afirmaram que a Fundação Cultural Palmares está sendo "demolida e aviltada por uma gestão autoritária e com forte viés racista", e denunciaram a exclusão de artigos sobre negros e negras de projeção do site da entidade. Entre os milhares de livros alvos de possível exclusão, estão autores como H.G. Wells, Celso Furtado, Eric Hobsbawn, Karl Marx e Max Weber, entre outros. Em redes sociais, Camargo afirmou que todas as obras que "corrompem a missão cultural da Fundação Palmares" seriam excluídas, e qualificou os volumes como "marxistas, bandidólatras e de perversão sexual".
"(Camargo) é um homem negro que nega sua própria história, nega a sua identidade. Ele ainda não sabe que é negro, porque, se soubesse, estaria projetando as lutas que foram travadas. Como não cuidar da história do Brasil? Não vamos aturar o racismo institucional de um governo que nos odeia", afirmou a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ).
O também deputado federal Bira do Pindaré (PSB-MA) qualificou Camargo como um "fantoche" de Jair Bolsonaro, associando-o a outras situações, como a quase paralisação das titulações de terras quilombolas. "Ele está a serviço dos que afirmam que a escravidão foi benéfica, que a Princesa Isabel é nossa heroína. Não tenho raiva: tenho é pena de um sujeito que nega a si próprio, que se automutila", acrescentou.
"Nós estamos em uma das encruzilhadas de nossa história. Tenho a impressão de que ele (Bolsonaro) censura, desmonta a Fundação Palmares e quer reescrever a história porque sabe a potência que existe na resistência de negros e negras brasileiras", afirmou a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS), bibliotecária e presidente da Frente Parlamentar do Livro, da Leitura e da Escrita da Câmara.
Ex-ministro da Cultura durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, Francisco Weffort disse que enfrentar a "tentativa de destruição" da Fundação Palmares é fazer a defesa da cultura e da identidade do povo brasileiro. "Temos a história dos negros, através da Fundação Palmares, e queremos que ela se mantenha, como elemento fundamental na construção da democracia brasileira. Querem destruir a Fundação Palmares, mas isso é impossível, porque não se pode destruir a história de um povo."
Estavam previstas ainda, durante a noite, no decorrer da live, as participações do ex-ministro da Cultura Juca Ferreira, bem como dos ex-presidentes da República Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso.
Na quarta-feira (23), a Justiça Federal do Rio de Janeiro proibiu que a Fundação Palmares descarte ou danifique as obras. A decisão estabelece multa pessoal a Sérgio Camargo, no valor de R$ 500,00 para cada item doado, além de intimá-lo a oferecer explicações sobre a medida, no prazo de 15 dias.