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Política

- Publicada em 31 de Maio de 2021 às 16:04

Orçamento secreto foi destinado a empresas ligadas a políticos

Suposto esquema foi montado por Bolsonaro em 2020 para ganhar apoio político

Suposto esquema foi montado por Bolsonaro em 2020 para ganhar apoio político


MARCOS CORRÊA/PR/DIVULGAÇÃO/JC
Agência Estado
Parte da verba do orçamento secreto revelado pelo Estadão foi parar nos cofres de empresas ligadas a políticos e também de firmas que já figuraram nas páginas de outro escândalo, a operação Lava Jato. Uma análise da destinação do dinheiro mostra estabelecimentos caseiros fechando contratos de dezenas de milhões de reais para compra de maquinário pesado.
Parte da verba do orçamento secreto revelado pelo Estadão foi parar nos cofres de empresas ligadas a políticos e também de firmas que já figuraram nas páginas de outro escândalo, a operação Lava Jato. Uma análise da destinação do dinheiro mostra estabelecimentos caseiros fechando contratos de dezenas de milhões de reais para compra de maquinário pesado.
Na quarta-feira (19), o subprocurador-geral da República junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) Lucas Furtado formulou uma representação para que sejam apuradas possíveis irregularidades envolvendo as empresas contratadas com esses recursos. O assunto será agora investigado pela área técnica.
"É óbvio - deve ser registrado por dever de ofício - que nem todas as empresas tenham atuado de forma ilícita na obtenção dos contratos. Cabe, contudo, ao controle externo, identificar padrões de atuação", escreveu Furtado na representação.
O esquema do orçamento secreto foi criado pelo presidente Jair Bolsonaro e operado com verba do Ministério do Desenvolvimento Regional, uma pasta loteada pelo Centrão. Com o aval do Planalto, um grupo de deputados e senadores pôde impor o que seria feito com ao menos R$ 3 bilhões. Toda negociação foi sigilosa e fere a lei orçamentária, o que pode levar o presidente a responder por crime de responsabilidade.
A pasta comandada pelo ministro Rogério Marinho recebeu a maior parte dos recursos em 2020: R$ 8,3 dos 20,1 bilhões. O dinheiro foi usado pela própria pasta e por órgãos ligados a ela, como o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca e a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, a Codevasf.
Uma das empresas na mira do TCU é a JND Representações. Ela fechou três contratos com a Codevasf no fim de 2020 para fornecer maquinário pesado, totalizando R$ 11,04 milhões. Um feito e tanto para uma microempresa aberta em 2018, sediada em um apartamento residencial e comandada por um jovem de 29 anos. A JND tem capital social de R$ 50 mil - ou seja, este é o valor do investimento inicial.
Os contratos foram fechados em uma indicação do ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Segundo o Fisco, as microempresas como a JND devem ter receita bruta anual que não ultrapasse R$ 360 mil - valor bem inferior aos contratos da JND com a Codevasf. No caso desses contratos, a JND sagrou-se vencedora dentro da cota destinada a pequenas empresas. A sigla "JND" faz referência ao nome do dono. Jonathan Allison Dias é um engenheiro civil de 29 anos e de origem mineira. Sua empresa parece ser especialista em licitações da Codevasf: foram onze desde agosto de 2020. A firma não participou de outras licitações do governo.
Em um dos certames, a Codevasf arrematou da JND seis motoniveladoras de 193 cavalos de potência e 17 toneladas de peso, por R$ 656,5 mil cada uma. O valor total é de R$ 3,9 milhões. No outro edital, a JND vendeu 11 escavadeiras hidráulicas por R$ 6,6 milhões. Em ambos os casos, os equipamentos foram comprados "com vistas a atender o Estado do Amapá".
Questionado pela reportagem, Jonathan Allison afirmou não ter qualquer conhecimento sobre a indicação de Alcolumbre e que sequer o conhece. "Minha empresa cumpre com todos os requisitos de qualificação exigidos pelo edital." A Codevasf informou que os contratos vencidos pela JND "foram realizados no site oficial de Compras do Governo Federal, onde ficam registrados todos os atos praticados pelo pregoeiro responsável".
A empresa baiana Liga Engenharia Ltda não tinha contrato com o governo federal até setembro de 2019. Foi quando começou a ganhar uma série de licitações na Codevasf e no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), órgãos aparelhados pelo Centrão. Em 1 ano e 3 meses firmou oito contratos com valores somados de R$ 58 milhões, dos quais já recebeu R$ 53 milhões.
Um sócio da empresa é cunhado de um sobrinho do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Foi um Termo de Execução Descentralizada indicado pelo senador, em 2019, antes da criação do orçamento secreto, que representou o primeiro grande aporte na empresa, de R$ 28 milhões. A maior parte foi para serviço de pavimentação asfáltica em vias urbanas e rurais de municípios na região de atuação da 3.ª Superintendência Regional da Codevasf, em Petrolina-PE. O chefe da superintendência, Aurivalter Cordeiro, é ex-assessor de Bezerra Coelho.
Do orçamento secreto, a empresa deve receber R$ 18 milhões da Codevasf por novos contratos. São os valores previstos em uma licitação que a empresa venceu, mas que a área técnica do TCU quer suspender. A Liga foi uma das dezoito empresas a ganhar licitações consideradas irregulares por auditores para obras de pavimentação.
O TCU deve retomar a análise do caso nesta quarta-feira. No caso da Liga, esses R$ 18 milhões devem ser bancados por transferências feitas pelo ministério para a Codevasf por indicações do senador Fernando Bezerra Coelho e do seu filho, deputado Fernando Filho (DEM-PE), bem como do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).
Procurada, a Codevasf disse que "relações sociais ou familiares de sócios de empresas participantes desses procedimentos são desconhecidas e não integram o rol de critérios de classificação ou desclassificação". Procurados, os parlamentares e a empresa não deram retorno.

Ética

No bolo de R$ 2 bilhões do orçamento secreto destinados às empresas há ainda outras firmas ligadas à políticos. Uma delas é a empreiteira Ética Construtora, sediada em Goiânia (GO) e que pertence à família do ex-deputado federal Marcos Abrão (Cidadania-GO).
A Ética foi contratada pela Codevasf para realizar serviços no Piauí com recursos direcionados pelo presidente nacional do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), e pelo governador de Brasília, Ibaneis Rocha (MDB). O dinheiro empenhado (isto é, reservado pelo governo) para a firma chega a R$ 22 milhões. Ciro Nogueira também está relacionado à outra empresa que recebeu recursos do orçamentos secreto. A agência de viagens Open Tour, de Teresina (PI), pertence a Ermelinda Jacob. Ela é casada com Roberto Théophile Jacob, padrinho de casamento do senador. Questionado pela reportagem, Ciro Nogueira não respondeu.
A Open-Tour recebeu em 2020 R$ 104 mil da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), empresa pública ligada ao Desenvolvimento Regional. Ao a, a CBTU disse que a firma venceu uma licitação em agosto de 2019, da qual participaram 23 empresas.
Construtoras que já foram investigadas na Lava Jato também receberam do orçamento secreto. É o caso da Queiroz Galvão e da Ferreira Guedes SA. O Ministério do Desenvolvimento Regional afirma que "realiza processos licitatórios que são submetidos às normas e leis brasileiras". E que não pode impedir as empresas de participar de licitações por terem sido alvo de investigação, sem que tenham sido proibidas pela Justiça.

Orçamento secreto foi criado por Bolsonaro

O orçamento secreto é um esquema montado por Jair Bolsonaro em 2020 para ganhar apoio político. Deputados e senadores fecharam acordos com o governo para escolher, naquele ano, o destino de ao menos R$ 3 bilhões do Ministério do Desenvolvimento Regional.
Ao contrário das emendas individuais, nas quais o dinheiro é dividido de forma equânime, nas emendas RP 9 o valor de cada político é decidido pelo Planalto. As informações sobre qual político indicou o quê não são públicas.
O Ministério Público do TCU investiga se Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade por desrespeito à Lei Orçamentária, que impede o Congresso de impor como gastar esses recursos.
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