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Entrevista Especial

- Publicada em 11 de Abril de 2021 às 11:00

PIB gaúcho deve crescer mais que o Brasil, prevê presidente do Banrisul, Claudio Coutinho

'O mercado penaliza o Banrisul por ter controle estatal', avalia o presidente do banco, Claudio Coutinho

'O mercado penaliza o Banrisul por ter controle estatal', avalia o presidente do banco, Claudio Coutinho


fotos: MARCELO G. RIBEIRO/JC
As consequências da pandemia na economia gaúcha tiveram efeitos diretos nas operações do Banrisul. Além de uma queda de 35,2% no lucro líquido, houve forte crescimento na digitalização do banco, influenciado pela redução de atividades e atendimento nas agências. As mudanças colocaram pressões adicionais na missão do presidente do Banrisul, Claudio Coutinho, de elevar a rentabilidade do banco.
As consequências da pandemia na economia gaúcha tiveram efeitos diretos nas operações do Banrisul. Além de uma queda de 35,2% no lucro líquido, houve forte crescimento na digitalização do banco, influenciado pela redução de atividades e atendimento nas agências. As mudanças colocaram pressões adicionais na missão do presidente do Banrisul, Claudio Coutinho, de elevar a rentabilidade do banco.
Porém, para 2021, o dirigente é otimista. Ele destaca que a previsão é que a carteira de crédito cresça entre 10% e 15% neste ano, estimulada principalmente pelo financiamento rural, incentivado pelos bons resultados esperados no agronegócio gaúcho, responsável por 40% do PIB estadual. "Isso deve contribuir para que a economia do Rio Grande do Sul tenha um desempenho melhor do que a média do Brasil", projeta.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Coutinho lembra que uma dificuldade a mais foram as recentes intervenções do governo federal na Petrobras e no Banco do Brasil, que estão afastando investidores de estatais, reduzindo os preços das ações. "O mercado nos penaliza pelo controle ser estatal." Entretanto, ele não comenta a possibilidade de privatização do banco. "Sou apenas o gestor, meu mandato é para fazer o banco o mais rentável possível, é nisso que estou focado. Esse assunto (privatização) não é da minha alçada, isso depende dos deputados e do governo."
Jornal do Comércio - Passado um ano de pandemia, quais os desafios mais fortes que o Banrisul enfrentou nesse período?
Claudio Coutinho - Sem dúvida, foi a questão de saúde, humanitária. Implantamos protocolos rígidos, desenhados pelo Hospital Moinhos de Vento. E você é obrigado a trabalhar com menor capacidade nas agências, com atendimento reduzido, e muitas vezes a população não compreende, acha que é culpa do banco ter menos pessoas e só poder atender por agendamento. Apesar da maior demanda por acessos digitais, muitas pessoas ainda não têm familiaridade com as tecnologias e se dirigem às agências para tarefas que seriam facilmente feitas pela internet. Depositar cheque pode ser feito pelo celular, assim como fazer pagamentos, transferências, investimentos, cartões de crédito. Já temos um milhão de acessos digitais por dia, com crescimento de 30% em 2020.
JC - Em 2020, o Banrisul fechou nove agências. O avanço do digital pressiona para a redução de operações físicas?
Coutinho - Até o final deste mês, seguindo nosso programa de racionalização, devemos ter fechado 16 agências e também 25 postos de atendimento. A ideia é que esse seja um programa contínuo, com nossas áreas de planejamento estudando constantemente a rede para otimização. Um dos motivos é que o processo de digitalização está se acelerando rápido. No ano passado, por exemplo, o crescimento de pessoas que baixaram o app foi de quase 20%, e esse processo continua. Das nossas transações, 76% foram por canais digitais. Com o tempo, a necessidade de você ter atendimento físico presencial vai diminuir. Mesmo as pessoas que não são versadas no uso de meios digitais muitas vezes têm smartphone e, vendo as facilidades que o meio digital oferece, acabam aprendendo a usar. Esse processo de fechamento, como diria o gaúcho (ex-presidente) Ernesto Geisel, é lento, gradual e seguro.
JC - Como é decidido quais agências serão fechadas?
Coutinho - É um trabalho muito meticuloso, a gente estuda a quantidade de clientes, se aquela agência é rentável, quantidade e opções de atendimento do local. Também vemos se existe uma agência próxima para atender os clientes que migram, com capacidade de espaço, de pessoal, a fim de não perder qualidade.
JC - Em 2020, uma inovação que entrou forte no sistema financeiro foi o PIX. Como está a adesão dos clientes do Banrisul?
Coutinho - A velocidade de adesão é impressionante. Cerca de 60% das transferências feitas hoje são pelo PIX. Ele não tem só um efeito de substituição, mas de crescimento de operações. Um pagamento que o nosso cliente antes não fazia através de TED ou DOC, ele passou a fazer pelo PIX, principalmente os de valores menores, como R$ 50,00 a R$ 200,00, que eram realizados provavelmente em papel moeda. No momento, sentimos que o PIX não está canibalizando produtos que nós já temos, como TED e DOC, mas está criando um mercado próprio.
JC - Em 2020, o lucro líquido do banco caiu 35,2%, para R$ 824,8 milhões. Considerando-se a situação econômica do Estado, esse resultado foi positivo?
Coutinho - Acho que foi bom. O ano passado começou positivo e aí, em março, vieram os efeitos da pandemia. A atividade econômica sofreu uma paralisia muito grande. Com isso diminuiu muito o ritmo de operações, os clientes estavam todos retraídos. Passamos o segundo e o terceiro trimestres muito preocupados em dar conta de lidar com a pandemia. Só a partir do quarto trimestre que a gente teve uma retomada. Por exemplo, a carteira de cresceu 3,9% em 2020, um resultado modesto, mas isso graças apenas ao crescimento no último trimestre. Fizemos também uma provisão grande para créditos duvidosos, com aumento de 25,8% no ano, foram R$ 350 milhões de provisão adicional comparada a 2019. Tivemos também aumento do imposto sobre o lucro do banco, a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) aumentou 5%. Além disso houve a limitação dos juros do cheque especial, uma regulação nova que obviamente incidiu sobre a receita do banco. Considerando-se que a taxa de juros da Selic estava a 2%, todas essas coisas juntas fazem achar que esse resultado que a gente obteve, pouco mais de 10% de retorno sobre patrimônio, não foi ruim. Todos os grandes bancos de varejo tiveram um retorno em torno de 14%, então não ficamos muito longe.
JC - O guidance do Banrisul para 2021 previa aumento de crédito de 10% a 15%. Diante do atual cenário econômico, essa é uma previsão otimista ou realista?
Coutinho - Quando fizemos essa previsão na virada do ano, os analistas de mercado acharam que estávamos sendo muito conservadores, que era pequeno, tímido. Infelizmente, a partir de março ficou claro que a trajetória prevista pelos analistas não ia ser a mesma, as expectativas dos economistas já é de que o PIB vai crescer abaixo de 3,6%, em torno de 3%. Isso significa, em relação ao ano passado, uma queda, porque esses 3,6% seriam meramente o efeito estatístico do impacto do ano anterior. Então a gente está vendo o cenário com muita preocupação. Em relação ao Rio Grande do Sul, temos um certo otimismo contrabalançando essa preocupação que é o fato de 40% do PIB gaúcho é ligado ao agronegócio, um setor que terá bons resultados. A safra de soja deve passar de 20 milhões de toneladas, com o nível de preços elevado para as commodities tanto em dólar quanto em real, um evento raro de acontecer de forma combinada. Isso deve contribuir para que a economia do Rio Grande do Sul tenha um desempenho melhor do que a média do Brasil. Ano passado, nossa carteira de crédito do agronegócio aumentou 27% e a gente acha que vai ter um crescimento parecido em 2021. Outra linha que cresce muito que é o CDC Sustentabilidade, que aumentou 200% no ano passado, atingindo saldo de R$ 174 milhões. É uma linha que financia equipamentos para geração distribuída de energia, como placas de geração de energia fotovoltaica. Fizemos muitas operações dela no ano passado e acreditamos que neste ano vamos continuar crescendo.
JC - O Banco Central (BC) já vem dando indicações que haverá novas altas da Selic para conter a inflação. Isso é suficiente para controlar os preços? Aumentar os juros não causa o risco de prejudicar a recuperação econômica?
Coutinho - Vejo sinais de que o nosso juro está baixo demais. Se você olhar a inflação, que está um pouco acima de 5% nos 12 meses do IPCA 15, com a Selic a 2%, se está falando de juros negativos de 3%. Nenhum lugar do mundo está com juros nessa ordem. Os juros estão mais negativos do que deveriam, e isso ensejou algumas distorções no mercado financeiro, como o deságio em título público indexado à taxa de juros. A Letra Financeira do Tesouro (LFT) tem sofrido deságio. Títulos públicos indexados à Selic com deságio é algo que não acontecia desde o início dos anos 2000. Por outro lado, a inflação tem se mostrado muito forte, e o mercado tem que ter uma crença de que o BC tudo fará tudo para que a inflação fique dentro da meta. Se o BC abandona a inflação para ajudar a atividade econômica isso pode ter um custo muito maior. No final do governo da presidente Dilma Rousseff (PT), a inflação chegou a quase 11%. Quando entrou o presidente Michel Temer (MDB), e IIan Goldfajn se tornou presidente do BC, foi muito custoso para trazer a inflação de volta à meta, os juros chegaram a 14% em um período para alcançar isso. Não acho que o BC deva brincar com a inflação, a situação é muito séria. A missão dele é colocar a inflação na meta, crescimento da atividade é com o Ministério da Economia. Não é com política monetária que se faz crescimento, mas com políticas de investimentos, um ambiente de negócios atrativos, regras fiscais que sejam simples e com um arcabouço jurídico que dê confiança ao empreendedor. Não se faz crescimento usando política monetária, nenhum país consegue. Política monetária tem que ser neutra, o BC tem que entregar uma inflação baixa e pronto.
JC - Se o BC não atuasse contra a inflação agora, a situação poderia ficar muito pior em 2022?
Coutinho - Sem dúvidas. Até porque há um complicador, que é o tamanho da dívida pública, que coloca um teto no nível de juros que podem ser praticados caso a inflação se descontrole. Para explicar, temos 90% de dívida pública sobre o PIB. Se tiver que chegar a 15% de juros, está se falando nominalmente de 13,5% do PIB para pagar juros. Mas não dá para pagar isso, o que impõe um limite na política monetária. Então, não se pode deixar escapar a inflação agora, senão você vai entrar no que os economistas chamam de dominância fiscal, a hora que a política monetária perde o efeito. Se o BC tiver que subir demais os juros, o mercado vai olhar para as contas públicas e dizer "esse país vai quebrar fiscalmente, vamos tirar o dinheiro daqui". Então, o BC tem que agir agora e com força na inflação enquanto ainda não está nessa situação de dominância fiscal.
JC - O governo federal fez intervenções nas políticas e na direção de estatais como Petrobras e Banco do Brasil que preocuparam o mercado. Esse movimento se reflete no Banrisul?
Coutinho - O mercado hoje tem muita preocupação com companhias abertas de controle estatal. Se você olhar o nosso pricing, por exemplo, nossos papeis estão sendo negociados a preços não condizentes com os resultados do banco. O mercado nos penaliza pelo controle ser estatal. Mas esse reflexo está ocorrendo de forma geral. Hoje tem empresas e fundos de investimentos que já não compram ações de companhias de controle estatal.
JC - Está avançando na Assembleia Legislativa a PEC 280/2019, que retira a obrigatoriedade de plebiscito para a privatização de estatais, incluindo o Banrisul. O governo vem negando que o banco será privatizado, mas isso pode ocorrer num futuro próximo, considerando a situação fiscal gaúcha?
Coutinho - Essa questão de privatizar ou não é uma decisão do controlador, que é o Estado. Sou apenas o gestor, meu mandato é para fazer o banco o mais rentável possível, é nisso que estou focado. Não converso com o governador Eduardo Leite (PSDB) sobre esse assunto, não é da minha alçada, isso depende dos deputados e do governo.
JC - Como estão as conversas com o governo sobre a possível renegociação da folha dos servidores, hoje de posse do Banrisul?
Coutinho - A última informação que posso dar é a constante no comunicado ao mercado. Vamos conversar sobre o tema, e o Banrisul tomará todas as medidas adequadas para evitar qualquer tipo de conflito de interesses durante a negociação.
JC - O banco ainda tem função estratégica para o governo? Como o senhor vê o papel do Banrisul para as políticas públicas?
Coutinho - Existe uma contradição. O Banrisul é um banco de capital aberto, regulamentado pelo BC, tem acionistas minoritários, mas tem um dever de fazer ações sociais. No ano passado, apoiamos mais de 50 projetos sociais. Mas a gente não vai substituir o Estado em seu papel social, o banco tem um limite. O Banrisul tem seu papel, mas, se um dia for privatizado, o Estado pode cumprir as funções desempenhadas. Então, não vejo a função social como razão para se manter um banco estatal ou não. Acho até que o Estado tem mais ferramentas para fazer ações sociais do que o banco, porque uma instituição financeira tem limites.

Perfil

Claudio Coutinho Mendes nasceu em 1957 no Rio de Janeiro. Formou-se em Engenharia Civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1982. Atuou por dois anos na área de projetos de construção de portos e marinas na Dolfim Engenharia S.A. Ao mesmo tempo, fez faculdade de Economia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, concluindo em 1986. A carreira financeira começou em 1985, como gerente de Investimentos na Schahin Cury Corretora. No ano seguinte, entrou para o Banco BBM S.A, onde ficou 13 anos, chegando a ser sócio e vice-presidente. Em 1999, fundou e, por 14 anos, foi CEO do Banco CR2 de Investimentos. Foi sócio-fundador e diretor da gestora de private equity Mare Investimentos. Seu primeiro cargo em empresa pública foi em 2016, como diretor Financeiro, de Crédito e Internacional do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Após, virou sócio da Tiba Assessoria Empresarial. A relação com o Banrisul começou em 2019, quando se tornou conselheiro de Administração e presidente do Conselho de Administração da Banrisul Cartões. Tomou posse como presidente do banco em 10 de julho daquele ano.