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Entrevista especial

- Publicada em 05 de Julho de 2020 às 20:28

Modelo de bandeiras é insuficiente, avalia Fábio Ostermann

Deputado estadual considera razoável o adiamento das eleições deste ano

Deputado estadual considera razoável o adiamento das eleições deste ano


/fotos: LUIZA PRADO/JC
Embora o líder da bancada do Novo na Assembleia Legislativa, deputado estadual Fábio Ostermann, considere adequado o modelo de distanciamento social implementado pelo governo do Estado, considera um erro a imposição de medidas restritivas baseado exclusivamente nessa ferramenta. Para Ostermann, o governador Eduardo Leite (PSDB) deve tomar decisões em conjunto com os gestores locais.
Embora o líder da bancada do Novo na Assembleia Legislativa, deputado estadual Fábio Ostermann, considere adequado o modelo de distanciamento social implementado pelo governo do Estado, considera um erro a imposição de medidas restritivas baseado exclusivamente nessa ferramenta. Para Ostermann, o governador Eduardo Leite (PSDB) deve tomar decisões em conjunto com os gestores locais.
O distanciamento social prevê uma classificação da gravidade da disseminação do coronavírus em cada região gaúcha. As áreas recebem uma bandeira colorida - amarela, laranja, vermelha ou preta - de acordo com o número de mortos, os casos confirmados de Covid-19, a quantidade de leitos disponíveis nas UTIs (Unidades de Tratamento Intensivo) etc.
Ostermann também reclama que o governo tem empenhado tempo demais na divulgação do sistema de distanciamento social, passando a dar menos atenção aos problemas do Estado, propriamente ditos. O deputado avalia ainda que o Estado e as prefeituras se prepararam mal ao longo dos três meses de pandemia, especialmente na abertura de novos leitos de UTI.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o líder da bancada do Novo ainda classifica como "negligente" a atuação da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz) em relação aos empreendedores. E, apesar de ser um defensor da privatização do Banrisul, sustenta que o banco estatal abra linhas de crédito específicas para socorrer micro e pequenas empresas. O deputado critica também as restrições implementadas pelo prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) em Porto Alegre.
Jornal do Comércio - Como avalia a atuação do governo do Estado frente à pandemia?
Fábio Ostermann - Faço uma avaliação ponderadamente positiva da forma como o governo do Estado está lidando com a pandemia. Mas, por um lado, acho que o Rio Grande do Sul está sendo beneficiado excessivamente pela sorte. Talvez não tenhamos uma situação tão grave aqui, pela condição geográfica do Estado. O Rio Grande do Sul tem uma localização praticamente peninsular no Brasil, temos divisa com apenas um estado brasileiro. As outras duas divisas são com outros países, cujas fronteiras, por óbvio, são muito mais restritas do que as divisas com Santa Catarina. Por outro lado, apesar de avaliar a atuação do governo como positiva no geral, ele tem errado eventualmente.
JC - Por exemplo?
Ostermann - Por exemplo, estranha um pouco o excesso de preocupação do governador em divulgar os seus atos fora do Estado. Há uma percepção crescente na Assembleia Legislativa de que o governador tem tido uma preocupação em divulgar seus atos, mais do que propriamente ter uma preocupação aprofundada sobre o que acontece no Rio Grande do Sul. Para exemplificar, há algumas semanas, fizemos contato com um secretário do núcleo duro do governo para obter alguns esclarecimentos. Esse membro do governo não pode nos atender, porque teria uma série de reuniões com entidades e políticos de outros estados. Quanto ao governador, entendo que ele tenha outros projetos políticos, mas, no Rio Grande do Sul, temos uma série de desafios que ainda não foram enfrentados.
JC - O que pensa do distanciamento controlado?
Ostermann - Quando o governador apresentou o modelo de distanciamento controlado, acreditamos ser adequado. Mas começou a nos deixar insatisfeitos a forma como o governo foi mudando (os critérios) e tendo incertezas com relação à aplicação do modelo. O estopim aconteceu (no final de junho) quando o governo mudou a metodologia do modelo, na véspera do cálculo das bandeiras (todos os sábados do Palácio Piratini atualiza a bandeira de cada região). Isso levou o Estado a ter mais regiões com bandeiras vermelhas. Acreditamos que o modelo não pode, de forma alguma, ser o tomador de decisões. O tomador de decisões deve ser o governador. O modelo de distanciamento controlado deve ser usado como um bom navegador, como uma bússola no meio de uma tempestade, para ajudar a determinar as políticas públicas. Mas temo que o governo tenha pensado que um modelo teórico poderia eximí-lo da responsabilidade de tomar decisões políticas. Tais decisões precisam levar em consideração circunstâncias específicas, precisam passar por um diálogo no Parlamento, precisam passar por uma interlocução com os entes locais...
JC - Faltou diálogo do Palácio Piratini com as prefeituras?
Ostermann - Sem dúvida. Inclusive, creio que o governo tem feito uma autocrítica sobre o modelo do distanciamento controlado, que tem premissas objetivas para situações que demandam certa subjetividade. Nessa semana, por exemplo, o governador fez uma manifestação enfatizando que é importante levar em consideração certos fatores subjetivos na construção das políticas públicas (de combate à Covid-19). Torço para que consigamos chegar a um modelo harmônico, sem que isso estabeleça um fechamento radical e draconiano que gere uma ruptura no modelo, por completo. Não dá para definir uma diretriz para todo o Estado, a partir da realidade de Porto Alegre. Assim como não dá para trancafiar todo o Estado por tempo indefinido, sem uma estratégia de enfrentamento.
JC - Se a velocidade da contaminação não diminuir, há a possibilidade de lockdown (obrigatoriedade de ficar em casa), porque algumas cidades já estão com 100% dos leitos de UTI ocupados, e a situação deve se agravar pela chegada do frio. Como avalia o apelo do governador para que as pessoas permaneçam em casa nos próximos 15 dias, considerando inclusive a necessidade de lockdown?
Ostermann - É preocupante que chegue a esse ponto (a um lockdown). Ninguém quer ver o sistema de saúde se esgotar. O governador faz bem em alertar a população sobre o risco de esgotamento do sistema de saúde, mas temos que exaurir todas as possibilidades antes de tomar uma medida extrema como essa. Lockdown só seria justificável em um cenário de cataclisma, de colapso absoluto do sistema de saúde. Estamos longe disso, temos um nível de ocupação nos leitos de UTI preocupante. Por isso, é importante algumas restrições, como evitar aglomerações e garantir o uso de máscaras. Inclusive, lamento que o presidente (Jair) Bolsonaro tenha vetado o uso obrigatório de máscaras em locais públicos e cultos religiosos, por exemplo. Em atividades como essa, que, por sua própria natureza, reúne mais que um punhado de pessoas, seria necessário um cuidado especial.
JC - Alguns dos seus colegas deputados criticam o pouco investimento feito pelo governo gaúcho na expansão dos leitos de UTI. O sistema de saúde no Rio Grande do Sul está preparado para o aumento dos casos de Covid-19?
Ostermann - Sabíamos que haveria aumento de internações nos leitos de UTIs, desde o início. Tivemos três meses para nos preparar para isso. Depois de três meses, quais foram os avanços que tivemos nas ofertas de leitos? Quais foram os avanços que tivemos em relação ao preparo das regiões de maior densidade demográfica do Rio Grande do Sul? Não quero colocar a culpa apenas no governo estadual. As prefeituras também têm responsabilidade nisso, porque tiveram três meses para se preparar. Aliás, os gaúchos aceitaram inicialmente as medidas de restrições, acreditando que seria o suficiente para achatar a curva e termos a devida preparação para podermos voltar à vida normal o quanto antes. Só que, três meses depois, infelizmente as perspectivas são preocupantes.
JC - Faltou preparação durante esses três meses?
Ostermann - Acredito que sim. O governo não parece ter ampliado as vagas de UTI, na medida necessária para preparar a saída dessas medidas de restrição (social).
JC - Quando alguns municípios ameaçaram não cumprir as restrições impostas pelo modelo de distanciamento social, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) entrou em cena e avisou que levaria em conta, na avaliação das contas dos prefeitos, a atuação no combate à Covid-19. Como avalia isso?
Ostermann - Sem dúvidas, isso deve ser avaliado. Quase todos os 497 municípios do Estado decretaram estado de calamidade pública, o que desobriga as prefeituras de cumprirem algumas travas aplicadas às finanças públicas em tempos normais, o que é justificável em tempos de pandemia. Mas isso cria a necessidade de maior rigor na análise das contas públicas. Embora a Assembleia tenha um papel importante na fiscalização, não consegue fiscalizar todos os municípios gaúchos. O TCE tem uma grande importância nisso.
JC - O senhor tem uma atuação próxima aos empreendedores. Muitos deputados têm cobrado do Banrisul que abra uma linha de crédito específica para micro e pequenas empresas. O que pensa sobre isso?
Ostermann - Se tem algum momento em que bancos estatais são úteis, é justamente em momentos de crise, em que há uma queda na liquidez geral da economia. O Banrisul realmente poderia ter linhas de crédito especificas. A Sefaz tem tratado o empreendedor no Rio Grande do Sul de maneira negligente, seja o grande, o médio ou o pequeno. Recentemente, tivemos a negativa do Mercado Livre de instalar seu centro de distribuição em Gravataí, o que nos fez perder centenas de milhares em investimentos, além de milhares de empregos diretos e indiretos. Tudo isso, porque a Sefaz não quis atender a um pedido razoável (da empresa), que, aliás, deveria ter sido discutido melhor com a Assembleia.
JC - Em Porto Alegre, como avalia a atuação do prefeito Marchezan frente à pandemia de coronavírus?
Ostermann - Aqui em Porto Alegre, o prefeito demonstra semanalmente a falta de controle que tem sobre a situação. Demonstra também incerteza e insegurança sobre as próprias medidas. Parece que ele passou a adotar como procedimento padrão o lançamento de balões de ensaio (na imprensa) para avaliar a receptividade da opinião pública em relação às medidas que pretende colocar em prática. Um exemplo disso foi a volta das restrições mais severas (como o fechamento do comércio e serviços não essenciais). Primeiro, anunciou que tomaria medidas mais restritivas. Depois da repercussão ruim, voltou atrás e anunciou que as medidas não seriam tão grandes. Encontrou ainda uma maneira de estabelecer uma restrição absolutamente discricionária em relação a estabelecimentos comerciais que tenham faturamento acima de R$ 4,8 milhões ao ano. Isso não me parece fazer tanto sentido. Em princípio, faz sentido (restringir a atuação desses estabelecimentos), considerando que estariam menos suscetíveis a falirem. Mas, sob o aspecto da proliferação da doença, não faz nenhum sentido, porque são lojas que costumam ser maiores, com mais condições de ter as devidas medidas de higiene e distanciamento. Medidas como essa adotada pelo prefeito acabam corroendo a credibilidade das próprias restrições, gerando um justo repúdio da população. Finalmente, as medidas acabam caindo em descrédito. Acho que o prefeito não está procedendo bem com relação a isso, apesar de saber que ele é amparado por um corpo técnico qualificado da nossa prefeitura.
JC - As eleições municipais de 2020 vão acontecer no dia 15 de novembro, com o segundo turno em 29 de novembro. O que pensa dessa data?
Ostermann - É razoável. Talvez (essa data) tenha que ser revista, caso as restrições permaneçam. Parece complicado fazer a eleição (em meio a um número grande de casos de Covid-19). Com as eleições em novembro, outubro passa a ser um mês crucial. Embora alguns estados, como o Rio Grande do Sul, estejam em uma situação ainda favorável, imagino que outros estados ainda não conseguem ver um horizonte tão claro de melhora até outubro. De qualquer forma, é uma medida prudente. Sou totalmente contra a expansão do mandato dos atuais prefeitos e vereadores, porque isso gera imprevisibilidade, favorecimento indevido. A partir dessa situação, muitas pessoas estão discutindo a unificação das eleições. Esse é um tema que precisa ser discutido separadamente, não durante uma pandemia.
JC - O Novo pretende lançar candidato à prefeitura de Porto Alegre?
Ostermann - Aqui em Porto Alegre, teremos uma chapa bastante forte e competitiva na Câmara Municipal, mas não teremos candidato à prefeitura. Infelizmente, não encontramos ninguém que se enquadrasse nos critérios do partido.

Perfil

Fábio Maia Ostermann nasceu em Porto Alegre em 30 de agosto de 1984. Filho de pequenos empresários, estudou nos colégios Província de São Pedro e Bom Conselho. Em 2003, ingressou no curso de Direito da Ufrgs, que concluiu em 2008. Envolveu-se com política estudantil. Foi eleito secretário do Diretório Acadêmico do Direito e participou do Diretório Central de Estudantes, onde, como afirma, se decepcionou por "ver o movimento estudantil subordinado a interesses partidários". Em 2009, fez o curso de Liderança para a Competitividade Global pela Georgetown University (EUA) e em Políticas Públicas pela Leadership Academy for Development (Stanford/Johns Hopkins University). Entre 2011 e 2014, fez mestrado em Ciências Sociais, na área de Ciência Política, pela Pucrs. Foi um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL), em 2013. Também coordenou o Partido Novo (PN) no Estado. Entretanto, deixou o PN para ingressar no PSL em dezembro de 2015, no qual atuou na direção municipal em março e na estadual em maio. Saiu do PSL em janeiro de 2018, para se filiar ao Novo. No mesmo ano, elegeu-se deputado estadual pela primeira vez.