O movimento político realizado pelo presidente Jair Bolsonaro a fim de ampliar sua base aliada no Congresso e de selar alianças em outras instâncias reflete uma necessidade previsível. O cientista político Carlos Pereira comenta que o modus operandi do presidente Bolsonaro - baseado na polarização política e na demonização do presidencialismo de coalizão como um sinônimo da corrupção, realmente não se sustentaria no médio e longo prazos.
Pereira conversou com o também cientista político Fernando Schuler nesta quarta-feira durante o Tá na Mesa on-line. O debate realizado pela Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul) teve mediação da presidente da entidade Simone Leite e se debruçou sobre o tema tema "Brasil 2020: quadro político e desafios".
Carlos Pereira, que também é professor da Fundação Getulio Vargas (FGV/RJ), explicou que a estratégia adotada pelo presidente pode ser descrita como o que a literatura norte-americana chama de "going public", livremente traduzido para o português como "um presidencialismo publicitário, em que o presidente se conecta diretamente com seus eleitores e, a partir disso, abastece os grupos com pautas cada vez mais polarizadas". "Por isso, ele (Bolsonaro) necessita da polarização como combustível. É assim que nutre os setores da sociedade que precisam estar o tempo inteiro conectados com ele para governar. Esta foi até então a sua estratégia para sobreviver", explica o cientista político.
Porém, essa atitude não se sustenta. Segundo Fernando Schuler, professor do Insper/SP, antes mesmo da pandemia do novo coronavírus já era possível perceber um certo esgotamento desse arranjo. "Após a aprovação de pautas importantes, como a reforma da Previdência, o Congresso passou a pensar em pautas corporativas. As reformas começaram a ficar cada vez mais difíceis de serem levadas adiante pelo governo", rememora Schuler.
A pandemia foi o choque exógeno que alterou completamente o jogo. Para Pereira, "a estratégia de Bolsonaro foi colocada em xeque quando ele manteve a agenda de polarização em um artigo mais delicado do que as chamadas pautas de costumes: a vida das pessoas".
Aliado a isso, um acontecimento interno abalou ainda mais as já frágeis estruturas de sustentação do governo Bolsonaro. A saída do então ministro da Justiça Sérgio Moro, e as acusações são mais uma quebra com os defensores do combate à corrupção como uma das pautas prioritárias para o atual governo.
"Diante desses dois choques, o governo decidiu fazer política de forma tradicional", diz Pereira, inclusive para criar obstáculos à tramitação de um processo de impeachment, salientando que não exclui a possibilidade de o líder do Executivo protagonizar mais uma vez um processo de impedimento.
O resultado de todas as tensões é que a agenda de reformas estruturais ficou completamente prejudicada este ano. "Primeiro estamos encarando a pandemia e depois teremos o processo eleitoral. Esse é um ano de sobrevivência, de aumento do gasto público, e de fazermos uma travessia para que o País tenha possibilidade de retomada de um projeto mais consistente de reformas no ano que vem", destaca Schuler.
Ao final, provocados pela presidente da Federasul, Simone Leite, sobre como será o segundo semestre de 2020, Schuler acredita que em meados de setembro, já haja uma estabilização e protocolos mais claros em relação ao combate ao novo coronavírus. Questionado sobre o cenário de 2022 e as eleições presidenciais, Pereira definiu que Bolsonaro ainda será competitivo, porém não terá um "terreno fértil", como em 2018. Segundo ele "Moro e Doria preenchem aquele núcleo de eleitores que não querem nem o PT e nem Bolsonaro".
Os palestrantes estão programados para retornarem ao Tá na Mesa, entre fim de setembro e outubro, para analisar as ações e a situação pós-pandemia.