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Entrevista especial

- Publicada em 26 de Abril de 2020 às 21:02

Ponte elogia obras de infraestrutura para retomada do País

Entrevista especial com o presidente da Sociedade de Engenharia, o ex-ministro Luis Roberto Ponte

Entrevista especial com o presidente da Sociedade de Engenharia, o ex-ministro Luis Roberto Ponte


LUIZA PRADO/JC
Empresário da construção civil e político que teve a experiência de chefiar a Casa Civil da Presidência da República, o engenheiro Luis Roberto Ponte (MDB) avalia como positivo o plano do governo federal de retomada do País em meio à crise do coronavírus, com investimento previsto de R$ 30 bilhões em obras públicas e a proposta de criar 1 milhão de empregos.
Empresário da construção civil e político que teve a experiência de chefiar a Casa Civil da Presidência da República, o engenheiro Luis Roberto Ponte (MDB) avalia como positivo o plano do governo federal de retomada do País em meio à crise do coronavírus, com investimento previsto de R$ 30 bilhões em obras públicas e a proposta de criar 1 milhão de empregos.
Ponte sustenta a importância de injetar dinheiro na economia, mas de forma sustentável. Ele observa que um dos gargalos que tira a competitividade do País é exatamente a infraestrutura, por isso, defende as medidas como importantes, não apenas nesse período de pandemia.
Embora tenha gostado da atuação do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, Ponte avalia que o titular da pasta, Nelson Teich, está mais preparado para enfrentar a pandemia de Covid-19 no Brasil.
Ponte acredita que Teich, por ser empresário, sabe quais dificuldades devem ser superadas para a aquisição de equipamentos médicos no mercado. Além disso, destaca que o novo ministro está comprometido com a reabertura de muitos serviços - o engenheiro é crítico do isolamento social no formato que foi implementado.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Ponte elogia, ainda, o plano do governador Eduardo Leite (PSDB) de promover, a partir de maio, o distanciamento controlado. Entretanto, faz uma ressalva: "Eu, na posição dele, teria liberado antes".
Como membro da mesa administrativa da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, chama a atenção para a crise financeira dos hospitais. Ponte também é o atual presidente da Sociedade de Engenharia do RS (Sergs).
Jornal do Comércio - Qual é a sua avaliação do plano do governo federal para a retomada da economia, um pacote de obras públicas que está sendo chamado de Plano Marshall por aqui?
Luis Roberto Ponte - Não conheço detalhes do plano, agora, tem uma razão que justifica que é a pandemia, o fato de ter acontecido essa tragédia, o governo tem que injetar dinheiro na economia, isso é mais ou menos consenso, nos Estados Unidos, injetaram US$ 3 trilhões. Os que são como o (ministro da Economia, Paulo) Guedes, da Escola de Chicago, acham que tem que soltar (recursos) mais comedidamente, o mínimo possível, porque lá adiante vai ter que pagar por isso... Agora, a necessidade de injetar dinheiro é para manter as empresas, para manter vivas as pessoas que perderam empregos, o governo tomou essa série de medidas, os R$ 600,00 (auxílio emergencial a trabalhadores informais). E quando acabar esse negócio? Passou a pandemia, o que vai se fazer? Muitas empresas se debilitaram, não conseguiram segurar todas as empresas, uns ficaram devendo... Aí tem o que foi o Plano Marshall para a Europa, ou o que foi o New Deal do (presidente dos EUA, Franklin Delano) Roosevelt lá depois da crise de 1929, injeta dinheiro público para dar empregos, mas tem que ser autossustentável.
JC - Estão previstas obras de infraestrutura...
Ponte - Para se ter uma ideia da importância desse plano, com R$ 30 bilhões em infraestrutura, termina a nova ponte do Guaíba, duplica a BR-116, estou falando aqui no Rio Grande do Sul, consegue fazer a estrada toda. Quantas pessoas você vai salvar a vida por ter duplicado no Brasil inteiro, é um mundo. Vamos gastar na pandemia R$ 1 trilhão e esses R$ 30 bilhões já tem gente achando que é exagero, porque o Brasil não investe nada em infraestrutura, o Brasil não tem competitividade por causa de estrada, portos, o problema de infraestrutura é imenso. O (presidente Jair) Bolsonaro, é o que ouço falar, vai tirar um pouco esse superpoder de ser radical no equilíbrio de contas públicas... Estava dizendo aos meus colegas da construção civil, "está todo mundo matando cachorro a grito", qualquer concorrente da construção antes do coronavírus dava 20% de desconto, depois, não pode fazer as obras, uma tragédia... Agora vamos passar gradativamente a um incremento grande nas obras de infraestrutura, tem 150 mil obras paradas, isso vai ser importante para a retomada e sobretudo para fornecer aquilo que o País é mais carente: infraestrutura, saneamento, esgoto e água tratada para todo mundo. É uma coisa boa, sou muito favorável e estou esperançoso.
JC - Na Saúde, como o senhor avalia a atuação do ex-ministro Mandetta? E o que espera do novo ministro?
Ponte - Gostava muito do Mandetta e estava de dedo torcido para ele não sair do governo. Quando ele estava para cair, fiquei muito chateado. Agora, não estou mais. Mandetta ia ao limite para desagradar o presidente, mas para manter a independência dele. Naquela entrevista ao Fantástico, ultrapassou um pouco, sabendo que o presidente não gosta da Globo e acusando-o de ter duas opiniões. O ministro não estava errado, aquilo acontecia mesmo, mas não precisava ter dito. Bolsonaro desacatava ele, porque ele desacatava o Bolsonaro. Dizia que não usava o remédio que o presidente dizia que era bom. Aí o presidente falava de novo do remédio. Bolsonaro dizia que (a Covid-19) era uma gripezinha no meio do povo. Foi uma situação muito ruim, mas não chegou a prejudicar (o governo), porque Mandetta agiu por independência. Era fã dele e continuo sendo. Mas, na eficácia contra a doença, o novo ministro vai ser muito melhor.
JC - Por quê?
Ponte - As providências mais importantes, como abrir o mercado para comprar bombas de oxigênio, máscaras e outros equipamentos, está em melhores mãos agora. Porque o Mandetta nunca foi empreendedor, já o Teich é empresário. Ele (o novo ministro) sabe o que tranca e, agora, está trazendo uma pessoa de Estado Maior para fazer a logística do atendimento. Estou satisfeito com o novo ministro, todos falam que é um homem de bem, correto, conhecedor do assunto, tem capacidade de articulação. O setor privado dá isso, uma capacidade de gestão maior. O novo ministro vai trabalhar para abastecer os hospitais de tudo que precisam, para permitir que libere o trabalho onde possa ser liberado. O enfoque desse é melhor que o do Mandetta. Mas Mandetta foi um bom ministro.
JC - Como avalia o anúncio do governador Eduardo Leite de promover, a partir de maio, o chamado distanciamento controlado?
Ponte - O governador agiu na medida. Marcou uma data próxima (para a reabertura gradual dos serviços). Enquanto isso, o governo vai aprimorando os protocolos de procedimentos para serem ainda mais eficazes; vai testando se realmente estamos no pico da pandemia; quais municípios ainda não estão no pico, para que recebam um cuidado maior. Portanto, o governador agiu certo. Mas eu, na posição dele, teria liberado antes, porque não me importo muito com a opinião pública. Me importo com o povo, não com a opinião dele. O governador agiu no tamanho necessário para não perder apoio popular. O prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior (PSDB), por exemplo, chegou a sair na Veja como um herói que fechou (o comércio), prendeu velhos (que andavam) na rua. Isso dava cartaz. Não sou contra o cara querer estar bem com a opinião pública, mas isso, às vezes, inibe uma tomada de decisão racional.
JC - O que pensa do isolamento social?
Ponte - As pessoas só pegam esse vírus pela boca, nariz e olhos, só pega se estiver falando com uma pessoa a uma distância em que ela exale algumas gotículas de saliva, a menos de um metro e meio; ou levar as mãos contaminadas com o vírus ao rosto. Para uma pessoa não se contaminar, nem contaminar os outros, basta que não coloque a mão no rosto. Mas como fazemos isso instintivamente, a pessoa deve lavar as mãos sempre que pegar em alguma superfície que possa conter o vírus. O uso de máscara é uma atitude adicional, alguns países chegaram a obrigar. Então, em tese, não é tão difícil fazer uma baita campanha para as pessoas ficarem protegidas dessa forma - lavando as mãos, usando máscaras e evitando aglomerações. No entanto, as campanhas no mundo são "fique em casa". Parece que a pessoa está protegida dentro de casa.
JC - Segundo a OMS e muitos infectologistas, o isolamento social horizontal é a maneira mais eficaz de diminuir a propagação do coronavírus.
Ponte - O encaminhamento proibiu as pessoas de trabalharem. Em Porto Alegre, por exemplo, proibiram as pessoas de trabalharem na construção civil desnecessariamente, mesmo com as empresas tomando todas as precauções, oferecendo máscaras, luvas, álcool gel (novo decreto municipal autorizou atividades desde quinta-feira passada). Se colocar um trabalhador da construção, que é jovem, a um metro e meio do outro, obrigando a usar máscara, vestindo luvas no transporte, lavando as mãos quando chegar no trabalho... Ao aprender essas condições, ele vai se tornar um divulgador de uma campanha como essa, porque vai chegar em casa e ensinar seus amigos, parentes, vizinhos. Essa campanha do "fique em casa", na verdade, não é fique em casa; é não vá trabalhar, você está proibido de trabalhar. Nessas oito horas, faça o que quiser. Dessa forma, a pessoa está muito mais sujeita a se contaminar do que se estiver no trabalho e muito mais sujeita a contaminar os outros. Então, o grande esforço que tinha que ser feito é uma campanha de educação forte para utilizar essas proteções que são muito singelas: usar máscaras sempre que sair na rua; lavar as mãos depois de pegar em qualquer coisa que possa estar poluída com o vírus; e não chegar a um metro e meio de distância do rosto de qualquer pessoa. Isso seria mais eficaz (do que o isolamento).
JC - Outras cidades que não promoveram o isolamento ou que demoraram para promovê-lo têm número de mortos muito maior. Por exemplo, em Manaus (AM), as pessoas não aderiram ao isolamento social em massa. Apesar da subnotificação, havia 234 mortes confirmadas pela Covid-19 na capital do Amazonas. E o número de mortos por mês quadruplicou durante a pandemia. Em Porto Alegre, que adotou medidas restritivas, o número de mortes era de 12 na mesma data.
Ponte - Isso aí é um pouco de "chutômetro". Aqui, a quarentena funcionou por ali. Em todo o Brasil, nas zonas pobres, não tinha quarentena. Nas periferias, ninguém estava em casa protegido, e os que estavam em casa não estavam protegidos, nem se protegeram. Seria mais favorável se tivessem feito uma campanha, permitindo que as pessoas trabalhassem, porque aí não estariam na rua poluindo as outras com o vírus, estariam em um lugar mais saudável e ainda estariam ensinando familiares a se protegerem mais. Além disso, a quarentena era para evitar o pico da curva muito alto, o que causaria um número de casos acima da capacidade de hospitalização. Essa foi a tragédia que aconteceu na Itália: as pessoas morriam porque não havia mais aparelhos nos hospitais (para os infectados).
JC - Em Porto Alegre, quais setores acredita que poderiam ser abertos?
Ponte - Todos em que se pode aplicar três regrinhas: usar máscara, não ficar a menos de um metro e meio de seus colegas de trabalho ou de quem você vai atender, e lavar as mãos e usar luvas e máscara no transporte público, como é obrigatório agora. Qualquer atividade que seja possível fazer isso, que não tenha aglomeração, devia ser liberada.
JC - O senhor participa do Conselho da Santa Casa de Misericórdia. Qual a situação lá?
Ponte - Vim de uma reunião na Santa Casa. Zero de (internações por) coronavírus lá. O grande problema, hoje, dos hospitais é não ter doentes. E não só de Covid-19. O grande debate, hoje, é como os hospitais vão sobreviver com o esvaziamento. A Santa Casa gastou não sei quantos milhões para se preparar. Trata apenas alguns (pacientes de Covid-19). O hospital que tem mais, que é foco de coronavírus, é o Moinhos de Vento. Parece que não tem 15 (pacientes de Covid-19).

Perfil

Entrevista especial de segunda com o presidente da Sociedade de Engenharia, o ex-ministro Luis Roberto Ponte.

Entrevista especial de segunda com o presidente da Sociedade de Engenharia, o ex-ministro Luis Roberto Ponte.


/LUIZA PRADO/JC
Luis Roberto Andrade Ponte tem 86 anos e é natural de Fortaleza (CE). Engenheiro formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), atua como empresário do ramo da construção civil. Integra a executiva do MDB gaúcho. Foi secretário estadual de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais durante o governo de Germano Rigotto (MDB, 2003-2006). Antes, teve experiência parlamentar. Foi deputado federal por dois mandatos. Entre 1987 e 1991, como constituinte, e no período de 1991 a 1995. No primeiro mandato, licenciou-se para assumir como ministro da Casa Civil no governo José Sarney (MDB), de dezembro de 1989 a março de 1990. Na legislatura de 1995 a 1999, ocupou uma cadeira na Câmara dos Deputados como suplente. Atualmente, é presidente reeleito da Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul (Sergs) para o período 2019-2021. Presidiu, em 2018, a Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Fospa), por indicação do ex-governador José Ivo Sartori (MDB, 2015-2018). É autor do livro Capitalismo sem miséria (Ed. Metrópole, 1986). É membro do Conselho da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.