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Entrevista especial

- Publicada em 06 de Abril de 2020 às 03:00

Eleição unificada seria mais simples, avalia Rodrigo González


fotos: JONATHAN HECKLER/arquivo/JC
Com a emergência da crise causada pela pandemia de Covid-19, uma parte dos atores do cenário político defende a ideia de que as eleições municipais, cujo cronograma pode ser alterado pela doença, sejam canceladas neste ano e realizadas em conjunto com as eleições gerais de 2022.
Com a emergência da crise causada pela pandemia de Covid-19, uma parte dos atores do cenário político defende a ideia de que as eleições municipais, cujo cronograma pode ser alterado pela doença, sejam canceladas neste ano e realizadas em conjunto com as eleições gerais de 2022.
Embora o cientista político Rodrigo Stumpf González creia que seja mais provável apenas uma transferência do pleito para mais adiante, ele crê que a medida, que precisaria ser aprovada por meio de emenda constitucional, facilitaria o processo eleitoral como um todo. Porém, aponta que a medida pode beneficiar interesses específicos. "A quem interessa isso? Primeiro, ao presidente atual (Jair Bolsonaro), que não tem partido e estaria numa situação de fragilidade para obter apoio nessas eleições", diz.
Quanto ao cenário municipal, González vê um quadro ligeiramente modificado pela pandemia, já que as restrições determinadas pelo prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) podem ter certo apelo junto à população, mas também causar rejeição no empresariado. "Ele pode ter um certo triunfo em termos de apoio popular, mas o que necessariamente não lhe garante uma base de apoio no setor político com o qual ele está identificado", observa.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o cientista político ainda pontua que o cenário possivelmente mais fragmentado, decorrente do fim das coligações proporcionais, pode, na verdade, esvaziar tanto as candidaturas mais à direita quanto à esquerda, produzindo um segundo turno não tão polarizado entre essas duas correntes.
Jornal do Comércio - A eleição municipal deste ano deveria ser cancelada, ou realizada em 2022, como alguns atores do meio político sugerem?
Rodrigo Stumpf González - Temos que separar dois cenários diferentes que dependem de quanto tempo vai demorar para se considerar passado, pelo menos, o auge da pandemia e um certo retorno à normalidade. O que provavelmente poderá vir a ocorrer é que isso atrase os preparativos da Justiça Eleitoral, com algum tipo de alteração da data, mas não necessariamente uma suspensão, no sentido de cancelamento das eleições deste ano, mas talvez a transferência da data. As eleições, em princípio, estavam previstas para outubro. Se houver atrasos, é possível, sem grandes alterações legislativas, modificar a data de 3 de outubro para 15 de novembro. Há um movimento político sendo organizado para cancelar as eleições municipais e unificá-las com as estaduais e nacional dentro de dois anos.
JC - Como ficaria uma eleição que já é abrangente, somada ao pleito estadual e nacional?
González - Do ponto de vista puramente operacional, até seria uma simplificação: a estrutura para realização de eleições em termos de mesas e urnas seria basicamente a mesma, com mudanças nas urnas no sentido de acrescentar mais dois votos. Claro, do ponto de vista político, ampliaria a verticalização. A identidade do candidato a governador ou presidente seria mais forte numa campanha unificada. A quem interessa isso? Primeiro, o presidente atual, que não tem partido e que, portanto, estaria numa situação de fragilidade para obter apoio nessas eleições; aos grandes partidos, que têm maior estrutura e que, portanto, teriam o benefício de uma verticalização, como o MDB, o PT, o PSDB, mas isso potencialmente prejudicaria os pequenos partidos, que eventualmente têm condições de, em uma eleição municipal, obter sucesso, porque é uma eleição que isola muito mais na personalidade do candidato do que na identidade com um grupo maior. Agora, esse cenário é complicado, porque ele exige uma emenda constitucional e, na última eleição, esses pequenos partidos tiveram um fortalecimento, no sentido de que, hoje, os três ou quatro maiores partidos não têm uma maioria que garanta decisões em mudanças constitucionais. Eles (partidos grandes) precisariam de uma aliança mais ampla e esse acordo seria difícil de ser obtido nesse momento.
JC - Em Porto Alegre, a conduta do prefeito Nelson Marchezan Júnior em relação à pandemia poderia mudar o cenário eleitoral atual?
González - Tudo isso depende dos tipos de avaliação: a da população e a dos adversários, no sentido de que Marchezan tinha conseguido, no caso específico, afastar toda a sua aliança ao longo dos últimos três anos. Talvez um reconhecimento de uma reação adequada dele, neste momento, poderia facilitar uma reaproximação com alguns setores. Mas é bom lembrar que a própria base de apoio dele não está necessariamente identificada com aqueles setores que apoiaram, por exemplo, o fechamento de comércio e as medidas de restrição. Ele pode ter, por conta inclusive dessas medidas que parte da população está vendo como positivas, uma dificuldade de retomar essas alianças principalmente em setores mais ligados ao empresariado. Ele pode ter um certo triunfo em termos de apoio popular, mas o que necessariamente não lhe garante uma base de apoio no setor político com o qual ele está identificado.
JC - De alguma maneira essa pandemia pode mudar o cenário das pré-candidaturas tal como elas estavam acontecendo antes de estourar a crise?
González - A única possibilidade que eu veria, de alguma alteração no cenário, e que por enquanto não aconteceu... talvez o primeiro sinal de mudança que tenha aparecido tenha sido o manifesto que assinam juntos Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT), Guilherme Boulos (PSOL), entre outros, que criam uma tentativa de união da oposição muito mais pela questão de ter um discurso frente à maluquice do Bolsonaro, o que não vinha acontecendo até agora. No caso de Porto Alegre, acho pouco provável.
JC - Mais uma vez, no âmbito municipal, o debate de se fazer uma frente de esquerda até agora fracassou.
González - No caso de Porto Alegre, é mais complicado, porque, mais do que uma questão ideológica, tem uma questão de egos, e aí, por mais que haja uma aproximação ideológica ou política entre os partidos de oposição por conta da crise atual, não vejo como isso vai aplacar as preocupações individuais dos pré-candidatos em relação a sua respeitabilidade ou que a sua proveniência seja reconhecida. Como o prefeito Marchezan está se descolando da imagem do Bolsonaro na reação à crise, isso favorece a criação de uma frente cujo objetivo, num certo sentido, é contra o governo federal, mas cujo discurso não é tão descolado assim do discurso que tem sido feito pelo prefeito aqui. Nesse sentido, não existe um elemento unificador que justificasse o fortalecimento da noção de frente.
JC - Como analisa o cenário que tivemos logo antes da pandemia em Porto Alegre, com o esvaziamento do MDB na Câmara e o crescimento de partidos como DEM e o PTB?
González - Essa movimentação talvez seja, num certo sentido, muito mais uma acomodação estratégica para buscar uma melhor condição de concorrer na próxima eleição, não necessariamente numa candidatura majoritária, porque é bom lembrar que, nessa próxima eleição, não haverá alianças na candidatura proporcional. Então, os atuais vereadores, principalmente aqueles que não eram os campeões de voto no partido, não havendo coligações, poderiam pensar que este é o momento de trocar de partido, desenvolver bem o pacto com o outro partido, com garantia de apoio para concorrer na próxima eleição. Ou mesmo aqueles que teriam interesse em se posicionar numa chapa majoritária, mas no partido em que estão não têm chance. Ou eles conseguem, estando em outro partido, fazer com que este coligue na majoritária e lhes garanta, por exemplo, uma posição de vice-prefeito ou, na pior das hipóteses, que ele seja um candidato preferencial do partido na Câmara e portanto possa contar com apoio em termos de recursos, gastos do tempo de rádio e TV, ou seja, que a troca não tenha sido simplesmente simbólica.
JC - Que pré-candidaturas vê como mais promissoras?
González - Deve haver um número bastante grande de candidaturas majoritárias para prefeito, justamente pela situação da não existência de coligações na eleição proporcional, o que significa que, principalmente os partidos menores saem prejudicados em não ter candidatos a prefeito. Isso dificulta a divulgação do número da legenda, da imagem para atrair votos para seus candidatos a vereador. A estratégia de ter um candidato a prefeito muitas vezes não tem a ver com a crença de vitória mas uma estratégia de conseguir conquistar uma bancada razoável na Câmara, que vai garantir depois negociação de secretarias, cargos etc. De toda a forma, os partidos que tiveram candidatos na eleição passada com maior votação, MDB e PSDB, certamente terão candidatos, a Manuela (d'Ávila, PCdoB) tem representado essa possível chamada de uma aliança de esquerda que provavelmente vai acabar numa aliança PCdoB e PT, e aí a dúvida é se o PSOL se alia ao PDT, tentando fazer o contradiscurso da verdadeira frente de esquerda. Nesse caso, quem seria a candidata também é uma incógnita, porque ambos os partidos têm mulheres carismáticas. Se a negociação não der certo, é possível que cada um lance uma candidata. Se não houver uma mudança de cenário nas negociações do Marchezan, em que outros partidos tradicionais, como o PTB, tenham candidatos, o que sobrariam seriam siglas como PSD, DEM, PSL, que não têm grande estrutura no município, e a tentativa de indicar o vice na chapa de alguém.
JC - Num cenário de pulverização de candidatos majoritários, quem se beneficia?
González - Tínhamos um cenário inicial em que o Marchezan estava desgastado e com a imagem bastante ruim perante à população, o que levava Sebastião Melo (MDB) a ser o candidato moderado a chegar no segundo turno contra um possível candidato da esquerda. Agora, se Marchezan consegue se recuperar, podemos ter um cenário de uma divisão, pelo menos, de quatro candidaturas: duas mais à direita, o Melo e o Marchezan, e duas mais à esquerda, com Manuela e Juliana Brizola (PDT) ou Fernanda Melchionna (PSOL). Com uma votação muito dividida, podemos ter de novo uma eleição com Melo e Marchezan, como poderíamos até ter um cenário - um pouco mais difícil mas não é de se descartar - que tivesse a Juliana Brizola contra a Manuela d'Ávila. Eu vejo o efeito de fragmentação: se o PP e PTB lançam candidato, isso pode esvaziar o Marchezan ou o Melo, dependendo do discurso desses candidatos. Ao mesmo tempo, se o PSOL e o PDT lançam uma candidata cada um, eles podem esvaziar a candidatura da Manuela e as suas próprias, e levar de novo a um segundo turno Melo e Marchezan.
JC - Uma das questões no contexto eleitoral são os recursos de campanha. Esse momento emergencial, em que um grande volume de dinheiro está se voltando ao combate da pandemia, de alguma forma, pode afetar o fundo eleitoral e o fundo partidário?
González - Qualquer tentativa de ampliar o fundo partidário será completamente impopular, então eu diria que é quase descartado, até porque a transferência do período eleitoral poderia implicar aumento dos custos da Justiça Eleitoral. Embora esteja proibido, ninguém vai me dizer que o caixa-2 desapareceu. O que provavelmente, no caso da eleição municipal, vai entrar muito, são as bases eleitorais dos candidatos a vereadores e seus caixas construídos ao longo do mandato, ou seja, pelas diversas formas de arrecadação que se tem, eles vão lançar mão dos empresários, dos sindicatos, ou seja, as maneiras informais. Isso não significa necessariamente dinheiro, é muitas vezes o empréstimo de infraestrutura de forma gratuita, a cessão de funcionários para cargos eleitorais, cujo pagamento não aparece na contabilidade. No caso da campanha municipal, ela tem uma diferença em relação às campanhas anteriores: a rede social, nesse caso, tem um efeito menor. O fato de que o candidato não se dispôs a passear no teu bairro pode ser uma ofensa, então terceirização pela rede social acho que vai ser menor, e aí o centro da campanha talvez seja nos moldes tradicionais, de bater perna e fazer comício.
 

Perfil

Rodrigo Stumpf González é advogado formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Professor adjunto do Departamento de Ciência Política da Ufrgs desde 2009, tem mestrado (1994) e doutorado (2000) em Ciência Política pela mesma instituição. Consultor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, é cientista político com pesquisas na área de políticas públicas. Foi professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) ao longo de 14 anos, até 2008, colaborador do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade de Brasília (UnB), entre 2002 e 2013, e professor assistente do Centro Universitário La Salle - Canoas, de 2001 a 2005. Tem sua atuação acadêmica voltada ao estudo e análise de temas relacionados à cultura política, com foco em democracia, participação, políticas públicas e direitos humanos.