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ENTREVISTA ESPECIAL

- Publicada em 09 de Fevereiro de 2020 às 21:01

Poderes precisam ter uma pauta única, afirma Voltaire

Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Voltaire de Lima Moraes no gabinete da presidência do TJRS.

Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Voltaire de Lima Moraes no gabinete da presidência do TJRS.


/NÍCOLAS CHIDEM/JC
Há 22 anos na magistratura, oriundo do Ministério Público, o desembargador Voltaire de Lima Moraes assumiu a presidência do Tribunal de Justiça (TJ) do Estado no dia 3 de fevereiro, em uma solenidade concorrida. Autoridades - entre elas, seis ex-governadores e o atual chefe do Executivo -, magistrados e servidores o ouviram reforçar a importância do diálogo, da autonomia e da independência entre os Poderes como garantia da valorização e transparência do Judiciário.
Há 22 anos na magistratura, oriundo do Ministério Público, o desembargador Voltaire de Lima Moraes assumiu a presidência do Tribunal de Justiça (TJ) do Estado no dia 3 de fevereiro, em uma solenidade concorrida. Autoridades - entre elas, seis ex-governadores e o atual chefe do Executivo -, magistrados e servidores o ouviram reforçar a importância do diálogo, da autonomia e da independência entre os Poderes como garantia da valorização e transparência do Judiciário.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, concedida três dias após a posse, ainda em meio à organização de seu gabinete, Voltaire voltou a enfatizar o diálogo como grande meta da gestão. "Não consigo entender como os chefes de Poderes não se reúnem para conversar sobre as coisas de interesse do Estado", pontua. Para o magistrado, os Três Poderes devem "verificar o que cada um pode fazer para melhorar e ter uma pauta única".
Moraes também entrou em questões como a escassez de pessoal no Judiciário gaúcho, que, apesar disso, se mantém como o mais eficiente do País. E defendeu a manutenção do duodécimo, mecanismo de repasse mensal de recursos pelo Executivo aos outros Poderes, observando que "o Judiciário detém a menor fatia do bolo orçamentário".
O desembargador enfatizou que a gestão do Tribunal de Justiça "tem conseguido, com recursos próprios, operacionalizar e realizar tarefas que, sem esses recursos próprios, seriam inviabilizadas".
E comentou, ainda, questões que estão permeando o debate jurídico nacional, como a introdução do "juiz de garantias", que considera uma medida que "mexe profundamente com a estrutura do processo, e, aí, temos que verificar a realidade na qual vivemos".
Jornal do Comércio - O senhor assume o Tribunal de Justiça que é considerado o mais eficiente do País, mesmo com um déficit de mais de 2,6 mil servidores e de quase 200 magistrados. Como o TJ gaúcho mantém a eficiência diante dessa realidade?
Voltaire de Lima Moraes - É o trabalho de magistrados extremamente dedicados e vocacionados para o trabalho jurisdicional, servidores muito abnegados e que vêm levando o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a patamar elogiado por todos os segmentos, inclusive no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um ponto que merece destaque. E são também técnicas de gestão que vêm desde algum tempo sendo consideradas.
JC - O TJ possui, atualmente, 3,3 milhões de processos cíveis e criminais em andamento. Como manter a celeridade diante do acúmulo processual e da escassez de pessoal?
Voltaire - Temos de melhorar o processo eletrônico, a implantação definitiva do processo eletrônico, porque, hoje, temos ainda processos físicos, além dos novos que estão sendo ajuizados. Os físicos que vão sendo julgados vão dando lugar aos eletrônicos, e isso vai, de certa forma, facilitar e agilizar, mas o grande problema para a não agilização é o sistema recursal que nós temos, que é muito complexo e não tem precedente em nenhum outro país. O sistema recursal, inegavelmente, é uma das grandes dificuldades.
JC - No seu discurso de posse, ao elencar os futuros desafios, o senhor disse que a falta de estrutura se deve a projetos não aprovados no Legislativo ou que dependem de apreciação. O senhor pode comentar e também falar sobre a questão do duodécimo e seu repasse condicionado à capacidade orçamentária do Estado?
Voltaire - A questão do duodécimo tem previsão constitucional, é uma questão bem importante para fazer valer o princípio da harmonia e da independência dos Poderes. Na medida em que um Poder é dependente de outro, isso afeta o próprio Estado Democrático de Direito. Quando alguém entende que o Judiciário detém a menor fatia do bolo orçamentário, isso significa que estamos inviabilizando a possibilidade de nomear juízes, servidores e avançarmos em várias áreas. O nosso orçamento é muito insignificante dentro do bolo e aí vem, mais uma vez, a gestão, que tem conseguido, com recursos próprios, operacionalizar e realizar tarefas que, sem esses recursos próprios, seriam inviabilizadas.
JC - Na mesma linha, o senhor enfatizou a importância do relacionamento institucional e da interlocução permanente com os outros Poderes. Como pretende avançar nesse sentido, principalmente referente ao congelamento dos repasses orçamentários?
Voltaire - Fui ao governador para levar o convite da posse e conversamos, disse a ele que a nossa bandeira e as grandes metas da gestão serão o investimento no diálogo. Não consigo entender como os chefes de Poderes não se reúnem para conversar sobre as coisas de interesse do Estado. Temos de ter esse espaço, porque os Três Poderes têm um destinatário único, que é a população. Temos de verificar o que cada um pode fazer para melhorar e ter uma pauta única. São várias questões que devem ser analisadas e debatidas.
JC - Aproveitando o tema, como o senhor avalia o andamento que foi dado pelo Executivo na reforma das carreiras de servidores públicos estaduais, projetos votados recentemente?
Voltaire - É uma questão complexa, foi amplamente debatida na Assembleia, algumas questões foram, inclusive, judicializadas, e os desembargadores que integram o Órgão Especial receberam mandados de segurança e outras medidas judiciais. Isso deve ser analisado caso a caso, mas foram leis bem impactantes e que, dentro do que vi, seriam necessárias. Creio que ainda há ações a serem propostas no Judiciário.
JC - Os servidores da Justiça estão esperançosos com a sua gestão, apostando em um novo momento na relação e na condução de temas como a revisão do plano de carreira. O senhor já adiantou que pretende constituir uma comissão para tratar do assunto, como se dará esse trabalho?
Voltaire - Costumo cumprir o que prometo e, para dar efetividade à questão dos servidores, instalei ontem (dia 5 de fevereiro) a comissão que vai tratar do plano de carreiras, com a presença de todos os segmentos de servidores. A comissão é presidida pelo desembargador Eduardo Uhler e hoje (dia 6 de fevereiro) realizou sua primeira reunião, pedi celeridade para resolver a questão, e estamos trabalhando em uma ideia de pré-calendário.
JC - No ano passado, em função das novas regras previdenciárias, houve uma enxurrada de aposentadorias em todos os setores. O quanto isso impactou no funcionamento do Judiciário gaúcho?
Voltaire - Está afetando. O que afeta foram as pessoas extremamente qualificadas que perdemos, com toda a qualificação, vivência, expertise de anos aqui no tribunal, e para colocar alguém com esse perfil é muito difícil e nos causou um problema muito sério.
JC - E como anda a questão dos depósitos judiciais? O senhor tem noção de como está o rendimento? Fizeram algum levantamento recente sobre o tema?
Voltaire - Anteriormente, o Executivo lançava mão disso; hoje, já está esgotada essa possibilidade. Estou pedindo um levantamento de tudo isso, até porque havia uma preocupação, inclusive da OAB, com relação a esses depósitos, de o Executivo pegá-los e depois chegar a um ponto de não ter disponibilidade financeira. Temos uma preocupação muito grande com os precatórios. Quando uma pessoa não recebe precatório, como é pago pelo Judiciário, dizem "isso é desrespeito à celeridade", só que quando uma ação é ajuizada contra o poder público, os bens públicos são impenhoráveis. Chega ao final, quem tem que disponibilizar esse dinheiro é o Executivo, seja ele União, estado ou município, e, quando não vem esse dinheiro como deveria, as pessoas se queixam do Judiciário, quando, na verdade, a causa não está lá.
JC - Dos projetos que pretende implementar, o senhor adiantou a realização de um voltado aos jovens magistrados e outro ao atendimento do cidadão carente. Também deve ocorrer o 1º Fórum de Interlocução do Poder Judiciário com a Sociedade, como se darão esses projetos?
Voltaire - Esses projetos do jurisdicionado carente e do jovem futuro magistrado estamos trabalhando, é uma ideia inicial ainda. O mais importante, agora, é o 1º Fórum de Interlocução do Poder Judiciário com a Sociedade. Vamos debater com as associações comerciais, entidades, sindicatos e representações dos operadores do Direito sobre o acesso ao Judiciário, as dificuldades, os eventuais elogios e as sugestões, para que tenhamos uma visão externa do que a sociedade e suas mais diferentes representações estão pensando. Não queremos simplesmente pensar que sabemos tudo, temos de sentir a sociedade, pois o nosso Judiciário trabalha para dar uma prestação jurisdicional aos gaúchos e às gaúchas, e tem de ter uma visão externa. Também vou ao Interior ouvir os magistrados, os servidores, em uma administração coparticipativa.
JC - O senhor destacou previamente a meta de dar atenção especial à Justiça de 1º grau. De que forma pretende fazer isso?
Voltaire - Vamos perguntar aos juízes, vamos ouvi-los sobre os problemas e no que podemos melhorar. É ali que, primeiramente, as coisas acontecem, onde se verifica, no 1º grau, que as pessoas estão mais próximas, vão ao Foro, o juiz tem contato direto com a população, e cada comarca tem as suas peculiaridades, e isso muda conforme a região, a colonização, até os delitos. Então temos de fazer essa análise e é o que pretendemos.
JC - Partindo para questões mais amplas do Judiciário, como o senhor vê a implantação do juiz de garantias?
Voltaire - Essa é uma questão muito complexa. Dentro do Judiciário há magistrados que são a favor e outros que são contra. O problema é que o juiz das garantias mexe profundamente com a estrutura do processo, e aí temos que verificar a realidade na qual vivemos. Como se trata de uma lei federal, só a União pode legislar sobre o processo. Temos um país continental, a realidade do Rio Grande do Sul é diferente, por exemplo, lá da de Pernambuco. Um juiz, pelo novo sistema processual do juiz de garantias, que determina a quebra do sigilo bancário, por exemplo, fica impedido depois para julgar a causa. Aí vem o substituto. Então é uma questão bem complexa. Em um país com dimensão territorial e posição econômico-financeira mais privilegiada, isso é mais fácil de adaptar. Agora, o juiz das garantias segue a linha doutrinária dos garantistas, que se preocupam muito com direitos fundamentais, que é uma coisa importante.
JC - O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, destacou, na semana passada, ao abrir o ano Judiciário, a importante contribuição do Poder para a solidez da democracia. Ao mesmo tempo, pesquisa divulgada em janeiro mostrou o declínio da imagem do Judiciário entre a população. A que o senhor credita isso e como melhorar a imagem?
Voltaire - O problema é que muitas coisas chegam à população e, às vezes, são transmitidas não de forma completa. Às vezes, quando um preso não é apresentado em uma audiência e tem testemunhas que estavam ali para serem ouvidas, qual é a ideia? De que foi transferida a audiência. Então tende a canalizar para o Judiciário os dividendos negativos, quando, na verdade, isso se deve a algum órgão de outro Poder. O juiz é culpado disso? Não. Da mesma forma, se queixam de que um juiz liberou alguém, aquele velho adágio popular "a polícia prende e o juiz solta", mas não é bem assim, porque, pela Constituição, qualquer prisão somente pode ser decretada pelo magistrado, ressalvadas aquelas situações de prisões em flagrante. Estou dando aqui alguns exemplos que às vezes são distorcidos.

Perfil

Natural de Cachoeira do Sul, o desembargador Voltaire de Lima Moraes é bacharel em Direito, graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com mestrado e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs). Ingressou no Ministério Público em 1980, presidiu a Associação do Ministério Público gaúcho, foi procurador de Justiça e procurador-geral de Justiça por duas gestões (1993-1997), além de presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça e da Confederação Nacional do Ministério Público. Atua no Tribunal de Justiça (TJ) do Estado desde 1997, quando ingressou como juiz do Tribunal de Alçada, sendo promovido, no ano seguinte, a desembargador do tribunal. Na Corte, integrou e presidiu a 11ª Câmara Cível e a 19ª Câmara Cível, e foi o 2º vice-presidente (2010-2012). Foi ainda professor da Faculdade de Direito da Pucrs e advogado da FIN-HAB. Assumiu a presidência do TJ na segunda-feira passada.