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Política

- Publicada em 25 de Novembro de 2019 às 12:44

PEC das emendas parlamentares tira fiscalização do TCU

PEC permite que prefeituras usem dinheiro extra onde quiserem antes das eleições municipais

PEC permite que prefeituras usem dinheiro extra onde quiserem antes das eleições municipais


PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO/JC
Agência Estado
O Congresso Nacional se movimenta para aprovar e promulgar, nesta semana, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para permitir que deputados e senadores negociem livremente com prefeitos e governadores o destino de emendas parlamentares individuais - sem vinculação com programas do governo federal, como é hoje. A ideia é permitir que as prefeituras tenham um dinheiro extra para usar onde quiserem antes das eleições municipais de outubro do ano que vem.
O Congresso Nacional se movimenta para aprovar e promulgar, nesta semana, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para permitir que deputados e senadores negociem livremente com prefeitos e governadores o destino de emendas parlamentares individuais - sem vinculação com programas do governo federal, como é hoje. A ideia é permitir que as prefeituras tenham um dinheiro extra para usar onde quiserem antes das eleições municipais de outubro do ano que vem.
A proposta retira de órgãos federais a fiscalização desses recursos, o que daria margem a questionamentos jurídicos. Um dos atingidos será o Tribunal de Contas da União (TCU), que tem a prerrogativa de fiscalização do recurso federal, tarefa que passará a ser feita por órgãos de monitoramento locais. A medida foi criticada por procuradores da República, que dizem que ela enfraquece não apenas o combate à corrupção, mas também a "boa governança de recursos públicos".
Apresentada em 2015 pela então senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), hoje deputada federal, a PEC foi resgatada no Senado por Davi Alcolumbre (DEM-AP). O projeto tira o poder de manobra do Palácio do Planalto e dos ministérios na destinação dos recursos, mas, ao mesmo tempo, agiliza verbas aos municípios - promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro. Com isso, Bolsonaro pavimenta sua relação com prefeitos e parlamentares que exercem liderança regional.
A PEC foi aprovada na Câmara com 391 votos favoráveis e só 6 contrários na terça-feira. Contou ainda com o apoio da liderança do governo, que orientou o voto favorável à proposta. Ela deve passar pelo Senado nesta terça-feira (26) em dois turnos de votação, e já seguir para promulgação - diferentemente de projetos de lei e medidas provisórias, PECs não dependem de sanção presidencial.

Certeza

Certo da viabilidade da estratégia e mesmo antes da aprovação da proposta, o Congresso reabriu na sexta-feira (22) o prazo para parlamentares indicarem emendas ao Orçamento do ano que vem, já considerando a adoção das novas regras. Assim, deputados e senadores poderão alterar a indicação da emenda de uma obra específica, por exemplo, e deixar o dinheiro livre para os prefeitos.
Isso porque, pela proposta, prefeitos e governadores poderão escolher para onde vai o dinheiro. O texto assegura a transferência direta, a Estados e municípios, de 60% das emendas individuais, num total de R$ 5,7 bilhões, ainda no primeiro semestre do próximo ano.
Ao aprovar a PEC, a Câmara ignorou parecer técnico da Casa. A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara avaliou que a medida poderia fragilizar o orçamento e desviar recursos das prioridades definidas pelo governo federal e aprovadas no Congresso. "Sem a especificação de despesas, afasta-se dos contribuintes e do público em geral o conhecimento da atividade e da política financeira aprovada pelo governo federal", afirmava o parecer.
Quanto à reabertura do prazo para a indicação de emendas dentro das novas futuras regras, a assessoria da Comissão Mista de Orçamento (CMO) informou que essas emendas na nova modalidade serão analisadas pelo Comitê de Admissibilidade de Emendas, vinculado ao Congresso, só após a promulgação do texto e alegou que foi necessário reabrir o sistema antes disso para viabilizar a transferência dos recursos em 2020.

Novas regras

A PEC havia sido resgatada pelo Senado neste ano. Em abril, os senadores aprovaram o texto. Como a Câmara alterou o conteúdo, a PEC retornará agora para análise do Senado. Parlamentares justificam a proposta com a necessidade de destravar recursos para a "ponta", onde está o eleitorado, especialmente nos municípios.
Cada congressista tem direito a destinar R$ 15,9 milhões em emendas individuais por ano. O valor total dessas emendas será de quase R$ 10 bilhões em 2020. A Constituição manda que metade do montante seja aplicada em saúde. Na outra metade, os parlamentares escolherão se destinam os recursos na nova modalidade, chamada de "transferência especial", ou na antiga, a "com finalidade definida".
Na transferência livre, o dinheiro não será mais fiscalizado pelo TCU, e o controle caberá a tribunais de contas e promotores locais. A proposta provocou reação de auditores do tribunal. Nota da Associação da Auditoria de Controle Externo do TCU encaminhada a senadores diz que a pulverização da fiscalização dificulta o diagnóstico de fraudes sistêmicas na aplicação de recursos federais. "A proposta representa inaceitável retrocesso em relação aos avanços conquistados com a promulgação da Constituição de 1988, cujo resultado pode ser o aumento da percepção de impunidade."
Mas, para o presidente da comissão especial da Câmara que analisou a proposta, Eduardo Bismarck (PDT-CE), a fiscalização por tribunais de contas e promotores locais vai ter mais eficiência. "Quem perde poder normalmente grita. Na hora em que eu levo a fiscalização para a ponta, ela é muito mais atuante", afirmou. "A emenda serve para mostrar que o parlamentar conseguiu aquele recurso no momento adequado junto à população. O parlamentar precisa de visibilidade, mandar o dinheiro para determinada coisa e aquela coisa acontecer."

'Estímulo para coisa errada'

O presidente do TCU, ministro José Múcio Monteiro, afirmou neste Domingo (24) que está preocupado com a PEC que retira do tribunal e de outros órgãos federais a fiscalização do uso de verbas da União repassadas a Estados e municípios que deve ser apreciada pelo Senado.
Múcio disse que tirar o TCU desse processo de averiguação do uso das emendas com recursos federais "é um estímulo para quem quer fazer a coisa errada".
"Fico preocupado com essa mudança", afirmou. "Imagine se a pessoa tiver a certeza de que não vai ser fiscalizada? É um estímulo para quem fazer a coisa errada", destacou o ministro.
Múcio também ressaltou que "hoje já não é fácil fiscalizar as emendas carimbadas, imagine essas outras". Apesar do receio, o presidente do TCU disse acreditar em um debate amplo sobre o tema e que isso não deve passar fácil no Congresso. "Eu acredito que isso ainda vai ter muita discussão. Tem que ser muito bem pensado. Afinal, é uma mudança radical tirar o controle do dinheiro público."

Controles enfraquecidos

A PEC enfraquece a boa governança de recursos públicos, segundo autoridades ouvidas pela reportagem. "O dinheiro das emendas parlamentares é uma verba de origem federal e sempre teve fiscalização federal", disse o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Fábio George Cruz da Nóbrega. Uma mudança, segundo ele, estaria subvertendo essa lógica.
"(A PEC) retira a competência e a expertise construída pelos órgãos federais na fiscalização desses recursos - e aí eu coloco TCU, CGU (Controladoria- Geral da União), Polícia Federal e Ministério Público Federal."
Para Vladimir Aras, procurador regional da República em Brasília, a proposta que tramita no Congresso tem o potencial de enfraquecer "o sistema de controle externo do dispêndio e aplicação de verbas públicas originalmente federais".
Depois de examinar o texto aprovado pela Câmara, Aras fez duas objeções ao projeto. "A Caixa Econômica Federal deixaria de atuar no enquadramento e na fiscalização dos projetos, que não teriam finalidade específica nos Estados e municípios", afirmou.
O procurador apontou que a transferência de recursos como doação, sem vinculação a projetos, "acaba aumentando o risco de mau emprego, desperdício e até mesmo de desvio". Ele disse ainda que os Tribunais de Contas locais "têm problemas de composição e não funcionam adequadamente em grande parte dos Estados".
Na visão do procurador, embora as cidades precisem receber dinheiro de modo não burocrático, o sistema de doação direta pode comprometer o resultado. "Ou seja, obras e projetos importantes mal feitos ou desvirtuados", argumentou.
Além de ter participado das investigações transnacionais da Operação Lava Jato, Aras foi o candidato à chefia do Ministério Público que contou com apoio reservado dos procuradores das forças-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Rio e São Paulo.

Hoje

De acordo com Nóbrega, quando o assunto é desvio de recursos públicos, duas súmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinam o que é competência da Justiça Federal e o que fica aos cuidados das justiças dos estados. Atualmente, verbas de origem federal que são enviadas a estados e municípios mediante convênios e contratos de repasse - caso das emendas - seguem sujeitos à fiscalização federal.
Cabe às autoridades locais fazer o acompanhamento nos casos em que o dinheiro é repassado a cidades e estados por força de repartição de impostos, como no caso dos Fundos de Participação dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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