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Entrevista Especial

- Publicada em 28 de Julho de 2019 às 21:05

Lucro dos empresários pode erradicar pobreza, afirma empresário e ex-deputado Luis Roberto Ponte

Ponte também questiona algumas exigências na área ambiental para viabilizar empreendimentos

Ponte também questiona algumas exigências na área ambiental para viabilizar empreendimentos


LUIZA PRADO/JC
Empresário do setor da construção civil, o ex-deputado federal constituinte Luis Roberto Ponte (MDB) não usa eufemismos para defender seus pontos de vista. Aos 85 anos, o ex-ministro defende, por exemplo, a tese de que o setor privado, e não o Estado, é capaz de erradicar a miséria no País. O emedebista sustenta que "quem pode acabar com a miséria é só quem gera a riqueza" e critica a concepção de "Estado provedor".
Empresário do setor da construção civil, o ex-deputado federal constituinte Luis Roberto Ponte (MDB) não usa eufemismos para defender seus pontos de vista. Aos 85 anos, o ex-ministro defende, por exemplo, a tese de que o setor privado, e não o Estado, é capaz de erradicar a miséria no País. O emedebista sustenta que "quem pode acabar com a miséria é só quem gera a riqueza" e critica a concepção de "Estado provedor".
Segundo Ponte, é por meio do lucro oriundo da produção da iniciativa privada que será possível desenvolver o País e combater a pobreza. "O lucro é que vira fábrica, terra plantada, shopping center, cinema", exemplifica.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Ponte também reclama dos entraves para empreender no Brasil e questiona, de forma incisiva, a atuação de órgãos de controle, como Tribunais de Contas e Ministério Público (MP), por considerar que interferem de forma exagerada nas obras licitadas pelo Executivo.
Ponte também questiona algumas exigências na área ambiental para viabilizar empreendimentos. "No tempo do Polo Petroquímico (de Triunfo), foi uma luta. Disseram que ia acabar com o Rio Grande do Sul, poluir, e está aí o polo, salvando muita gente. Você vai fazer um polo carboquímico, está cheio de gente que é contra", critica.
Jornal do Comércio - Qual é a sua tese sobre destravar o desenvolvimento econômico e erradicar a miséria no País?
Luis Roberto Ponte - A preocupação de qualquer sociedade que pretenda ser um dia civilizada é erradicar a miséria. Não há coisa mais triste do que a convivência com uma parcela grande da população sem condição de viver em dignidade. E isso, como regra, é balizado por aqui como uma convicção do pessoal chamado de esquerda. Quando entrei na vida pública, em 1986, a percepção era essa. Quem tinha compromisso com isso era o que se chamava de esquerda. Era o PT. Era um carimbo que a esquerda tinha. O carimbo do que se chamava de direita era a insensibilidade com a tragédia humana da pobreza absurda. E, mais ainda, muitos tinham a visão de que eram pessoas que viviam no mundo empresarial e que não tinham compromisso contra a corrupção. Uma caricatura que foi ficando. Então, ficou como o bem e o mal. E foi se disseminando essa ideia de que a causa da pobreza é o empresário. A pessoa olha assim, "aquele camarada mora em um apartamento só ele e a mulher, em 1 mil metros quadrados, e olha o que ele paga, R$ 1 mil para os empregados. Logo, é um insensível". Isso é uma conclusão aparentemente óbvia. E a verdade é o oposto.
JC - Por quê?
Ponte - Quem pode acabar com a miséria é quem gera a riqueza. Acabar a miséria não é discurso. Não é sensibilidade real ou teatral com isso. Não é achar que é uma decisão política. "O governo não faz isso, o governo não paga, olha quanto pagamos, não tem hospital..." Não adianta. As pessoas só saem da miséria quando tiverem uma casa digna, água tratada, roupa, escola, comida. Se não houver quem produza isso, não tem como sair da miséria. Então, essa confusão foi criando no País um anticorpo contra o empresário. O Brasil começou a criar dificuldade de produzir aqui. Por exemplo: temos uma pedreira, há 40 anos está se esgotando; tem que fazer uma extensão. Tem umas plantas, uma mata nativa que você tira dali... Agora estão complicando para expandir. Vão nos obrigar talvez a sair para outra pedreira para fazer outra cirurgia, que é muito mais caro, e isso quem paga, em última análise, é o povo. É o miserável que vai ficar mais tempo miserável.
JC - Como mudar isso?
Ponte - Sabe quem que pode resolver o problema dos miseráveis? O lucro. Aí é que é chocante, porque as pessoas veem o lucro como a exploração. O cara, em vez de dar para os pobres, ficou com ele. Porque o lucro é que vira fábrica. O lucro é que vira terra plantada. O lucro é que vira shopping center. O lucro é que vira cinema. O dinheiro não cai do céu. Só cai da produção. E quando falo em produção, é quem empreende e dá sustentação à empresa, que são os trabalhadores. Uma sociedade tem pessoas que têm vocação para umas coisas e outras para outras. Tem os Bethovens e tem os que só sabem varrer a rua. Ambos têm dignidade. Tem que ser tratados igualmente. Vão ganhar igual? Não. Um jogador de futebol, o povo está disposto a pagar R$ 1 milhão por mês. Ninguém acha injusto. Se um empresário tirar isso, é explorador. Isso ficou no "inconsciente" das pessoas. Só tenho a minha empresa hoje porque ela ajuda a dar emprego, a produzir bens, portanto, a acabar com a pobreza. Não preciso de mais dinheiro na minha vida, não precisava trabalhar 14 horas por dia. É só através do desenvolvimento que se acaba com a miséria. A tese é essa. Vamos conduzir o País para se desenvolver.
Notícias sobre política são importantes para você?
JC - Como observa o atual momento do Estado?
Ponte - Foi criando-se essa ideia de que o Estado é que pode resolver a miséria, o Estado provedor. Vamos fazer o Estado dar o dinheiro, casa, escola de graça. E o Estado tira de onde para fazer isso? Não é ele quem produz. Então, começa a se endividar. Enquanto acha quem deu o dinheiro para ele se endividar, dá graças a Deus: "Ah, consegui um empréstimo!". Quando chega a hora de pagar, aí virou Satanás o cara que emprestou. Gastamos o dinheiro todo pagando juro. E o pior é que, no Brasil, os juros são um vexame. No governo FHC (Fernando Henrique Cardoso, PSDB, 1995-2002), quem botou R$ 1 mil para financiar o governo, no dia 1 de janeiro de 1995, quando ele assumiu, e deixou até 2015, quando a Dilma (Rousseff, PT) saiu, esses R$ 1 mil viraram R$ 31 mil. O governo pagou R$ 31 mil por aqueles R$ 1 mil. Então, além de o governo gastar nos salários altos, aposentadorias precoces, excesso de pessoas, ainda tem essa carga. É isso que nos faz miseráveis. É isso que faz não ter infraestrutura. O lucro que salva o miserável é o lucro obtido por empresas que respeitam a lei na plenitude. O que significa dizer que respeitam seus trabalhadores, a dignidade deles, pagam o que a lei nos obriga a pagar. O único caminho é respeitar, valorizar, incentivar os empreendedores que têm consciência de que estão aqui para cumprir a lei. Sem isso não tem democracia, não tem liberdade, e o passo seguinte é a baderna.
JC - A Lei das Licitações, da qual o senhor foi autor, passou por uma flexibilização...
Ponte - Em 1997, mudaram a Constituição porque a lei era obrigada para todo o governo de tudo que era estado, município, União etc. Não podia fazer uma obra, contratar um serviço que não fosse respeitando a Lei nº 8.666. Como isso atrapalhava os caminhos, tiraram a Petrobras da obrigação de cumprir a lei. Fizeram uma emenda constitucional para a Petrobras ficar fora e fizeram uma regra específica para a Petrobras, que é a lei de licitações da Petrobras. Deu no que deu. Chegou nas obras da Copa, o que fizeram? O tal de regime diferenciado de contratação.
JC - E vieram mais brechas...
Ponte - Então se dizia "são as obras da Copa, tem prazo, essa lei de licitação só atrapalha". Atrapalha nada. As obras param porque não tem dinheiro, não tem licença, o Tribunal de Contas se mete. Então "vamos fazer o regime diferenciado de contratação". Aí estenderam para os aeroportos dos estados onde teria a Copa. Começaram a estender. Foram gostando. Aqui, tem um jeito de conduzir a obra para quem eu quero, para o meu amigo. Quando você tem esse poder, acabou tudo. Está tudo arrombado. Aí é que digo que não haveria Lava Jato se a Lei nº 8.666 tivesse sido respeitada.
JC - E como estão atuando os órgãos de controle, como Tribunal de Contas, Ministério Público?
Ponte - Muitas vezes, querendo o bem, começam a se meter nas obras, porque quem contrata as obras é um ente do governo. O governo do Rio Grande do Sul leva uma licitação, tem técnicos, engenheiros, faz um orçamento, tudo direitinho. Aí, chega um cara do Tribunal de Contas e acha que o preço está caro. Por que se mete nisso? Eles mandam sustar o pagamento, o que é proibido por lei pela Constituição. A Constituição diz lá no artigo 5º: a lei não poderá prejudicar o ato jurídico perfeito, que é um contrato. Se foi feito de acordo com a licitação, é um ato jurídico perfeito. Por isso que as obras da Copa estão paradas aqui. E não foi o tribunal que mandou, foi um auditor do Tribunal de Contas. Ele fez porque acha que tem um preço alto e, às vezes, está alto mesmo. Tem 500 preços, tem um que ficou alto, e os que ficaram baixos, o que você faz com eles? Você manda subir? É essa complexidade. Então isso foi se criando, e os órgãos de administração, do Executivo, começaram a ter medo, e os engenheiros fiscais dos órgãos não assinam mais nada. Porque chega o Tribunal de Contas e diz que está caro. É Ministério Público, é Tribunal de Contas, é AGU (Advocacia-Geral da União). Uma superposição de fiscalização que é um custo enorme para a sociedade.
JC - E como o Executivo deve agir?
Ponte - O tribunal não pode se meter no Executivo, existe independência dos poderes. Os Tribunais de Contas são órgãos auxiliares dos parlamentos, para isso foram criados. Podem alertar: "Olha, cuidado, você cometeu um erro aqui". Mas os estados ficam com medo. Se o cara do MP diz que não pode, inibe totalmente. É isso que disse, "governador pega essa caneta e, quando mandarem o senhor parar, escreva 'não'". Se está fazendo a dragagem do Porto do Rio Grande, que tem um prejuízo diário imenso, os navios não podem entrar com a carga certa, o frete fica mais caro... E o porto se desvalorizando, as pessoas procurando outro porto. Aí apareceu na praia lodo. Então para. Mas como? Os órgãos (ambientais), que são do Executivo, analisaram, e a causa não é a dragagem, e ainda que fosse, o custo de tirar o lodo é muito menor do que o dos navios não entrando. Estou dando um exemplo para mostrar a intervenção desses organismos no Executivo. Desobedeça ao MP, desobedeça aos Tribunais de Contas se eles estiverem se imiscuindo em coisa que não é devida. Essa leitura ficou da constituição do MP, esse superpoder. Às vezes, tem um fiscal que é tarado por meio ambiente e estou querendo explorar carvão... No tempo do Polo Petroquímico (de Triunfo), foi uma luta. Disseram que ia acabar com o Rio Grande do Sul, poluir, e está aí o polo, salvando muita gente. Você vai fazer um polo carboquímico, está cheio de gente que é contra.
JC - Como avalia o início do governo Eduardo Leite (PSDB)?
Ponte - O governador Leite está rigorosamente no caminho certo, buscando o desenvolvimento. Tem consciência que o miserável só se salva com a produção. Tem consciência de que o Estado não tem mais como fazer essa produção.
JC - O governador pretende rever incentivos fiscais das empresas do Rio Grande do Sul. Como avalia essa medida?
Ponte - Os incentivos são um valor alto. Fui secretário do governo (Germano) Rigotto (2003-2006, MDB) que tratava dessa área de incentivo. Os empresários, como regra, quase sem exceção, querem o máximo que puderem tirar do governo em incentivo. A General Motors queria duplicar aqui. Ficamos seis meses negociando. É ilimitado o que eles querem. E ameaçam. É muito melhor dar o incentivo do que não ter nenhum imposto gerado por eles. Esse foi o raciocínio que fizeram muito contra Olívio (Dutra, PT, 1999-2002) quando saiu a fábrica (da Ford). Mesmo que não cobrasse mais imposto, estavam aí os empregos. Então, o balizamento era o seguinte: só dou incentivo que for indispensável para a empresa vir ou ficar aqui. Ponto.
JC - Como avalia o governo Jair Bolsonaro (PSL)?
Ponte - Ele não tem o comportamento tradicional de presidente da República. Não é só o Twitter, também fica dando entrevistas e criando polêmica... Mas dizia aos meus companheiros: "O que o Bolsonaro defende que eu não defendo?". Ele não quer aborto, não quer bandido matando gente, ele não quer o Estado inchado gastando o dinheiro que era para ir para resolver o problema dos pobres, ele abomina corrupção. Por que eu seria contra ele? Ele não é homofóbico. Como que é homofóbico se os gays são amigos dele? Ele não é racista, o maior amigo dele, de muito tempo, é um negro que hoje é deputado (Helio Lopes, PSL) e ele trata como irmão. Como que ele é racista?
JC - Uma polêmica recente é a indicação do filho Eduardo Bolsonaro à Embaixada dos EUA...
Ponte - É possível que tenha acontecido assim: "Pai, estou com a vida mansa no Congresso e quero te ajudar". E agora se criou essa amizade com o filho do presidente (Donald Trump), pode ajudar muito o Brasil, mais do que um papudo falando que tem que ter 50 anos de treinamento para ser embaixador... Não estou julgando, mas não condena o cara só por que é filho.

Perfil

Luis Roberto Andrade Ponte tem 85 anos e é natural de Fortaleza (CE). Engenheiro formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), atua como empresário do ramo da construção civil. Integra a executiva do MDB gaúcho. Foi secretário estadual de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais durante o governo de Germano Rigotto (2003-2006, MDB). Antes, teve experiência parlamentar. Foi deputado federal por dois mandatos. Entre 1987 e 1991, como constituinte, e no período de 1991 a 1995. No primeiro mandato, se licenciou para assumir como ministro da Casa Civil no governo José Sarney (MDB), de dezembro de 1989 a março de 1990. Na legislatura de 1995 a 1999, ocupou uma cadeira na Câmara dos Deputados como suplente. Atualmente, é presidente reeleito da Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul (Sergs) para o período 2019-2021. Também preside, desde maio de 2018, a Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Fospa), por indicação do ex-governador José Ivo Sartori (MDB). É autor do livro Capitalismo sem miséria (Ed. Metrópole, 1986).